Em audiência na CCJ, juristas criticaram proposta de alterar a Lei Antiterrorismo e alertaram para os riscos a direitos fundamentais garantidos na Constituição
A tentativa de transformar a Lei Antiterrorismo em ferramenta de controle político e de repressão das reivindicações dos movimentos sociais foi analisada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em uma audiência pública, realizada nesta terça-feira (20).
Os senadores integrantes da CCJ – como os petistas Humberto Costa (PE) e Gleisi Hoffmann (PR) — ouviram as análises de onze debatedores, entre eles um juiz, um defensor público, advogados e ativistas pela liberdade de expressão.
A audiência foi requerida pelos senadores da Oposição, para que o colegiado pudesse aprofundar a avaliação da matéria, que tramita em caráter terminativo (sem necessidade de apreciação pelo Plenário) na comissão.
Especialistas rejeitam
Apenas o representante do Movimento Brasil Livre (MBL), Kim Kataguiri, do Movimento Vem pra Rua, Jailton Almeida do Nascimento, e o delegado da Polícia Federal, Juner Caldeira Barbosa, apresentaram posição favorável ao projeto relatado por Magno Malta.
A proposta, porém, foi duramente criticada pelos demais debatedores, a advogada Nathalie Ferro, representante da Rede de Justiça Criminal, Cristiano Avila Maronna, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Eduardo Nunes de Queiroz, defensor público nacional de Direitos Humanos, Darci Frigo, coordenador-geral da Terra de Direitos e vice-presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, o juiz de direito Marcelo Semer, representante da Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia, Camila Marques, advogada e coordenadora do Centro de Referência Legal em Liberdade de Expressão e Acesso à Informação da ARTIGO 19 e o bispo de Lages (SC), Dom Guilherme Antonio Werlang, representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Reivindicações legítimas
Aliados do presidente eleito, Jair Bolsonaro, vêm orquestrando a alteração, a toque de caixa, da legislação aprovada em 2016, com o claro objetivo de criminalizar manifestações e a atividade política que busca responder a demandas legítimas, como a luta pela terra, moradia e outros direitos.
O instrumento dessa alteração é o PLS 272/2016, de autoria do senador Lazier Martins (PSD-RS), com relatoria do senador Magno Malta (PR-ES), segundo o qual passaria a ser crime tentar “coagir autoridade” a implementar determinado ato ou adotar determinada decisão.
Manifestações na mira
Essa formulação, como foi lembrado durante a audiência, poderia enquadrar como terrorismo um comício pelas Diretas Já, uma greve por reposição salarial no serviço público ou um ato público pelo impeachment de Dilma Rousseff, bastando para isso que um provocador resolvesse incendiar propriedade pública ou privada em suposta associação com essas atividades, por exemplo.
O texto de Lasier Martins é uma tentativa de ressuscitar trechos vetados pela então presidenta Dilma Rousseff no texto aprovado pelo Legislativo, em 2016 — vetos mantidos por esse mesmo Congresso.
Criminalizar movimentos
No afã de intimidar organizações como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) ou o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), o projeto de lei perde de vista o que é de fato o combate ao terrorismo, ressalta o senador Humberto Costa, líder da Oposição.
“Quem são as vítimas dos conflitos agrários no Brasil? Os proprietários de terra, seguramente, não. São os integrantes do MST que são assassinados a toda hora”, lembrou Humberto. Para ele, querer criminalizar a luta pela reforma agrária ampara apenas a propriedade privada de alguns, esquecendo de cuidar da vida de tantos.
“E combate ao terrorismo é, antes de qualquer coisa, preservar a vida”, frisou o senador.
Risco às garantias fundamentais
Para a maioria dos debatedores presentes à audiência pública, essas mudanças prejudicariam direitos fundamentais garantidos pela Constituição, como as liberdades de manifestação e de expressão.
A senadora Gleisi Hoffmann lembrou que todas as condutas que se quer coibir com a aprovação do texto já são tipificadas no Código Penal — incêndio, depredação, saque, destruição ou explosão de meios de transporte ou qualquer bem público ou privado e interferência, sabotagem ou dano a sistemas de informática ou bancos de dados.
A diferença é que, se o projeto de lei for aprovado, a “motivação” de ordem “política, ideológica e social” atribuída a esses crimes passariam a ser punidos com penas de 12 a 30 anos — a mesma prevista para o homicídio qualificado.
Para se ter uma ideia, a depredação agravada pela violência à pessoa ou grave ameaça hoje acarreta pena de seis meses a três anos de prisão e multa proporcional ao dano causado.
Para Gleisi, é muito preocupante a forma como as “razões políticas, ideológicas e sociais” são citadas no projeto, de maneira muito aberta e subjetiva, se prestando a qualquer tipo de interpretação.
Criminalização do like
Outro aspecto obscuro do projeto é a criminalização do “louvor” a uma suposta organização terrorista, conduta que passaria a ser punida com reclusão de quatro a oito anos e multa.
Se esse dispositivo for aprovado, o uso de uma camiseta com a logomarca de um movimento ou um like em postagem de rede social poderá ser punido com encarceramento — em penitenciária de segurança máxima. Com um detalhe: a prisão se dará a partir da acusação, não da condenação, segundo o projeto.
Terrorismo: risco baixo
O risco de atentado terrorista no Brasil é baixo e a principal tarefa dos órgãos que monitoram possíveis é atuar na detecção de propaganda e recrutamento que possa ser levado a cabo por células ou indivíduos inspirados pela causa jihadista, explica o representante da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na audiência, Rodrigo de Aquino.
“É evidente que a motivação política está associada ao ato terrorista, uma vez que seu autor busca fazer com que uma autoridade ou grupo dominante mude ou adote uma decisão”, lembra Aquino.
“Mas, no contexto democrático, a manifestação do pensamento e a realização de atos de protesto são protegidos por lei e legítimos, independentemente do mérito, desde que não se promova uma agenda sistemática de violência”, ressaltou o representante da Abin.
“Não se mobiliza o aparato de inteligência contra indivíduos por conta de suas posições políticas, religiosas ou filosóficas”, explicou Aquino.
O verdadeiro risco
O senador Humberto Costa lembrou que muito mais do que se preocupar com a atuação de movimentos sociais que expressam demandas legítimas de parcelas da sociedade, o Brasil precisa ficar atento a decisões de governo que têm grande potencial de colocar nosso território na rota das ações terroristas.
“Algumas decisões em política externa, por exemplo, têm muito mais repercussão e podem colocar o Brasil na mira do terrorismo internacional, como essa ideia de mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém”, alertou o senador, citando um dos anúncios feitos pelo presidente eleito Bolsonaro “emulando as políticas do governo americano”.
Por PT no Senado
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