Bolsonaro aproveita demissão de Mandetta para voltar insistir na perigosa tese de relaxar a quarentena para “salvar empregos”. “Podemos ter uma tragédia, com muitas pessoas morrendo, e é óbvio que isso vai afetar também a economia porque uma pessoa morta não trabalha”, rebate Gleisi
Em novo pronunciamento em cadeia de rádio e TV, na quinta-feira (16), o presidente Jair Bolsonaro voltou a insistir no falso argumento de que o afrouxamento do isolamento social é o caminho certo para a retomada do crescimento. “O que eu conversei com o doutor Nelson [Teich, novo ministro da Saúde] é que, gradativamente, nós temos que abrir o emprego no Brasil”, disse, mantendo o tom de confronto às recomendações internacionais de quarentena da população para conter o avanço do coronavírus no país. “Essa grande massa de humildes não tem como ficar presa dentro de casa. E o que é pior, quando voltar, não terá emprego”, afirmou, esquecendo-se de que a politica ultraneoliberal e de cortes de direitos e salários de seu ministro da economia, Paulo Guedes, é a grande responsável pelo aumento da informalidade e do desemprego.
A presidenta Nacional do PT, Gleisi Hoffmann, critica duramente a postura de Bolsonaro. Para Gleisi, o discurso de que o trabalhador humilde deve sair para buscar seu sustento, porque o Estado não consegue prover para todos, é uma falácia, além de ser preconceituoso. “Essa declaração é desastrosa, demonstra falta de humanidade, faz uma naturalização da pobreza. Primeiro porque parte do pressuposto de que as pessoas pobres tem de se expor mesmo, jamais vão ter proteção”, afirma Gleisi. “É em um momento como esse que o Estado deve agir, protegendo os mais pobres para que eles possam fazer a quarentena, para não ficarem expostos ao vírus”, observa.
Gleisi lembra que, ao contrário do que argumenta Bolsonaro, o Estado não irá sustentar a vida das pessoas para sempre, mas “estamos falando de uma situação emergencial”. E questiona: “Como o Estado mantém o emprego? Bancando o emprego, bancando a renda das pessoas”. Ela ressalta ainda que o governo dispõe de todos os meios para emitir moeda, como vem sendo feito em outros países, para mitigar os efeitos da crise sobre a atividade econômica.
A líder petista adverte que o relaxamento do isolamento pode levar, além da perda de vidas, ao desastre econômico, como já registrado na Itália e nos Estados Unidos. “Podemos ter uma tragédia, com muitas pessoas morrendo, e é óbvio que isso vai afetar também a economia porque uma pessoa morta não trabalha”.
China aponta o caminho
Pela observação dos países afetados antes do Brasil, não é difícil chegar à conclusão de que o isolamento social tem, de fato, sido eficaz, não apenas para salvar vidas, mas para acelerar a retomada da atividade econômica. A China, que adotou rapidamente medidas de contenção da pandemia do coronavírus por meio da restrição da circulação de pessoas, já dá primeiros sinais de recuperação.
Apesar da queda vertiginosa de 6,8% do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre, a China pode vir a ser o único país a registrar crescimento em 2020, com uma projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) de 1,2% de alta. Segundo o semanário britânico The Economist, a quarentena de alcance e severidade de “tirar o fôlego” imposta pelos chineses parece ter funcionado. “O número de casos recentemente relatados de Covid-19 diminuiu para o mínimo. E as fábricas na China estão reabrindo”, relata a revista, na edição deste final de semana.
Aprendendo com a história
Se Bolsonaro menospreza a ciência, unindo-se ao negacionismo do presidente americano Donald Trump, poderia ao menos dar ouvidos aos ensinamentos da história. Um estudo de um consórcio de economistas americanos, incluindo um técnico do próprio Banco Central de Trump, indica que a quarentena pode salvar vidas e a economia, simultaneamente.
Os economistas Sergio Correa, do Banco Central (FED), Stephan Luck, do Banco Central de Nova York, e Emil Verner, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, analisaram os efeitos econômicos da gripe espanhola de 1918 nos Estados Unidos.
Depois de pesquisar a atividade econômica de 43 cidades após o fim do surto epidêmico, os economistas concluíram que os municípios cujas autoridades adotaram planos de contenção como o isolamento social tiveram uma recuperação mais rápida, e com maiores taxas de crescimento, do que as que não seguiram as recomendações.
“Intervenções não farmacológicas [entre elas, o fechamento de escolas, teatros e igrejas; a proibição de reuniões públicas e funerais; a colocação em quarentena dos casos suspeitos e a restrição nos horários de abertura dos negócios] não apenas reduziram a mortalidade, mas também mitigaram as consequências econômicas adversas da pandemia”, atesta a pesquisa assinada pelos economistas.
Os economistas reconhecem as dificuldades que medidas de restrição de circulação de pessoas impõem à economia. “Mas, em uma pandemia, a atividade econômica também se reduz sem elas, já que as famílias diminuem o consumo e a oferta de trabalho para evitar serem infectadas”, afirmam. “Portanto, essas medidas podem resolver problemas de coordenação associados ao combate à transmissão da doença e mitigar a ruptura econômica vinculada à pandemia”, dizem os economistas.
“A lógica econômica em tempos de pandemia, hoje e na época, simplesmente difere da lógica econômica em tempos normais”, declarou Emil Verner, em entrevista ao jornal El País. “Uma pandemia é economicamente tão destrutiva em si mesma que medidas restritivas, se bem projetadas, ajudam a reduzir o estrago”. Em 1918, a gripe espanhola infectou 500 milhões de habitantes, um terço da população mundial à época. A pandemia deixou um rastro de destruição de 50 milhões de vidas perdidas.
Da Redação, com agências internacionais