Sinpro DF denuncia: intervenção militar chega às escolas sem qualquer tipo de projeto

A intervenção militar imposta pelo Governo do Distrito Federal à educação pública do DF não tem sequer um projeto para descrever o que será feito nas escolas selecionadas pelo GDF para receber este formato de organização da escola pública. Os documentos oficiais do Estado que tratam do assunto são a Portaria Conjunta nº 1, das secretarias de Educação e de Segurança Pública, e o Decreto nº 39.765/2019, do próprio governador.

Os dois documentos não são Projeto Gestão Compartilhada. No caso do decreto, institui uma comissão que criará o projeto. O próprio governador é quem preside a comissão, que é composta por oito pessoas, onde apenas duas são da SEE e uma delas, o secretário Rafael Parente, nem pertence ao quadro de professores do DF. No Artigo 3º, que aponta para a possibilidade de solicitar outros servidores da Secretaria de Segurança, o documento sequer cita a Educação, onde tem as pessoas mais gabaritadas.

Qual o problema operacional?

Atualmente, quatro escolas do DF estão funcionando com intervenção militar sem um projeto específico para este tipo de funcionamento e o governo já anunciou outras seis escolas que também serão militarizadas a partir de agosto.

É a primeira vez no DF que uma mudança na organização da educação pública é feito sem projeto. Neste ponto o atual governo superou a truculência do ex-governador Joaquim Roriz.

Durante a semana de retorno do recesso as seis escolas militarizadas receberam a visita da assessoria do secretário de Educação Rafael Parente. Questionado pelos(as) professores(as) das escolas sobre o detalhamento deste projeto e todas as mudanças que as escolas que receberiam a intervenção militar teriam, a Secretaria de Educação se limitou a pedir desculpas porque o projeto ainda não estava pronto, tendo em vista que os 90 dias fixados pelo Decreto nº 1 não haviam sido suficientes para a finalização de um projeto para ser apresentado à comunidade, de forma que ainda necessitariam de mais tempo para a conclusão do documento. No entanto, a mesma equipe do secretário informava que a comunidade escolar teria que ser consultada e a escola, uma vez a comunidade escolar aceitando a intervenção, funcionaria sem qualquer projeto. Foi aí que teve início um grande embate entre o sindicato e o governo. Uma escola funcionará sem projeto?

Durante as visitas feitas pela SEE ao longo da semana para convencer os professores a embarcarem nesta aventura, a secretaria se limitou a responder questões vagas, como por exemplo o fardamento utilizado pelos(as) estudantes, o uso de adornos (brincos e piercings), a cor do esmalte, o corte de cabelo dos(as) estudantes, dentre outros pontos.

Entenda ponto a ponto o que o GDF está propondo para as escolas que receberão a intervenção militar:

Funcionamento das escolas

Além das quatro escolas que já receberam a intervenção militar a partir do início do ano letivo, outras seis escolas devem começar a funcionar em parceria com a Polícia Militar e com o Corpo de Bombeiros do DF já a partir de agosto, sem projeto específico desta “parceria”.

Cabelo dos estudantes

A equipe do secretário de Educação pediu desculpas, mas que neste ponto não houve avanço no grupo criado para fazer o projeto da intervenção militar (Decreto nº 1) e a PM exige que os estudantes tenham o cabelo cortado curto, sendo proibidos cabelos rastafári, Black Power ou longo. As meninas poderão usar o cabelo solto se o cumprimento for até o início dos ombros. Cabelos longos deverão ser cortados ou amarrados em forma de coque, e cabelos coloridos estão proibidos.

Uso de adornos nas escolas militarizadas

É proibido o uso de piercing e de brincos grandes para as meninas, e qualquer tipo de brinco para os meninos. Até mesmo o uso de esmalte para unhas terão as cores limitadas.

Disciplina militar e seus “supostos benefícios”

Segundo a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Legislativa do Distrito Federal, não existe, no Brasil, um estudo científico que comprove que esta disciplina militar melhore o rendimento escolar. Porém, o relatório sinaliza que nos Estados Unidos um estudo sobre as escolas que adotaram a política de Tolerância Zero detectou que não houve melhora do aspecto disciplina. Portanto, nos EUA a conclusão foi de que este tipo de intervenção policial nas escolas só serviu para oprimir as minorias norte-americanas, em especial os negros.

