Em março de 1988, o prefeito da cidade de Roma, Nicola Signorello, enviou correspondência ao Governador José Aparecido de Oliveira comunicando a impossibilidade de vir a Brasília para as festividades de 21 de abril – data de aniversário de inauguração da jovem Capital, em 1960, e da lendária fundação de Roma, em 753 a.C. – porque teria que receber, no mesmo dia, o Rei Juan Carlos da Espanha, a quem seria outorgado um título honorífico.
A homenagem do povo romano para Brasília, inscrita no papel, sela a amizade e a afinidade cultural entre as duas capitais e celebra o sonho comum de um futuro de paz e prosperidade:
Senhor Governador,
Tenho o prazer de enviar, por intermédio de Vossa Excelência, a calorosa saudação do Capitólio e da cidadania romana, além da minha própria, aos cidadãos de Brasília, neste dia em que celebramos a fundação de nossas duas cidades.
Brasília e Roma: duas capitais profundamente diferentes, mas unidas pela comum latinidade que as liga e as torna inconfundíveis.
Duas capitais diferentes, dizia: Brasília, jovem metrópole projetada para o futuro, nascida pela vontade do iluminado Presidente Kubitschek, declarada recentemente pela UNESCO Patrimônio Cultural da Humanidade; Roma, plurimilenar, pátria comum de todos os povos, cujo nascimento se perde na lenda, vinculadas entre si por uma idêntica vontade de trabalhar pela paz.
Roma recorda a grande satisfação com que acolheu a notícia do nascimento de Brasília, que se quis, significativamente, fazer coincidir com o dia de sua fundação – 21 de abril.
São transcorridos apenas 28 anos desde então, mas profundos laços culturais e de amizade, consolidados com o decorrer dos anos, fazem com que as nossas duas cidades se considerem estreitamente ligadas.
A Loba de bronze de Roma, símbolo da Urbe, está postada à entrada da sede administrativa de Brasília, assim como os Candangos em bronze, que lembram o trabalho e o sacrifício daqueles que edificaram a Cidade sobre o planalto, estão no Capitólio.
O sonho de Dom Bosco, no longínquo 1883, tornou-se realidade, fazendo de Brasília uma cidade irrepetível, singular, nascida do gênio de uma cultura para uma nova sociedade e para as gerações futuras.
Ao ilustre colega e amigo José Aparecido de Oliveira, dinâmico Governador de Brasília, e a todos os seus concidadãos, juntem-se os nossos votos mais fervorosos de um futuro de prosperidade e paz num mundo melhor.
Capitólio, 28 de março de 1988.
Nicola Signorello
Houve quem vaticinasse, à época, que Brasília seria a Roma tropical, berço da civilização virtuosa do milênio que se avizinhava. Nossa Capital era uma menina-moça de 28 anos e havia sido declarada Patrimônio Mundial há poucos meses. Era um tempo de euforia.
Transcorridos 60 anos do dia em que foi lançada a chama da esperança no coração do Brasil, vemos o quanto ainda será longo e árduo o percurso para alcançarmos nossa vocação luminosa. Mais ainda agora que, em meio a uma terrível pandemia, temos que enfrentar e vencer muitos inimigos, além do vírus – a desigualdade, a ignorância, a mentira, o desmantelamento das políticas de estado, a destruição da natureza –, todos chancelados por um bando que tomou de assalto nosso país e que, infortunadamente, está instalado na Capital.
Apesar disso, é bom lembrar que não é a primeira vez que o sonho é interrompido. Somos e sempre seremos capazes de nos reinventar, de resgatar o espírito audaz e companheiro dos candangos e candangas que plantaram suas vidas na terra vermelha do planalto.
Celebraremos Brasília sexagenária em casa, no mais do que necessário isolamento social, apreciando, de nossas janelas, o silêncio, o céu infinito e o Cerrado. Esses tempos difíceis e estranhos logo serão uma página virada de nossa História e, acredito, deixarão um legado de solidariedade, de cuidado, de menos consumo, de menos arrogância, de mais atenção com a Natureza e seus ciclos. Não há patrimônio social e cultural dos povos que se tenha construído apenas na continuidade dos bons tempos. Roma é um exemplo disso. As gerações de brasilienses se renovarão na esperança do porvir.
Feliz aniversário, minha querida Brasília!
Arlete Sampaio é deputada distrital pelo PT-DF