Os estudantes da escola pública do Distrito Federal voltam às aulas, na próxima semana, com a ameaça de perderem o direito ao passe livre. Em janeiro, o governador Ibaneis Rocha (MDB, ex- PMDB) disse à imprensa que uma das coisas que irá restringir é o direito ao passe livre. “Trata-se de mais um governador a desrespeitar as leis em vigor para atender ao empresariado”, disse Cláudio Antunes, diretor do Sinpro-DF.
Rocha disse que considera injusto um estudante, como o filho dele, ter direito ao passe livre. “Duvido que um estudante com condições financeiras tenha disposição para enfrentar a imensa burocracia que existe hoje para aquisição do passe livre. Atualmente, apenas 40% dos 100% dos estudantes que têm direito utilizam o passe livre justamente por causa da burocracia que os impede de acessarem o direito”, afirma o diretor.
Rian Santos Reis, é estudante do Centro de Ensino Médio 01 (CED 01) do Riacho Fundo, diz que a mudança proposta pelo governador irá prejudicar bastante. “Porque o governo irá dizer que nós temos condições de pagar, mas a maioria que eles vão dizer que têm, não tem condições. Eu, por exemplo, não poderei continuar com meu curso que faço em Taguatinga. Para pagar a passagem para o curso não vai dar. Vou ter de abandoná-lo”, declarou. (Foto)
Paulo Cesar Marques da Silva, professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em Estudos de Transportes pela University College of London (Inglaterra), diz que a Lei nº 4.462/2010, tem limitações e que em vez de criar mais burocracia, o governador deveria ampliá-lo porque a educação não ocorre só em sala de aula.
“A ideia do passe livre é reconhecer a condição de estudante e não uma de carente. Por que o governador não está falando em reduzir o valor da meia-entrada em cinemas só para quem não pode pagar a inteira? A ideia da meia-entrada para o cinema, show, teatro etc., todas as atividades culturais, é porque se entende que essa atividade promove a cultura, a educação. Educação não é somente ir para a sala de aula na escola e voltar para casa. É uma formação mais completa. Não existe o crivo nem em relação à condição socioeconômica e nem deve existir”.
Ele afirma que esse direito deveria ser ampliado. “Acho que esse conceito de por ser estudante as pessoas devem ter acesso livre ao transporte é para ir para a escola, assistir aula, como ir para a escola fora do horário de aula para se encontrar, para ir à biblioteca, fazer trabalhos, ir para o cinema, teatro, é para ter acesso à vida e suas atividades, bem como uma vida independente que faz parte da formação da pessoa”, afirma o professor da UnB.
Silva diz ainda que todo ano a UnB tem de ir no DFTrans explicar que o ano letivo da universidade não se resume a um dia que começam as aulas e outro que terminam. Ele conta que todo ano a UnB vai lá explicar que, além das aulas, a universidade tem atividades de extensão, pós-graduação e outros e que os estudantes precisam ir à universidade na hora da aula e fora da hora da aula e que o estudante do mestrado, doutorado, pós-graduação não têm aula e que tem de ir à universidade todo dia, incluindo aí o período de férias e precisam do passe livre nas datas fora do ano letivo. Dois dias depois das declarações de Ibaneis Rocha, Silva publicou, no Correio Braziliense, um artigo intitulado “Passe livre e educação” (confira).
MOVIMENTO ESTUDANTIL – A estudante de agronomia da UnB e militante do movimento Levante Popular da Juventude, Katty Hellen da Costa, disse que, com essa fala, Ibaneis prova que não sabe ou não quer diferenciar o que é um direito e o que é uma política pública para redução das desigualdades sociais. Direito tem de ser garantido a todos, independentemente, de quem seja, se rico, pobre, preto, branco, mulher, homem, LGBT.
“Direito é garantido a todos e o passe livre é um direito conquistado pelo movimento estudantil que não deve ser retirado e, sim, assegurado a todos assim como os direitos previstos na Constituição, nas leis infraconstitucionais e tudo o mais, tais como a saúde, a educação, a moradia, a segurança, o transporte público etc.”, afirma a estudante.
