Por Arlete Sampaio*
Os acontecimentos ocorridos no dia 26 de abril no Centro Educacional 7 de Ceilândia, uma das escolas militarizadas pelo GDF, em que um policial militar utilizou de violência para separar brigas de estudantes, revelam o erro da intervenção militar nas escolas públicas.
Medida implantada pelo Governo Ibaneis Rocha, por meio de Portaria Conjunta, de 31 de janeiro de 2019, em seu artigo 1º preceitua: “O projeto piloto Escola de Gestão Compartilhada visa a colaboração entre a Secretaria de Estado de Educação e a Secretaria de Estado de Segurança Pública, por intermédio de ações conjuntas a fim de proporcionar uma educação de qualidade, bem como construir estratégias voltadas ao policiamento comunitário e ao enfrentamento da violência no ambiente escolar, para promoção de uma cultura de paz e o pleno exercício da cidadania.”
De acordo com o texto do artigo supracitado, o foco dessa medida antidemocrática é a promoção de uma cultura de paz e o pleno exercício da cidadania. No entanto, a ação dos policiais militares na escola, como era de se esperar, pela própria formação militar, tem sido de total desrespeito aos princípios do ensino no país, asseverados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996). A forma despreparada da polícia na atuação junto aos desentendimentos dos estudantes revela uma prática violenta para enfrentar as adversidades do contexto escolar, desconectada com a concepção de educação que é a de construir, na escola, a formação humana de maneira plural e crítica com liberdade e apreço à tolerância, segundo o artigo 3º da LDB.
Ressalta-se que o fato ocorrido advém de uma prática implementada com a militarização, na qual, todos os dias, ao final do turno das aulas, todos os estudantes são obrigados a ir para o pátio, ficar em filas sem se mexer. Por 15 minutos, mais ou menos, segundo os próprios estudantes, estes são obrigados a escutar do Major a doutrinação, que está longe de produzir uma de cultura de paz e o exercício pleno da cidadania. Entre as falas doutrinadoras do Major, destacam-se: “O estudante que não estiver gostando pede para sair”; “Vocês acham que está ruim, saibam que vai piorar quando chegar o novo regimento”. As falas apontam para a prática da imposição do medo, da truculência, do terror, num espaço ou ambiente que deveria ser de convivência tranquila, respeitosa, segura, prazerosa. Revelam a tentativa da imposição da anticidadania, da cultura de guerra, em vez da cultura de paz.
Além disso, os estudantes relatam que levam advertências o tempo todo por andarem com a camiseta fora da calça. Um aluno contou que num único dia levou umas três advertências por conta desta atitude. Não houve, no caso dele, nenhuma forma de diálogo, nenhuma ação de educação, apenas atos de agressão e repressão. Informam ainda, que quando estão no pátio para ouvir a doutrinação, são obrigados a tirar os casacos de frio, mesmo fazendo frio. O Major determina que todos estejam sem casacos para que possa ver todos uniformizados, como se a uniformização pura e simples fosse uma regra fundamental indispensável, ignorando que existimos num Universo, vivemos num Planeta criado e regido pelo princípio do equilíbrio de uma fantástica diversidade, de uma extraordinariamente rica multiversidade, que requer ser compreendido, respeitado e cuidado.
Os estudantes também narram que, inúmeras vezes, ao serem abordados dentro da escola pelos militares, são chamados de vagabundos. Um estudante revelou que ouviu do policial que estudantes com marcas de piercings são traficantes e, tal “risco” no rosto é apologia ao crime. Ademais, quando um ou outro aluno enfrenta os policiais, é conduzido para a DCA. Os estudantes mencionaram, ainda, que há na escola, hoje, o estímulo ao X9, ou seja, uma cultura de delação. Os policiais se aproximam de alguns estudantes, com vistas a convencê-los da nefasta e abjeta prática de denunciar os colegas. A conclusão dos próprios estudantes é de que são tratados como infratores, de que estão numa unidade de internação. Perguntamos: É tratando adolescentes, jovens, estudantes como vagabundos, baderneiros, infratores, e sendo regrados e disciplinados dessa forma que vamos preparar cidadãs e cidadãos honrados, éticos, construtores de um Brasil de paz, justiça e equidade para todos e todas?
O que estamos presenciando com essa militarização das escolas é a entrega da gestão escolar para os militares imporem uma disciplina de quartel, com o objetivo de exterminar o pensar crítico e diverso. Essa prática de intervenção militar nas escolas públicas do DF golpeia a gestão democrática do Sistema de Ensino Público do DF, Lei nº 4.751/2012, cujo texto garante o respeito à pluralidade, à diversidade, assim como a democratização das relações pedagógicas e a criação de um ambiente seguro para o aprendizado e construção do conhecimento.
Nessa linha, o artigo 205 da CF/1988 preceitua que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida (…) visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, sendo “o ensino ministrado com base nos princípios da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, e do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”, entre outros. Militarizando a gestão de escolas vamos promover o pleno desenvolvimento da pessoa, amparado no pluralismo de ideias e compreensões de educação? Militarizando escolas vamos preparar melhor os jovens para o exercício pleno de sua cidadania? Os acontecimentos dessa semana no Centro Educacional 7 de Ceilândia, escancaradamente, parecem indicar o contrário.
É inadmissível ver nossos jovens irem para a escola e serem tratados desta forma. Escola não é lugar de intimidação e adestramento. Escola é lugar de alegrias, de expressões, de trocas, de aprendizagens contextualizadas e de construção coletiva do conhecimento. Escola é espaço de compartilhamento e de debate de compreensões diferentes e pensares diversos.
Como deputada comprometida com os princípios da cidadania e da dignidade da pessoa humana e com os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais de todos as cidadãs e cidadãos deste país, de acordo com a Constituição de 1988, conclamo toda a população do DF a barrarmos esse obscurantismo que está sendo implantado em nossas escolas públicas. Ao invés de doutrinar os estudantes para serem submissos e incapazes de pensar, afirmemos a liberdade de se expressarem, de se formarem numa escola que os respeite como são, em que gestão escolar e professores construam com eles, por meio do diálogo e da participação, as responsabilidades que precisam assumir com a escola, com a sua própria vida e com a sociedade em volta.
Ao invés de tratar os professores como opostos, como adversários, ou como inimigos, sejamos todos, pelas palavras, gestos, atitudes e práticas, efetivamente, concidadãos e concidadãs, suportes e parceiros dos professores. Na sociedade do consumo, em que tudo tende a ser transformado em objeto de uso, mercadoria rapidamente descartável, educar para a cidadania, para o respeito à dignidade e aos direitos humanos, afirmados em inúmeras declarações públicas e variados documentos oficiais, de caráter nacional e internacional, parece tornar-se, cada vez mais, uma missão delicada e desafiadora.
As responsabilidades pela educação plural e de qualidade, pelo adequado cuidado dos nossos jovens, são compromissos que cabem a todas as instâncias, desde governos, instituições, gestores escolares, pais, a estudantes e professores, para que as aprendizagens sejam de qualidade, estimuladas por ambientes e relações de respeito à lei e à dignidade de todas as pessoas, em vista da construção de uma vida digna, de realização de sonhos e projetos de alegria e de felicidade. Ao contrário dos lamentáveis acontecimentos protagonizados nestes dias por quem tem por missão e obrigação zelar pela convivência segura, pacífica e respeitosa de todos.
Arlete Sampaio é Deputada Distrital pelo PT
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