Alexandre atende Aras e abre investigação para apurar atos antidemocráticos

Para o ministro, é “imprescindível a verificação da existência de organizações e esquemas de financiamento de manifestações contra a democracia e a divulgação em massa de mensagens atentatórias ao regime republicano, bem como as suas formas de gerenciamento, liderança, organização e propagação que visam lesar ou expor a perigo de lesão os direitos fundamentais”

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta terça-feira, 21, atender ao pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, e abriu um inquérito para apurar “fatos em tese delituosos” envolvendo a organização de atos antidemocráticos. No último domingo, o presidente Jair Bolsonaro participou de protesto em Brasília, marcado por faixas e palavras de ordem contra o Congresso e a favor de uma intervenção militar.

Ao determinar a abertura de investigação sobre os atos, Moraes concluiu que o episódio é “gravíssimo”, pois atenta contra o Estado Democrático de Direito brasileiro e suas instituições republicanas. O ministro ainda destacou que a Constituição “não permite o financiamento e a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático, nem tampouco a realização de manifestações visando o rompimento do Estado de Direito”.

Para Moraes, é imprescindível a “verificação da existência de organizações e esquemas de financiamento de manifestações contra a democracia e a divulgação em massa de mensagens atentatórias ao regime republicano, bem como as suas formas de gerenciamento, liderança, organização e propagação que visam lesar ou expor a perigo de lesão os direitos fundamentais, a independência dos poderes instituídos e ao Estado Democrático de Direito, trazendo como consequência o nefasto manto do arbítrio e da ditadura”.

Na última segunda-feira, quando acionou o STF, Aras não citou especificamente o presidente Jair Bolsonaro, que participou de um ato em Brasília, diante do QG do Exército, marcado por mensagens favoráveis a um novo AI-5, o mais duro ato da ditadura (1964-1985), e por palavras de ordem contra o Supremo e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O procurador, no entanto, justificou o pedido ao STF dizendo que os atos foram cometidos “por vários cidadãos, inclusive deputados federais”. Segundo o Estado apurou, o procurador-geral da República mencionou indícios de participação de dois parlamentares na organização dos atos de domingo, que entraram agora na mira da investigação.

O envolvimento de deputados federais nos protestos de domingo foi utilizado por Aras para justificar que a investigação, que corre sob sigilo, fique no STF. Uma das possíveis frentes de investigação é quebrar o sigilo de contas nas redes sociais.

Fake news. O ministro Alexandre de Moraes é relator de outro processo que apura ataques contra instituições democráticas. O “inquérito das fake news” investiga ameaças, ofensas e falsas notícias espalhadas contra integrantes do Supremo e seus familiares.

A ideia agora é que as duas investigações “se comuniquem”, já que Moraes é o relator dos dois processos, que tratam de ataques a instituições democráticas. Segundo um integrante da Corte, a nova apuração “já terá meio caminho andado”.

Como Moraes quer investigar o financiamento das manifestações de domingo, é possível que empresários bolsonaristas – que já estão na mira do inquérito das fake news – também entrem na mira da nova investigação.

“Vai ser bonito de se ver os patrocinadores de atos que pregam a ruptura da democracia atrás das grades. Já dou uma ideia ao MPF: uma ação civil pública bilionária exigindo reparação de dano moral coletivo, com pedido cautelar de indisponibilidade de bens”, escreveu o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas em seu perfil no Twitter.

A presença de Bolsonaro na manifestação, em que apoiadores pediam o fechamento do Congresso Nacional e do STF, gerou forte repercussão negativa entre políticos, ministros da Suprema Corte e entidades. Uma das principais bandeiras dos manifestantes era a reedição de um novo AI-5, o mais duro ato da ditadura (1964 a 1985), que revogou direitos fundamentais, instalou a censura nos meios de comunicação e delegou ao presidente da República o direito de cassar mandatos de parlamentares, intervir nos municípios e Estados.

A atitude do procurador-geral da República de deixar Bolsonaro de fora do pedido de investigação foi alvo de críticas reservadas dentro do Ministério Público Federal (MPF). A avaliação de procuradores é a de que Aras ficou “em cima do muro” e ignorou a participação do presidente da República. Para um subprocurador, o procurador-geral da República tratou a participação de Bolsonaro como se ela fosse irrelevante ou secundária, quando na verdade, foi a presença do presidente que fez o protesto ganhar contornos ainda mais dramáticos, amplificando a repercussão negativa do ato. Aras foi indicado ao cargo por Bolsonaro.

Algoritmo. Aras pretende apurar se houve nos protestos violação à Lei de Segurança Nacional, que estabelece pena de até 15 anos para quem “tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito”. A legislação também prevê 4 anos de reclusão para quem caluniar ou difamar o presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou o do STF.

O pedido de Aras foi distribuído entre dez ministros do STF – o presidente da Corte, Dias Toffoli, ficou de fora por não receber esse tipo de caso enquanto comandar o tribunal. Dessa forma, por “acaso”, o algoritmo do Supremo deixou a nova investigação com Moraes. “Como diria Maradona: a mão de Deus”, resumiu um ministro.

Estadão

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