Movimento negro exige protagonismo e reprova pacote da morte de Moro

As propostas do atual governo potencializam a prática do ódio e aprofundam o genocídio contra a população negra em curso no País

Cerca de 50 entidades e organizações do movimento negro de todo o País estiveram entre terça e quarta-feira (12) no Congresso Nacional alertando parlamentares da Câmara e do Senado acerca dos perigos que o chamado pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro, e os decretos de flexibilização da posse e do porte de armas no Brasil representam para a população negra do País.

Além disso, as organizações assinaram carta entregue ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), tecendo duras críticas ao pacote anticrime e exigindo a rejeição dos projetos.

“Nesses últimos dois dias reunimos as grandes lideranças do movimento negro brasileiro num esforço gigante de exigir que a representação do povo negro brasileiro seja ator no processo político que estamos vivendo. Não é possível que depois de tanta luta não sejamos atores no processo político brasileiro, num momento de desgraça avassaladora que estamos vivendo.

Não vamos aceitar mais intermediários na luta política brasileira”, disse Douglas Belchior, representante da Articulação do Movimento Negro no Congresso Nacional, durante audiência da Comissão de Direitos Humanos (CDH) que debateu a abolição da escravatura e as ações afirmativas.

As propostas do atual governo apresentadas até o momento, na avaliação do advogado Gabriel Sampaio, potencializam a prática do ódio e aprofundam o genocídio contra a população negra em curso no País. De acordo com dados do Atlas da Violência 2019, 75,5% dos homicídios ocorridos no ano de 2017 foram de pessoas negras.

“Estamos num momento em que no lugar de estarmos discutindo os espaços que a população negra deveria ocupar no Estado brasileiro pelo histórico e a construção de País que somos responsáveis, estamos discutindo a nossa vida.

Lamentavelmente a vida da população negra hoje vale menos do que deveria valer e os responsáveis pelo Estado brasileiro ao invés de discutir políticas públicas para garantir a vida da população negra, está armando a população rica. O pacote anticrime propõe situações jurídicas que nem as ditaduras pelas quais o País passou foram capazes de propor”, criticou Sampaio.

O senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da CDH, também teceu duras críticas as propostas do governo Bolsonaro relacionadas à segurança pública e a falta de política públicas direcionadas à população negra que, segundo dados do IBGE, corresponde a 53,92% da população brasileira.

“O povo negro obteve a alforria a 131 anos, mas falta até hoje uma política de inserção para toda a nossa gente, principalmente no campo social. O combate à violência se faz com livros, cadernos, educação, saúde, emprego e renda. Não com armas. Ainda há grilhões a serem rompidos e feridas expostas que não cicatrizaram”, disse o senador.

Foto: Alessandro Dantas


Ameaças de morte na defesa da terra
A coordenadora do Movimento Nacional de Pescadoras e Pescadores, Eliete Paraguassu, da comunidade pesqueira da Ilha de Maré, na Bahia, relatou que a pesca artesanal tem sofrido, desde o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff tem sido criminalizada.

“As comunidades pesqueiras tradicionais quilombolas movimentam a economia dos estados. E, apesar disso, estamos vivenciando o racismo ambiental nos territórios quilombolas, um vexame que o Brasil esteja vivenciando esse modelo de desenvolvimento que tem nos matado e nos ameaçado”, relatou Eliete, que afirmou estar sofrendo ameaças de morte pela defesa de seu território na luta contra a construção de grandes empreendimentos na região.

Para a representante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Sandra Braga, é inaceitável o Congresso Nacional fechar os olhos para as violações de direitos das populações negras que ocorrem cotidianamente.

“Não podemos aceitar que essa Casa de leis não olhe para as violações, mortes e ameaças que estamos sofrendo. Não é aceitável que um presidente queira retirar todos nossos direitos conquistados ao longo de décadas de lutas. Não permitimos”, enfatizou.

Antônio Francisco, pai da vereadora Marielle Franco, relatou a trajetória da filha que, durante dez anos, atuou na defesa dos direitos humanos e das minorias na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

“Estamos desde ontem numa peregrinação na Casa do Povo tentando ser ouvidos. A mais de 400 anos gritamos, procuramos nossas defesas, mas continuamos sendo aviltados em nossos direitos humanos. Essas ameaças que são feitas, nos dão forças para que continuemos nessa caminhada”, destacou.

País racista
131 anos depois da assinatura da Lei Áurea, o Brasil ainda não fez a devida ruptura com a escravidão, na avaliação do cientista político Daniel Serejo. Para ele, apesar de a escravidão ter sido formalizada do ponto de vista cultural, político e social, o povo negro ainda enfrenta, em diversas situações, “as reações da elite escravocrata desse País”.

“Somos mais de 6 mil comunidades quilombolas no Brasil. Dessas, 3,5 mil são certificadas pela Fundação Palmares. E aproximadamente 200 comunidades possuem títulos. Quais as razões de não haver o efetivo reconhecimento das comunidades quilombolas? O racismo só é o que é, da forma que conhecemos, porque existe uma institucionalidade que o elabora e o chancela”, criticou.

Foto: Alessandro Dantas

Importância da mobilização
Na avaliação do senador Paulo Rocha (PT-PA), a sociedade está despertando e preparando a mobilização na defesa dos direitos sociais conquistas e garantidos ao longo do processo de redemocratização.

“A presença dos movimentos sociais organizados nos corredores do Congresso Nacional mostra que a sociedade brasileira está se mobilizando para que possamos impedir que leis absurdas como o pacote anticrime seja aprovado. Basicamente o projeto dará mais armas aos poderosos para que eles eliminem os mais pobres”, alertou o senador.

Para Carlos Alves Moura, da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o encontro dos movimentos negros em Brasília reforça a luta da sociedade contra racismo, à discriminação e o preconceito que continua vitimando o povo preto no País.

“Esse encontro é como uma recuperação de energia para que nossa consciência cidadã não se esmoreça no instante em que o Estado brasileiro, por seus representantes, pretendem nos aniquilar, tornar letra morta tudo aquilo que a comunidade negra conseguiu por intermédio da militância dos movimentos negros e do apoio dos Três Poderes. Precisamos seguir nessa caminhada”, destacou.

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