Mortes por Covid-19 no Brasil podem ser ainda maiores em função dos atrasos nas estatísticas da Saúde, diz pesquisador

Professor da USP alerta que país vive ‘apagão’ nas bases de dados oficiais sobre o coronavírus, o que deixa dimensão real da doença ‘no escuro’

Com um atraso expressivo na notificação das mortes pela Covid-19 e entraves na transparência das bases de dados nacionais, o Brasil se encontra no escuro quanto à dimensão da pandemia do novo coronavírus no país, alertam especialistas. Na avaliação do professor do instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Inácio Prado, que também é integrante do Observatório Covid-19 BR, os brasileiros vivem um “apagão” de estatísticas, e o número de mortes é maior do que indica o Ministério da Saúde

O principal motivo é o atraso entre a ocorrência de um óbito por Covid-19 e a notificação da morte na base do Ministério da Saúde. Em alguns casos, esse intervalo é de dez dias ou mais. Prado afirma que a demora na testagem pode ser um dos fatores que contribuem para esse cenário, mas não o único, e que a pasta deixou de informar o detalhamento da data das mortes de cada paciente, o que permitiria o parâmetro. 

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— Já é de causar espanto que haja pessoas falecidas sem o resultado do teste. Isso não é normal. A maioria dessas pessoas que faleceram devem ter evoluído para o estado grave, a maioria delas devem ter sido hospitalizadas, e é no momento da hospitalização que se registra como caso grave suspeito e o teste é encaminhado — explica Prado. — O Ministério da Saúde não explica a razão dessa discrepância de datas. O fato desse atraso existir já sugere que tem um problema na notificação.PUBLICIDADE

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Por isso, os dados anunciados diariamente pela pasta representam, na prática, uma fotografia do Brasil há pelo menos sete dias. Procurado pelo GLOBO, o ministério reconheceu a possibilidade de existir “uma lacuna entre a data do óbito e o resultado do teste”, mas ponderou que “todo resultado positivo será computado” e que “essa lacuna não altera as ações necessárias para as ações do poder público contra a Covid-19″. 

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A pasta afirmou, ainda, que a subnotificação de mortes é improvável, já que “todas as mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) são de notificação obrigatória e serão investigadas para Covid-19″. O site UOL compilou números dos boletins do governo federal e repassou ao Observatório Covid-19 BR, que estimou um cenário no qual, em uma perspectiva conservadora, os óbitos pela doença são pelo menos 122% maiores do que o reportado oficialmente até o último dia 15, quando havia 1.736 mortes confirmadas. 

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Ouvido pelo GLOBO, o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Wanderson Oliveira, declarou também não conhecer a fundo o levantamento do Observatório Covid-19 BR, mas afirmou que as estimativas do governo apontam números menores, com subnotificação de 17% no número de mortes.PUBLICIDADE

Segundo ele, há hoje no Brasil 2.584 óbitos registrados em cartório sob suspeita de morte por Covid-19, enquanto o número oficial do Ministério da Saúde aponta para 2.347 mortes confirmadas pela doença, segundo boletim divulgado neste sábado.

— Esses dados indicam uma taxa de 17% de subnotificação de óbitos. O que posso dizer é que temos uma diferença de 443 registros que estão nos cartórios e não foram incluídos ainda como casos confirmados, alguns estão sendo investigados. A subnotificação sempre existiu e sempre vai existir em todos países —  afirma Wanderson. —  O que acontece é que há óbitos que não necessariamente entram como suspeita de Covid-19. Às vezes a pessoa entra por uma causa no hospital e pode pegar Covid-19 lá dentro. Então, se não tivermos amostras adequadas nunca fecharemos esse diagnóstico como morte por Covid-19. 

O secretário afirma que a tendência é que a subnotificação de óbitos vá caindo ao longo do tempo:

—  Há óbitos por Covid-19 que vamos descobrir um pouco mais adiante. O óbito vai ficando mais preciso ao longo do tempo, a partir do momento que tivermos testes mais precisos para o diagnóstico.PUBLICIDADE

‘Apagão de dados’

O pesquisador Paulo Inácio Prado, no entanto, sustenta que os cientistas brasileiros, que na sua avaliação se organizaram rapidamente para responder à pandemia, constataram um verdadeiro apagão de informações sobre a Covid-19. O próprio Ministério da Saúde limitou o acesso à base de dados de notificações, de acordo com o professor da USP, o que antes era possível através da solicitação justificada de acadêmicos. 

— Hoje conseguimos esses dados em São Paulo através da secretaria municipal de Saúde, por exemplo. Essa base é de interesse público, há uma massa crítica imensa de pesquisadores capazes de prover informações sobre a pandemia — diz o pesquisador. — É possível garantir isso, o ministério já tinha um termo de cessão de dados muito preciso, com o cadastro do pesquisador e da instituição com justificativa e a concessão de uma chave de acesso. É preciso estabelecer uma política pública de disponibilização desses dados.  

Com isso, seria possível produzir estatísticas sobre a epidemia diariamente, afirma. Mas o atraso nos registros permaneceria como um desafio, sem mencionar a subnotificação dos casos no Brasil.

— Nós temos o atraso, quando o número um dia chegará, e a subnotificação, que significa que as estatísticas não chegarão à base de dados. O Brasil optou oficialmente pela subnotificação no modelo que coloca como compulsória a notificação apenas de casos graves. O ministério agora começou a tentar notificar os casos leves, mas por um caminho que duvido muito que dará certo — avalia Prado. — Isso nos deixa no escuro. Você não sabe mais a extensão de casos leves, que são aqueles que evoluem para os casos graves. Várias políticas públicas ficam sem norte.PUBLICIDADE

Como resultado, o Brasil deixa de acompanhar um número expressivo de vítimas da Covid-19. Prado defende um conjunto amplo de políticas públicas que avancem para além da testagem, a exemplo da Coreia do Sul, que verificou as necessidades de cada paciente para garantir o cumprimento do isolamento, incluindo amparo da assistência social. 

— O Ministério da Saúde deveria, no mínimo, informar para o público quantos casos estão confirmados, quantos óbitos foram notificados e quantos casos e mortes ainda estão em investigação. Depois disso, é preciso esclarecer quantas suspeitas e óbitos já foram testados e quantos ainda não foram? Quantos estão em fila? — questiona. — Além disso, municípios e estados ainda têm adotado critérios diferentes. 

Ainda na nota encaminhada ao GLOBO, O ministério reitera ainda que cerca de 80% das pessoas que tiverem contato com a Covid-19 serão assintomáticas, “portanto, nem saberão que contraíram o vírus, ou ainda terão sintomas leves semelhantes a uma gripe comum”. O ministério esclarece ainda que, seguindo orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), mantém intenção de ampliar a testagem para coronavírus na rede de saúde. 

“O Ministério da Saúde tem previsão de adquirir quase 23 milhões de testes para a população por meio da rede pública de saúde. Estão estabelecidos testes para os casos graves e óbitos (testes biológicos) e para os profissionais da Saúde e segurança (testes sorológicos)”.

O Globo
 

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