Rendimento escolar

O mesmo relatório da CLDF, produzido em 2019, aponta que o rendimento escolar em escolas militarizadas no Brasil ocorre em função da exclusão que a escola promove, expulsando estudantes que não se submetam à disciplina militar. O documento sinaliza que a suposta melhora no rendimento ocorre na exclusão, onde estudantes que não se adequam são expulsos, os estudantes que tem baixo rendimento escolar e são reprovados são transferidos de escolas ou são alvo de constrangimentos que o forçam a pedir transferência.

Duplicidade de funções e remunerações

A Polícia Militar, que já é paga para prestar serviços de segurança para a cidade, nesta intervenção está sendo bonificada com o pagamento de uma gratificação de Símbolo DF 12 (R$ 1.793,39), 13 (R$ 2.043,30) ou 14 (R$ 2.350,17), o que na avaliação do Sinpro torna este pagamento uma duplicidade na função do policial, uma vez que eles já possuem uma remuneração para exercer a atividade de segurança pública.

O fato é mais gritante no caso dos policiais que atuarão na direção da escola, recebendo os DF’s 13 e 14, conforme organograma no anexo da Portaria Conjunta nº 1. Neste caso, temos dois diretores na escola e dois vice-diretores: um diretor e vice da SEE e um diretor e vice da Polícia Militar.

Até o presente momento o Tribunal de Contas do Distrito Federal e Territórios (TCDFT) não se manifestou sobre o pagamento de salário e gratificações de direção em duplicidade para a mesma unidade escolar.

Ainda na questão da remuneração, a mediação de conflitos no ambiente escolar é uma tarefa da direção escolar e do pedagogo-orientador educacional. Neste ponto, o governo do DF optou por instalar na escola 20 monitores, que são policiais militares com DF 12, a contratar para cada unidade escolar 20 professores ou 20 orientadores.

Número de policiais nas unidades escolares

A proposta do governo para intervenção militar é que cada escola tenha de 20 a 25 policiais militares ou bombeiros militares. Segundo a assessoria da SEE, que visitou as escolas ao longo da semana, a maioria destes oficiais seriam aqueles que estão readaptados e/ou afastados do serviço de rua por questões de saúde. No entanto a SEE não soube precisar se dentre os policiais alocados no projeto estariam policiais afastados do serviço de rua por motivos de stress, depressão, transtornos de diversos tipos ou problemas relacionados a vícios.

O suposto projeto chega em agosto a 10 escolas realocando dos quadros da PM cerca de 220 policiais militares, aumentando o déficit de policiais que a capital federal já tem.

Ao longo da semana a SEE informou que continuará o processo de militarização até alcançar o mínimo de 40 escolas, ou seja, o GDF utilizará cerca de 900 policiais militares no suposto projeto. No entanto o próprio governador já deu entrevistas aos jornais da cidade afirmando que pretende militarizar 200 escolas até o final do mandato. Neste sentido, ele teria que alocar em torno de 5 mil policiais para atender 200 escolas.

A despesa financeira com o pagamento dos DF’s de 12 a 14 nas unidades escolares gira em torno de R$ 40 mil por mês e cerca de R$ 533 mil por ano só com o pagamento do efetivo policial encaminhado para uma única escola. Este valor nunca foi disponibilizado para uma única escola utilizar em seus projetos pedagógicos e nem serão por meio da intervenção militar, já que este valor pago via gratificações de DF 12 a 14 serão consumidos para pagar em duplicidade o salário do policial militar.

Ao término da implementação de 200 escolas, o GDF estará destinando mais de R$ 106 milhões no salário de 5 mil policiais.

Ao contrário do que foi divulgado que a segurança pública passaria a injetar recursos nas escolas, o dinheiro está sendo injetado na remuneração dos policiais, que como já dissemos, já ganham mais que os(as) professores(as), que estão com os salários congelados desde março de 2015.

