Por Edison Cardoni
Ainda no período em que se falava de uma longínqua epidemia na China, uma professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, Deisy Ventura, explicava que “só existe segurança sanitária verdadeira em sistemas capazes de oferecer acesso universal à saúde”.
A saúde de um é a saúde de todos e o contágio de um será o contágio de todos. Em vez do “salve-se quem puder” – visto num supermercado de luxo de São Paulo – a ordem é salvem-se todos ou a epidemia se espalhará.
No Brasil, o vírus chegou de avião trazido não pelas imaginadas empregadas domésticas do Ministro Paulo Guedes mas, muito provavelmente, por empresários endinheirados ou seus executivos viajantes.
Alguns deles talvez tenham saído às ruas no dia 15 de março para apoiar uma política que destrói os serviços públicos (diga-se de passagem, o “orçamento impositivo” não passou de pretexto para essas manifestações) e um presidente cujo governo empurra o Brasil para o obscurantismo e o autoritarismo.
É óbvio que grades, guaritas, porteiros, vigias, seguranças e guarda-costas não protegem os escandalosamente ricos de serem infectados pelo vírus. Mas se os primeiros casos atingiram a classe alta – até num casamento realizado em resort – a aceleração do contágio no país atinge em cheio a família trabalhadora.
Do ponto de vista da fisiologia, trabalhadores e patrões correm o mesmo risco humano de infecção. Mas não é a mesma a responsabilidade de cada um pelo que já aconteceu e pelo que, potencialmente, ainda pode acontecer. E não apenas no Brasil!
“Austeridade fiscal” é o mantra patronal em todo o mundo. Cortes drásticos nos serviços públicos, nos direitos dos trabalhadores, nas aposentadorias, são apresentados pelo “mercado” como a “única solução” para os problemas econômicos.
Os orçamentos públicos estão cada vez mais magros para investimentos, por exemplo na saúde, e cada vez mais robustos no desvio de recursos para a especulação financeira e o parasitismo, na rubrica “pagamento das dívidas”. A desigualdade social – fermento para novas crises – se alastra e se aprofunda.
O primeiro caso brasileiro com a covid-19 veio da Itália. Há na internet muitos e justos alertas para que não se repita aqui o atraso que lá ocorreu para adotar medidas preventivas. Certo, mas também é preciso falar sobre o sucateamento dos serviços públicos italianos que explica muito do atual caos sanitário.
De acordo com o jornal patronal francês Les Echos, insuspeito de ser pró-trabalhador, “depois de 10 anos de cortes orçamentários, a Itália tem um déficit de 56.000 médicos, 50.000 enfermeiras. E nos últimos cinco anos foram fechados 758 estabelecimentos de saúde”! Não há como atender todos os doentes, os médicos selecionam quem vai viver e quem vai morrer.
Na França, onde o governo se viu obrigado a decretar quarentena, nada menos que 200.000 leitos hospitalares foram fechados em 30 anos de “reformas” impostas pela “responsabilidade fiscal”; em cinco anos perderam-se 70.000 postos de enfermeiros. Angustiado diante da possibilidade de seu país ser o próximo a viver o caos, um médico francês declara “os hospitais estão em tensão permanente, não podemos continuar contando somente com a consciência profissional e a abnegação de nossas equipes”.
Nos Estados Unidos os testes para detectar o coronavirus são caríssimos e realizados numa proporção muito pequena por isso o número oficial de infectados é rebaixado. O que dá uma pista para indicar a gravidade da situação é a decisão do governo Trump de suspender a ligação aérea com a Europa.
No Brasil, o mantra da “responsabilidade fiscal” no governo Temer impôs o “teto de gastos” (Emenda 95) levando o orçamento da saúde a perder cerca de 20 bilhões (16%). Essa regra é agora aprofundada por Bolsonaro com as PECs 186, 187, 188 (emergencial, destruição dos fundos públicos, pacto federativo).
A seguir nesse caminho o Brasil será empurrado para a aniquilação completa dos serviços públicos num quadro em que a desagregação econômica é provocada pela crise do sistema como um todo.
Queda nas bolsas, queda nos preços do petróleo, recessão rondando todos os grandes países industrializados, guerras comerciais… já estava assim antes da pandemia, agora tudo se precipita.
Essa realidade precisa ser amplamente mostrada, denunciada sistematicamente, pacientemente, à população trabalhadora. É para isso que precisamos preservar, proteger e defender nossas entidades sindicais.
É hora de abrir a discussão sobre as medidas que devemos exigir em defesa de todos os trabalhadores, do setor público e privado, como proibição de demissões, garantia dos salários, cestas básicas para os desempregados, mais recursos e equipamentos de proteção para o trabalho no setor saúde.
Que este 18 de março, Dia Nacional de Luta, seja o início de uma jornada, certamente difícil, mas necessária para ajudar o povo brasileiro a defender os serviços públicos e as empresas estatais que, mais do que nunca, ele vai precisar para enfrentar e sair da atual crise.
Edison Cardoni – CondSef