Mesmo com a nova redação, a reforma daPrevidência atinge os trabalhadores assalariados e acerta em cheio as mulheres, que terão dificuldades ainda maiores para conquistar a esperadaaposentadoria, assim como as mulheres que não recolheram INSS e terão dificuldades para sobreviver com a pensão por morte de seus maridos.
Em fevereiro de 2019, o INSS apontou que 67,7% dos aposentados e pensionistas recebiam até umsalário mínimo: são 23,7 milhões nesta condição, de um total de 35 milhões. Muitos que trabalharam arduamente na construção deste País vivem em situação precária, pois sobrevivem com um salário mínimo, o que é radicalmente difícil numa sociedade desigual e sem oportunidades.
Para a mulher, essa situação é o espelho do mercado de trabalho, pois os salários são menores se comparados aos dos homens. Em levantamento realizado no 4º trimestre de 2018, a PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) mostrou que a remuneração dos homens é em média 28,8% superior à das mulheres.
Não é possível seguir de olhos vendados e não tomar consciência de que nós, mulheres, seremos as mais prejudicadas pela reforma da Previdência. Mesmo com a nova redação, que retoma o tempo mínimo de contribuição a 15 anos, a reforma representa uma crueldade para as mulheres, porque obriga a acumular tempo de contribuição e idade mínima, que se manteve em 62 anos.
É uma crueldade, visto que em 2018 a taxa de mulheres desempregadas chegou a 13,5%, diante de 10,1% dos homens. Entre as mais jovens, a situação é ainda mais grave: 27,2% das mulheres entre 19 e 24 anos estavam em situação de desemprego, conforme o levantamento da PNAD Contínua. Como essa geração vai conseguir se aposentar, tendo de somar idade e tempo de contribuição?
Outro aspecto que afeta diretamente as mulheres são as novas regras da pensão por morte. Em levantamento divulgado em março, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) apontou que as mulheres representam 83,7% do total de dependentes das pensões, porque precisam deixar o mundo do trabalho formal para atuar no trabalho doméstico.
A divisão societária do trabalho imputou a nós, mulheres, os afazeres domésticos e a educação dos filhos. Assim, recai sob a nossa responsabilidade uma jornada bastante árdua, que para muitas começa antes do amanhecer e termina depois das 22 horas. No entanto, além de não ter reconhecimento social, essa jornada provoca atraso no acesso à aposentadoria.
Das 40,8 milhões de mulheres que estavam em alguma ocupação em 2018, cerca de 14,5 milhões não contribuíam para a Previdência. Diante desses números é possível ter a dimensão da importância da pensão por morte para as mulheres: representa por vezes o sustento da casa. Trata-se de um benefício pago aos dependentes do segurado falecido, que estava ativo ou aposentado.
Hoje, o cônjuge ou dependente tem o direito de permanecer com 100% da pensão relativa ao salário do companheiro. No entanto, caso aprovada, a reforma da Previdência irá lhe obrigar a escolher a sua própria aposentadoria ou ficar com uma parte da aposentadoria de seu marido como pensão. Portanto, não será mais possível acumular a aposentadoria com a pensão deixada pelo companheiro.
A mulher que não conseguiu se aposentar também não terá mais o direito assegurado de receber 100% da pensão por morte do seu marido. Um exemplo: se a aposentadoria do marido era de R$ 1.700, a esposa de 70 anos passa a ter o direito de receber 50% do valor (R$ 850) e mais 10% como dependente (R$ 170), totalizando R$ 1.020,00, ou seja, o governo retira R$ 680 dela.
Como essa mulher idosa conseguirá se manter? Será que terá de ir trabalhar? Quem irá contratar uma mulher de 70 anos? O que lhe resta é se desfazer de seu lar e ir morar com os filhos ou ir para uma instituição e viver num ambiente que nunca foi seu? Quantos idosos enfrentam dificuldades para custear remédios, alimentos e demais despesas, mesmo somando as duas aposentadorias?
Trazer esse debate à luz e resistir é também compreender a perversidade desta reforma. Então, participe da roda de conversa “Violão, Vinho & Previdência”, que debaterá os impactos da reforma da Previdência para as mulheres nesta sexta-feira, 28 de junho, a partir das 19 horas, no Espaço Gambalaia e os Laias (Rua das Monções, 1018, Jardim), em Santo André.
Sol Massari é professora, assistente social, mestre em serviço social e especialista em psicopedagogia, atuante na defesa dos direitos humanos
*Artigo publicado originalmente na Revista Fórum
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