Coronavírus: EUA são acusados de ‘pirataria’ e ‘desvio’ de equipamentos que iriam para Alemanha, França e Brasil

Os EUA foram acusados de redirecionar para si mesmos um conjunto de 200 mil máscaras que tinha como destino original a Alemanha, em um ato descrito como “pirataria moderna”.

Autoridades em Berlim afirmam que o embarque das máscaras, produzidas nos EUA, teria sido “confiscado” em Bangcoc, na Tailândia.

As máscaras, modelo FFP2, que haviam sido encomendadas pela polícia de Berlim, não teriam chegado a seu destino final. Andreas Geisel, ministro do interior da Alemanha, disse que os equipamentos foram “desviados” para os EUA.

Casos semelhantes, incluindo o que vem sendo descrito como “roubo” de contratos pelos norte-americanos (que estariam fazendo ofertas financeiras mais altas do que as já assinadas entre países e fornecedores) também foram reportados pela França e pelo Brasil.

A 3M, empresa americana que produz as máscaras, foi proibida de exportar seus produtos médicos para outros países após o presidente Donald Trump recorrer a uma lei da época da Guerra da Coreia, nos anos 1950.

Na sexta-feira, Trump disse que havia recorrido à regra para fazer com que empresas norte-americanas oferecessem mais produtos médicos para a demanda interna dos EUA.

“Precisamos destes ítens imediatamente para uso doméstico. Precisamos tê-los”, disse Trump em sua conversa diária sobre o coronavírus com a imprensa na Casa Branca.

O presidente dos EUA, President Donald Trump, em fala na Casa Branca
Image captionO presidente Trump disse que ítens médicos desviados do exterior são urgentemente necessários nos EUA

Ele disse também que autoridades americanas estocaram aproximadamente 200 mil máscaras modelo N95, além de 130 mil máscaras cirúrgicas e 600 mil luvas.

Trump não informou em que locais ou países elas estes ítens foram colocados à disposição dos EUA.

O ministro alemão disse que o desvio de máscaras foi um “ato de pirataria moderna”, em um gesto de pressão para que o governo Trump cumpra regras comerciais internacionais.

“Não é assim que se lida com parceiros transatlânticos”, disse o ministro. “Mesmo em momentos de crise global, não é correto usar métodos do ‘velho oeste’.”

‘Caça ao tesouro’ em busca de máscaras

Os comentários do ministro Geisel ecoaram reclamações de outras autoridades, que também criticaram práticas de compras e desvios que teriam sido adotadas pelos EUA.

Na última sexta-feira, uma carga de 600 respiradores artificiais encomendada de um fornecedor chinês por estados do nordeste brasileiro não pode embarcar do aeroporto de Miami, onde fazia escala, para o Brasil.

Em nota enviada à imprensa brasileira, a Casa Civil da Bahia informou que “a operação de compra dos respiradores foi cancelada unilateralmente pelo vendedor”.

O valor final da compra, de R$ 42 milhões, ainda não havia sido pago pelo governo baiano. A suspeita é de que os EUA tenham oferecido um valor mais alto pelos produtos – uma prática também apontada, por exemplo, pelo governo francês.

Naquele país, líderes regionais dizem ter muita dificuldade para garantir equipamentos médicos, já que compradores dos EUA estariam “furando a fila” ao oferecer valores de compra mais altos que os já assinados.

A presidente da região da Île-de-France, Valérie Pécresse, comparou a disputa por máscaras com uma “caça ao tesouro”.

Uma máscara N95 em um laboratório da 3M
Image captionA 3M recebeu uma ordem para parar de exportar máscaras N95 fabricadas nos EUA

“Encontrei um estoque de máscaras disponíveis e os americanos – não estou falando do governo americano – ofereceram o triplo do preço e se propuseram a pagar adiantado”, disse Pécresse.

À medida que a pandemia de coronavírus piora, a demanda por suprimentos médicos fundamentais, como máscaras e respiradores, aumenta em todo o mundo.

No início desta semana, a Organização Mundial da Saúde (OMS) disse que considera mudar sua orientação sobre o uso de máscaras em público pela população em geral.

Atualmente, a OMS diz que as máscaras não oferecem proteção suficiente para justificar seu uso em massa contra infecções. Mas alguns países adotaram uma visão diferente, incluindo os EUA.

Na sexta-feira, Trump anunciou que o Centro de Controle de Doenças (CDC) do país passou a recomendar que os norte-americanos usem proteção facial não-médica para ajudar a impedir a propagação do vírus.

Pessoas usam máscaras em rua de Nova York, epicentro do surto nos EUA
Image captionO prefeito de Nova York, Bill de Blasio, pediu aos moradores que cubram o rosto quando estiverem fora de casa

Os EUA registraram 273.880 casos de Covid-19, disparado o número mais alto do planeta.

Doença causada pelo coronavírus, o Covid-19 já atingiu mais de um milhão de pessoas e matou quase 60 mil em todo o mundo, segundo dados recentes.

‘Consequências humanitárias significativas’

Por sua vez, a 3M informou que o governo Trump pediu que a empresa pare de exportar máscaras do tipo N95 fabricadas nos EUA para o Canadá e a América Latina.

A solicitação tem “consequências humanitárias significativas”, alertou a empresa, e poderia levar outros países a agir da mesma forma.

A empresa diz que fabrica cerca de 100 milhões de respiradores N95 por mês – cerca de um terço são fabricados nos EUA e o restante é produzido no exterior.

O presidente Trump disse que usou a Defence Production Act (Lei de Produção de Defesa, em tradução livre) para “atingir pesadamente a 3M”, sem oferecer mais detalhes.

A lei foi criada nos anos 1950 e permite que presidentes forcem companhias a produzirem ítens para defesa nacional.

O primeiro-ministro canadense Justin Trudeau disse a jornalistas na sexta-feira que “seria um erro criar bloqueios ou reduzir o comércio”.

BBC Brasil

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