Fala de ministro da Educação sobre cortes é ‘cínica e ele mente’, diz oposição

Ao justificar a deputados o “contingenciamento” nas universidades, Abraham Weintraub voltou a defender polícia nas instituições e disse que avanço da educação no país ‘se deu pela iniciativa privada’

São Paulo – A exposição do ministro da Educação, Abraham Weintraub, no Plenário da Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (15), dia de manifestações em todo o país, foi considerada por lideranças da oposição como “cínica” e “mentirosa”. “Nunca vi uma exposição de conteúdo tão cínica”, disse Jandira Feghali (PCdoB-RJ), por exemplo, líder da Minoria. “O ministro fala do ensino básico e fundamental, mas o Fundeb foi cortado em 40%. Cem por cento do Pronatec foram bloqueados.”

Ela exemplificou com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que teve 41% das verbas destinadas à manutenção cortadas, segundo a própria instituição. Jandira citou o Capes e bolsas de pós-graduação, também virtualmente inviabilizados pelo governo Jair Bolsonaro. “Diante das ruas hoje, diante da exposição cínica, a única exigência é que o sr. saia daqui e peça demissão”, acrescentou Jandira. No momento mais tenso da sessão, inúmeros parlamentares da oposição, em coro, pediram “demissão” de Weintraub.

O líder do PT, Paulo Pimenta (RS), lembrou que “milhões de brasileiros e brasileiras” estão saindo às ruas pela defesa do ensino público e gratuito. “E o presidente chama essas pessoas de idiotas, de imbecis.” A apresentação do ministro foi “absolutamente inaceitável”, na opinião do deputado Tadeu Alencar (PSB-CE), líder de seu partido.

Nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro declarou que as manifestações pela educação são promovidas por “idiotas úteis”. Segundo os ele, os estudantes são “massa de manobra”.

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), autor do requerimento de convocação, quis saber o porquê do ódio ao conhecimento por parte do governo e afirmou ser “estapafúrdia” uma declaração de Weintraub, segundo a qual a polícia deve entrar nas universidades se precisar. “Universidade não é lugar de repressão”, disse Silva.

O ministro respondeu reafirmando a necessidade de repressão. “Autonomia universitária não é soberania. As universidades precisam respeitar as leis. Se não respeitar, a polícia tem que entrar sim”, defendeu.

Em sua exposição, Weintraub disse que a política de alfabetização tem de ser baseada “em evidências científicas”. “Não pode ter achismo, tem que ter método e técnica. O formato tem que ser com dados científicos”, defendeu. Afirmou ser preciso valorizar o papel da família na alfabetização “como instrumento de superação das desigualdades”.

Defendeu ainda a prioridade da alfabetização, do ensino básico e fundamental, além do ensino técnico. “O mundo inteiro que se desenvolve trabalha com ensino técnico.” Segundo ele, as universidades não podem ser “torres de marfim, têm que conversar com a sociedade”. Ele defendeu os cortes como parte da política econômica de Paulo Guedes, ministro da Economia.

Segundo Pimenta, o ministro “mente e tenta esconder a realidade do povo brasileiro”. “O que esperar de um ministro que tem como guru (Olavo de Carvalho) uma espécie de astrólogo escatológico? Este é um ministro que envergonha o povo brasileiro. Gosta de ver o Brasil como um quintal dos Estados Unidos. Quer nos transformar num espaço de produção de mão de obra barata”, acrescentou Pimenta.

Idilvan Alencar (PDT-CE), ex-secretário de Educação do Ceará, foi irônico. “O sr. tem que parar com esse conflito entre educação básica e superior, ministro. O sr. tem que voltar ao Ceará, dançar forró. Honre sua tradição, ministro.”

Outra derrota política

Além do fato de Weintraub ter de se explicar na data simbólica de 15 de maio, sua convocação foi considerada mais uma derrota no Congresso Nacional (desta vez importante), porque a convocação foi aprovada a partir de acordo entre a oposição e o Centrão (formado por PP, PR, PSD, PTB, PRB, PSC, PROS, SD, PEN, PTN, PHS, PSL e PTdoB). Apenas o PSL de Jair Bolsonaro e o Novo se posicionaram contra. As manifestações confundiram o governo.

Na tribuna, a deputada Jaqueline Cassol (PP-RO) afirmou que há grande preocupação com o Instituto Federal de Educação de Rondônia (Ifro). “Precisamos também falar do professor”, disse. A parlamentar já apresentou uma emenda supressiva para retirar os professores da reforma da Previdência. “Precisamos cada vez mais investir em educação, precisamos que o Brasil cresça e invista cada vez mais em educação”, acrescentou Jaqueline.

“Não podemos aceitar os cortes”, disse o deputado Otto Alencar Filho (PSD-BA). Expedito Neto (PSD-CE) falou da “grande importância” dos Institutos Federais de Educação. “O sr. está aqui por convocação, e por convocação de quase todos os partidos.” Ele informou que o Instituto Federal do Ceará teve corte de mais de 40%. “Alguns terão que fechar suas portas. Esperava que o sr. pudesse sentir que este Congresso não vai pactuar com cortes em áreas tão sensíveis como em universidades e institutos federais.”

O deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da Oposição, disse que seu partido entrou com uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal pedindo a anulação dos cortes. Perguntou a Weintraub a quem ele “obedece”. “Ao presidente ou aos representantes do mercado, que ligaram para dizer que precisa manter os cortes para não cair a Bolsa? O governo não acredita em livros, acredita em armas. Milhões de brasileiros nas ruas estão dizendo que acreditam em livros. Não chamem os alunos e professores de idiotas úteis.”

Na sua fala, permeada por slides cujos quadros eram mostrados em alguns segundos, Weintraub disse que a expansão da educação brasileira nos últimos anos “se deu pela iniciativa privada”.

Pelo PSDB, Mariana Carvalho (RO) e Pedro Cunha Lima (PB) fizeram discurso em cima do muro, elencando problemas na educação e pedindo “união” para superá-los. Mais do que o governo atual, Mariana criticou a gestão de Dilma Rousseff, segundo a parlamentar, responsável pelas “dificuldades no Fies, Fundeb e Pronatec”.

Diálogo?

Apesar da postura autoritária do governo e dos cortes que já afetam e ameaçam algumas instituições, além da defesa de uso de força policial, Weintraub afirmou que está “100% aberto ao diálogo” e ao “confronto de ideias de forma legítima”. Explicou que “o histórico das revoluções não costuma ser muito bom” .

À tarde, em nota, o Ministério da Educação também tentou ser diplomático, afirmando que “está aberto ao diálogo com todas as instituições de ensino para juntos (buscarmos) o melhor caminho para o fortalecimento do ensino no país”. O MEC acrescentou que “se coloca à disposição para debater sobre soluções que garantam o bom andamento dos projetos e pesquisas em curso”.

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