Matrícula e renovação de matrícula nas escolas militarizadas

Na chegada da intervenção militar na unidade escolar, todos os estudantes matriculados permanecem com vaga nesta unidade. Porém, até o momento a SEE não confirmou se estudantes que reprovarem terão garantido a renovação da matrícula para o ano seguinte. No Brasil as escolas já militarizadas não renovam matrículas de estudantes que reprovam. Esta é uma exigência da Polícia Militar nos estados que já tem escolas militarizadas e uma forma de camuflar paulatinamente o rendimento das escolas com intervenção, visto que elas excluem os estudantes que têm menor rendimento, ficando apenas com aqueles que obtêm rendimento satisfatório.

No Estado de Goiás, a média para aprovação tem sido aumentada ao longo dos últimos cinco anos justamente para que a escola pudesse, a médio prazo, “selecionar” somente aqueles que têm notas altas.

A partir do segundo ano de início da intervenção militar as vagas passam a ser disponibilizadas por meio de sorteios nas demais unidades da federação. A SEE não confirmou se no DF as vagas destas escolas serão disponibilizadas pelo tele matrícula 156 ou se a SEE adotará o mesmo critério de outros estados, ou seja, sorteio das vagas ou processo seletivo.

O processo seletivo é outra forma de pinçar estudantes com rendimento mais alto para serem estudantes de “sucesso” nesta unidade escolar. Os estudantes que moram próximo à unidade escolar e que historicamente sempre tiveram direito a estudarem naquela escola pelo sistema do tele matrícula, com a intervenção correm o risco de terem que estudar longe de casa porque não foram selecionados ou porque foram reprovados nestas escolas. Isto já ocorre na maioria dos estados que adotaram este projeto. Inclusive o Ministério Público de Goiás proibiu a reserva de vagas para filhos de policiais militares, fato que ocorreu nos primeiros anos de implementação da intervenção.

Aqui no DF esta reserva ainda não chegou a ser cogitada, mas em Goiás houve a necessidade de fazer alterações.

Fardamento

Os estudantes nestas escolas receberão do GDF uma farda, que após vários debates nas cidades e publicações na imprensa local o governo recuou na questão da taxa que seria cobrada pelo fardamento. Nos demais estados a família tem que pagar por este fardamento, fato que acaba sendo um fator de exclusão social, pois as famílias mais carentes têm dificuldade em gastar em torno de R$ 700.

Neste ponto não há segurança de que no futuro, com outro governador, as famílias teriam que desembolsar este valor. Em Valparaiso, a escola militarizada informou ao Sinpro que o custo do uniforme gira em torno de R$ 700, tendo em vista que o estudante adquire uniformes para aulas regulares e de educação física, e este custo é pago pela família.

Aulas da Polícia

No contraturno, os estudantes têm “aulas cívicas” com a Polícia Militar. Estas aulas não têm qualquer tipo de planejamento e os temas são tratados por cada policial do momento.

Em junho, o Correio Braziliense divulgou um vídeo em que um policial estimula os estudantes a cantarem músicas evangélicas. Além disso, há relatos de que nestas “supostas aulas” policiais fazem uso de linguagem machista, sexista e misógina.

Prática do xerife

Os policiais nomeiam entre os estudantes um “xerife”, que tem a função, por tempo determinado, de “dedurar” eventuais infrações dos colegas. Isso resultou na briga do CED 7 de Ceilândia durante o intervalo, quando o policial usou de força desproporcional aplicando um mate-leão em um estudante que nada tinha a ver com a briga.

Beijos no cantinho da boca

O assédio também é um risco que estudantes passam a ter. Em reportagem do Correio Braziliense do dia 4 de junho, no CED 3 de Sobradinho, outra escola sob intervenção militar, um policial militar de 54 anos passava mensagem para as estudantes. Segundo a reportagem, nestas mensagens o policial assediava as estudantes dizendo “beijo no cantinho da boca” e outras levavam “tapas na bunda”. O acesso ao telefone, segundo a reportagem, ocorreu por meio do arquivo da escola.

Fonte: Sinpro DF

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