No Brasil, a concepção de soberania nacional vem sendo colocada em xeque. Sob o governo ultraliberal de Jair Bolsonaro (PSL), em apenas 8 meses, 17 empresas entraram na mira da privatização. Para frear o desgoverno do pesselista, foi lançada nesta quarta-feira (4) a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, durante seminário realizado pelas Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, na Câmara dos Deputados.
A ex-presidenta Dilma Rousseff − eleita democraticamente e destituída por meio de um golpe parlamentar em 2016 − participou do evento destacou que houve um grande e ardiloso processo para que iniciassem a entrega dos patrimônios públicos.
“Foi necessário um impeachment sem crime de responsabilidade e a prisão do maior líder político latino-americano, Lula, para que houvesse o espaço do surgimento desse governo e da proposta neoliberal, que entrega nossas empresas e nosso maior bem ambiental, a Amazônia”.
Além da venda de empresas estratégicas e da destruição da região Amazônica, Dilma criticou o projeto Future-se, que pode terceirizar a gestão das universidades que estão sem recursos. Para ela, “um povo que não tem educação, é um povo submetido, e isso é também questão de soberania nacional”.
“Não há soberania se a nação não for capaz de gerar cultura. E não se gera cultura se não há educação de qualidade”, afirmou.
Um dos líderes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, relembrou os três anos de golpe e os prejuízos que a medida casou ao povo brasileiro. Entretanto, Boulos destacou o cenário está mudando. “Usaram o lema Brasil acima de tudo para entregar o país. Agora, as máscaras começaram a cair e o sentimento popular está mudando. As pesquisas atestam isso. Ele (Bolsonaro) não representa a vontade do povo brasileiro e cabe a nós defender a soberania nacional, a democracia e consolidar a virada do jogo”, disse.
O ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, principal adversário de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018, também participou do evento e leu uma carta (Leia íntegra no fim da matéria) do presidente Lula − preso injustamente em Curitiba há mais de 500 dias − destinada ao povo brasileiro. Entre outros pontos, Lula denuncia o entreguismo de Bolsonaro e ressalta que faz-se urgente o enfrentamento.
Para Lula, “o que foi construído com esforço de gerações está ameaçado de desaparecer ou ser privatizado”. O presidente aponta ainda que “os trabalhadores e os mais pobres são os que mais sofrem com essa traição”.
“Cada pedaço do país e das empresas públicas que vendem, a qualquer preço, são milhões de empregos e oportunidades roubadas dos brasileiros”, diz trecho do documento.
O Seminário Soberania Nacional e Popular – Contra as Privatizações será realizada até a quinta (5) e, ao final, aprovará manifesto contra os retrocessos do governo Bolsonaro para o país.
Leia a íntegra da carta de Lula em defesa do patrimônio do Brasil e do povo brasileiro
“Companheiras e companheiros de todo o Brasil,
Sempre acreditei que o povo brasileiro é capaz de construir uma grande Nação, à altura dos nossos sonhos, das nossas imensas riquezas naturais e humanas, nesse lugar privilegiado em que vivemos. Já provamos, ao longo da história, que é possível enfrentar o atraso, a pobreza e a desigualdade, com soberania e no rumo da justiça social Mas hoje o país está sendo destroçado por um governo de traidores. Estão entregando criminosamente as empresas, os bancos públicos, o petróleo, os minerais e o patrimônio que não lhes pertence, mas ao povo brasileiro. Até Amazônia está ameaçada por um governo que não sabe e não quer defendê-la; que incentiva o desmatamento, não protege a biodiversidade nem a população que depende da floresta viva.
Nenhum país nasce grande, mas nenhum país realizará seu destino se não construir o próprio futuro. O Brasil vai completar 200 anos de independência política, mas nossa libertação social e econômica sempre enfrentou obstáculos dentro e fora do país: a escravidão, o descaso com a saúde, a educação e a cultura, a concentração indecente da terra e da renda, a subserviência dos governantes a outros países e a seus interesses econômicos, militares e políticos.
Apesar de tudo, ao longo da história criamos a Petrobrás, a Eletrobrás, o BNDES e as grandes siderúrgicas hidrelétricas; os bancos públicos que financiam a agricultura, a habitação e o ensino; a rede federal e estadual de universidades, a Embrapa, o Inpe, o Inpa, centros de pesquisa e conhecimento, todo um patrimônio a serviço do país.
O que foi construído com esforço de gerações está ameaçado de desaparecer ou ser privatizado em prejuízo do país, como fizeram com a Telebrás, a Vale, a CSN, a Usiminas, a Rede Ferroviária, a Embraer. E sempre a pretexto de reduzir a presença estado, como se o estado fosse um problema quando, na realidade, ele é imprescindível para o país e o povo.
