Fim da história?

Por Júlio Miragaya

 

Quando o filósofo norte-americano Francis Fukuyama, após o colapso da União Soviética, escreveu “O fim da história”, prevendo que o capitalismo definitivamente triunfara e havia chegado ao fim a busca por um modelo alternativo de sociedade, muitos acreditaram. Mais do que um desejo, tratava-se de uma ilusão pueril.

Fukuyama deveria saber que enquanto houver injustiça social e desigualdade, haverá a busca por uma sociedade mais justa. Deveria ter dado maior atenção à própria história, afinal, já dizia Karl Marx, “a história da humanidade até nossos dias é a história da luta de classes”. Tal luta vai de Espartacus a Lutter King; de Jesus a Mandela; de Zumbi a Chico Mendes. Isso explica as inúmeras revoluções e rebeliões sociais em todo o planeta ao longo da história.

Fukuyama deveria saber que a luta por uma sociedade socialista não cessará enquanto apenas seis famílias mantiverem patrimônio equivalente ao de 3,5 bilhões de pessoas.

Isso vale para o mundo e vale para o Brasil de hoje. Por aqui, após o 28 de outubro, a direita, tal qual Fukuyama, deduz que a esquerda e o PT naufragaram de vez no Brasil. Quanta ilusão! Devem ser informados que Haddad venceu em 11 estados (os nove do Nordeste, mais Pará e Tocantins), empatando em outros dois da Região Norte (Amazonas e Amapá), com Bolsonaro vencendo em 14 (onze do Centro-Sul mais três pequenos da Região Norte).

Eles devem ser informados que Haddad triunfou em 2.810 municípios, contra 2.760 que deram a vitória ao capitão-presidente; que Haddad venceu entre os mais pobres, não apenas no Nordeste e parte do Norte, mas em todo o País, considerando aqueles com rendimento de até 3 salários mínimos e os que possuem apenas o ensino fundamental; e que, ademais, o PT elegeu a maior bancada na Câmara Federal, com 56 deputados, e os partidos de esquerda ampliaram sua representação de 125 para 135 deputados federais.

Eles também devem saber que, concorrendo pelo PT praticamente isolado – coligado a dois partidos pequenos (PCdoB e PROS) com o apoio do PSOL e de setores do PDT e do PSB no segundo turno –, Haddad obteve 47 milhões de votos, representando uma redução de apenas 13,8% (7,5 milhões de votos) em relação aos 54,5 milhões obtidos por Dilma em 2014, que concorria numa coligação ampla, que incluía, além do PCdoB e PROS, partidos grandes como PMDB, PDT, PP, PSD, PR e PRB.

Os entusiastas do capitão-presidente devem ser alertados que ele não tem carta branca do povo brasileiro. Seus 57,8 milhões de votos representam 39% do total dos eleitores. Os 47 milhões de votos em Haddad (32%) e os 42,5 milhões de votos nulos e brancos e abstenções (29%) perfazem 61% dos eleitores brasileiros que não votaram em Bolsonaro.

Juca Chaves criou em 1956 o epíteto “Presidente Bossa Nova” para JK. A partir de 1º de janeiro, assumirá o “Presidente Fake News”. Ocorre que não poderá governar com base em notícias falsas, não mais poderá fugir da imprensa e do debate, não poderá governar com base numa agenda moral, evocando Deus, a família e o antipetismo, mas deverá apresentar soluções para os problemas econômicos e sociais do País e do povo. Enfim, deverá dizer a que veio. E aí mora seu problema.

Na área econômica, propõe-se a aprofundar a política neoliberal, com ampliação das privatizações e a desnacionalização de nossa economia; eliminação de alíquotas de importação, desprotegendo a indústria (e o emprego) nacional; destruição da Previdência pública, copiando o regime de capitalização chileno, tão contestado por lá; instituição de uma alíquota única de 20% no imposto de renda, acabando com a já tímida progressividade do tributo; e corte de impostos das empresas, o que agravará o déficit fiscal. Um conjunto de medidas antinacionais que perpetuará a elevada taxa de desemprego e aumentará a já elevada concentração da renda e da riqueza no País.

Na área de Política Externa, suas propostas vão na direção da total submissão ao imperialismo norte-americano, com provocações à China (ignorando que ela responde por 45% – US$ 25 bilhões – de nosso superávit comercial) e aos países árabes (que importam do Brasil 20 vezes mais do que Israel), ao prometer a transferência da embaixada do Brasil para Jerusalém.

Na área social, promete ampliação nos gastos em Educação, Saúde e Habitação e a militarização do ensino fundamental. Na área socioambiental, aproxima-se uma tragédia, com promessas aos ruralistas de desafetação de áreas protegidas, como unidades de conservação, terras indígenas e quilombolas.

Na área de Segurança Pública e de Direitos Humanos, o admirador do torturador Brilhante Ustra propõe a redução da maioridade penal; a liberação do porte de armas; o enquadramento dos movimentos sociais como terroristas e a instituição do excludente de ilicitude, ou seja, carta branca para o policial militar matar em ação, pois não terá punição.

E no propalado combate à corrupção, o capitão-presidente revela toda sua hipocrisia, pois seus dois principais futuros ministros, Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni, são processados por corrupção, e Luciano Hang, seu empresário financiador mais conhecido, acumula processos por sonegação de impostos à Receita Federal e ao INSS, evasão de divisas e coação eleitoral aos seus empregados.

Num cenário em que a economia mundial deve mergulhar em nova retração a partir do 2º semestre de 2019, os 210 milhões de brasileiros cobrarão soluções para seus problemas. Se isso não vier, não serão discursos raivosos – como o proferido em seu “comício por celular” na Paulista, quando disse que “Esses marginais vermelhos (seriam os 47 milhões que votaram em Haddad) serão banidos de nossa pátria, ou vão para fora do país ou vão para a cadeia” – que aplacarão a frustração e a ira do povo. Com Collor não foi diferente.

 

Júlio Miragaya, é vice-presidente da Associação dos Economistas da América Latina e do Caribe (AEALC)

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