Ela diz que todos os governos que passaram pelo Palácio do Buriti aperfeiçoaram a burocracia para dificultar ao máximo a aquisição do passe livre. Se ele fizer isso, haverá uma piora no processo de burocratização que irá impactar de fato, dificultando ao estudante acessar a faculdade ou a escola.
“Somos contra essas medidas. O que temos comprovado em levantamentos que fazemos é que os estudantes que não precisam de passe livre nunca o procuram até porque não querem enfrentar a burocracia. Retirar o passe livre de qualquer estudante é retirar o direito conquistado. Quem estuda em faculdades particulares, majoritariamente, são pessoas de baixa e média rendas, que precisam trabalhar o dia inteiro para pagar a mensalidade da faculdade no fim do mês. Eles praticamente usam todo o seu salário para isso”, assegura.
O GDF diz que de 195 mil estudantes usam o passe livre no Distrito Federal. Apesar desse número, existem milhares de casos de evasão escolar por causa da burocracia para aquisição do passe livre. “Para a gente não se trata somente de aumento das tarifas, mas a quem o governador Ibaneis Rocha quer servir com o transporte público do DF. O dinheiro que é repassado para as empresas é um valor elevadíssimo que poderia assegurar o transporte público sem cobrança de tarifa”, garante Katty Costa.
O Movimento Passe Livre (MPL) defende a tarifa zero para todos indistintamente. Em 2013, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicou uma Nota Técnica intitulada “Transporte Integrado Social – Uma proposta para o pacto da mobilidade urbana” sobre a viabilidade de criação de um mecanismo de gestão e regulação federativa do transporte público urbano que institui gratuidades sociais e compete para o rebaixamento do valor das tarifas por meio, dentre outras medidas, da desoneração do setor.
FINANCEIRIZAÇÃO DO DIREITO AO PASSA LIVRE – Gabriel Magno, diretor do Sinpro-DF, afirma que o passe livre é um direito garantido e que a declaração do governador é uma tentativa falaciosa, de jogar para a plateia, e dizer que só merece quem não pode pagar e que tem de comprovar a renda é o mesmo discurso da escola pública, da universidade pública, do hospital público, enfim, é a concepção de que isso não é um direito e sim uma mercadoria e pode ser vendido.
“O direito de ir e vir dos estudantes é direito. Direito precisa ser garantido, regulamentado e não criar mecanismos de dificuldades para acessá-lo. Essa conversa de dizer que quem pode pagar, pague, é a lógica da financeirização dos direitos. Trata-se de um equívoco de concepção”, afirma Magno.
Ele diz que, na opinião da diretoria do sindicato, Ibaneis está achando que, por ter sido eleito, ele tem superpoderes e é um supergovernador e esquece que tem outros poderes instituídos também. “O caso do passe livre é mais um exemplo dessa arrogância porque o passe livre, hoje, é uma lei”, afirma. Magno explica que, em primeiro lugar, o passe livre é um direito previsto em lei e que para alterá-lo é preciso mudar a lei. “É preciso enviar projeto para a Câmara Legislativa do Distrito Federal, os deputados terão de debater entre si e com a sociedade, ou seja, o projeto para isso terá de tramitar. Não é a vontade do governador e que se faça valer a vontade”.
Em segundo lugar, outro problema na lógica do passe livre no Distrito Federal é que o governo apresenta as contas, e essas contas são bem duvidosas, mas é preciso identificar a parte do empresário porque sempre o discurso é, e agora nesse caso, de que a conta para o governo é muito alta, mas, se o sistema de transporte é uma concessão pública, é importante que essa conta seja dividida com o empresariado. “Se a gente abrir a caixa-preta do sistema de transporte, qual é o lucro? Qual o tamanho? Qual é a margem disso? Isso vale não só para o passe livre, mas para todo o sistema. Tanto do preço da passagem do usuário que não tem acesso ao passe livre, as condições e qualidade dos ônibus. Há muitos anos que a gente bate nessa tecla”.
Em terceiro lugar, “a outra mentira do governo Ibaneis com relação ao passe livre, é que hoje somente 41% dos estudantes do DF é que acessam o passe livre. Ou seja, dos 100% que poderiam, menos da metade o utiliza. Também não é verdade o que Ibaneis fala de que é preciso restringir. Já é restrito”, afirma.
Por Sinpro DF
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