O mercado não vai proteger um dos maiores territórios do mundo, o subsolo e a plataforma continental; a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal. Não vai oferecer acesso universal à educação, saúde, seguridade social, segurança pública, cultura. O mercado não vai construir um país para todos.
A Petrobrás está sendo vendida aos pedaços a suas concorrentes estrangeiras. Já entregaram dois gasodutos estratégicos, a distribuidora e agora querem as refinarias, para reduzi-la a mera produtora de petróleo bruto e depois vender o que restou. Reduzem a produção de combustíveis aqui para importar em dólar dos Estados Unidos. E por isso disparam os preços dos combustíveis e do gás para o povo.
Se a Petrobrás fosse um problema para o Brasil, como a Rede Globo diz todo dia, por que tanta cobiça pela nossa maior empresa e pelo pré-sal, que os traidores também estão entregando? Agora mesmo querem passar a eles os poços da chamada Cessão Onerosa, onde encontramos jazidas muitas vezes mais valiosas que as ofertas previstas no leilão.
Problema é voltar a comprar lá fora os navios e plataformas que sabemos fazer aqui. É a destruição da cadeia produtiva de óleo e gás, pela ação do governo e pelas consequências do que fez um juiz em Curitiba. Enquanto fechava acordos com corruptos, vendendo a falsa ideia de que combatia a corrupção, 2 milhões de trabalhadores foram condenados ao desemprego, sem apelação.
Os trabalhadores e os mais pobres são os que mais sofrem com essa traição. Cada pedaço do país e das empresas públicas que vendem, a qualquer preço, são milhões de empregos e oportunidades roubadas dos brasileiros.
É uma traição inominável matar o BNDES, vender o Banco do Brasil e enfraquecer a Caixa Econômica, indispensáveis ao desenvolvimento sustentável, à agricultura e à habitação. O ataque às universidades públicas também é contra a soberania nacional, pois um país que não garante educação pública de qualidade, não se conhece nem produz conhecimento, será sempre submisso e dependente das inovações criadas por outros.
Bolsonaro entregou nossa política externa aos Estados Unidos. Deu a eles, a troco de nada, a Base de Alcântara, uma posição privilegiada em que poderíamos desenvolver um projeto aeroespacial brasileiro. Rebaixou a diplomacia a um assunto de família e de conselheiros que dizem que a terra é plana. Trocou nossas conquistas na OMC pela ilusão da OCDE, o clube dos ricos que o desprezam. Anunciou um acordo com a União Europeia, sem pesar vantagens e prejuízos, e agora brinca de guerra com os europeus para fazer o jogo de Trump.
Quem vai ocupar o espaço da indústria naval brasileira, da indústria de máquinas e equipamentos, da engenharia e da construção, deliberadamente destroçadas? Quem vai ocupar o espaço dos bancos públicos, da Previdência; quem vai fornecer a Ciência e a Tecnologia que o Brasil pode criar? Serão empresas de outros países, que já estão tomando nosso mercado, escancarado por um governo servil, e levando os lucros e os empregos para fora.
Fiquem alertas os que estão se aproveitando dessa farra de entreguismo e privatização predatória, porque não vai durar para sempre. O povo brasileiro há de encontrar os meios de recuperar aquilo que lhe pertence. E saberá cobrar os crimes dos que estão traindo, entregando e destruindo o país.
É urgente enfrentá-los, porque seu projeto é destruir nossa infraestrutura, o mercado interno e a capacidade de investimento público – para inviabilizar de vez qualquer novo projeto de desenvolvimento nacional com inclusão social. O povo brasileiro terá mais uma vez que tomar seu próprio caminho. Antes que seja tarde demais para salvar o futuro.
Por isso é tão importante reunir amplas forças sociais e políticas, como neste seminário que se realiza hoje em Brasília, junto ao lançamento da Frente Parlamentar Mista da Soberania Nacional. Saúdo a todos pela relevante inciativa que é o recomeço de uma grande luta pelo Brasil e pelo povo.
Daqui onde me encontro, renovo a fé num Brasil que será novamente de todos, na construção da prosperidade, da igualdade e da justiça, vivendo na democracia e exercendo sua inegociável soberania.
Viva o Brasil livre e soberano!
Viva o povo brasileiro!
Luiz Inácio Lula da Silva”
Curitiba, 4 de setembro de 2019
Fonte: CUT Brasília
+ There are no comments
Add yours