Não há déficit na Previdência Social: por que irá reformar?

Um dia após o segundo turno da eleição presidencial, Jair Bolsonaro disse a Eduardo Ribeiro, repórter que conduziu uma entrevista exclusiva para a TV Record, que na semana que vem estará em Brasília para aprovar a reforma da Previdência.

“E buscaremos junto ao governo atual, Michel Temer, aprovar alguma coisa no que está em andamento lá, como a reforma da Previdência. Se não tudo, em parte, do que está sendo proposto porque evitaria problemas para o futuro governo, no caso, seria eu”, declarou o Presidente da República recém-eleito.

Os problemas aos quais ele se refere é que a reforma da Previdência contida na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287-A é impopular. Ela irá acabar com o direito à aposentadoria para a maioria dos brasileiros. A PEC modifica a Constituição Federal para transformar o direito social à previdência em um produto a ser oferecido pelos bancos privados.

Foi por isso que, em pronunciamento, logo após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgar o nome do candidato eleito, Michel Temer ofereceu a Bolsonaro a aprovação imediata, ainda este ano, da PEC 287-A. Com essa aprovação, a previdência deixa de ser pública e regulamentada pelo Estado para ser explorada como mercadoria pelas empresas privadas de previdência dos bancos estrangeiros e brasileiros.

A reforma da Previdência foi retirada da pauta após a realização de duas greves gerais, várias paralisações dos trabalhadores e também após muita mobilização organizada em Brasília e em várias cidades pelos sindicatos e centrais sindicais.

Os protestos denunciavam que a PEC inviabilizava o acesso à aposentadoria integral por estabelecer idade mínima de 65 anos para homens e, 62 para mulheres, associada à ampliação do tempo de contribuição de 25 anos para 35 anos.

“Mas os defensores da reforma da Previdência usam o argumento mentiroso de que ela apresenta déficit para justificar a mudança radical no bem-sucedido Sistema de Seguridade Social brasileiro e ainda há brasileiros que creem nisso”, afirma Cláudio Antunes, diretor de Imprensa do Sinpro-DF.

De onde saiu a história do déficit?
Do desejo dos grandes empresários e banqueiros de transformar direitos sociais, como previdência, educação, saúde, etc., em mercadoria. Em texto divulgado no seu site, a Auditoria Cidadã da Dívida esclarece por que a Seguridade Social e, com ela, a Previdência Social, não é deficitária. Pelo contrário, diferentemente das declarações do secretário de Previdência Social do governo Temer, Marcelo Caetano, que foi a público apresentar o “catastrófico déficit” da Previdência, a Seguridade Social é superavitária.

Em janeiro de 2017, ele anunciou que o déficit da Previdência havia atingido, em 2016, R$ 149,7 bilhões. E hoje, outubro de 2019, tem dito que esse déficit chega a quase R$ 300 bilhões. Um esclarecimento da Auditoria Cidadã da Dívida (ACD) alerta para o fato de que Caetano teria ressaltado que “esse “déficit”, à época, era referente ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e engloba tanto o setor urbano, que teria alcançado “déficit” de R$46,8 bilhões, como o setor rural, no qual o “déficit” teria chegado a R$103,4 bilhões”.

No mesmo texto, a ACD mostra que o secretário admitiu que “no período de 2009 a 2015 o setor urbano do RGPS foi superavitário, e logo emendou que “a tendência é deficitária”, sem se atentar para o fato de que tivemos ano de desemprego recorde que nada tem a ver com a tendência do nosso potencialmente rico país”.

Importante observar que, na apresentação de Marcelo Caetano, foi mencionado mais de uma vez que nesse déficit não havia incidência da DRU (Desvinculação das Receitas da União) e o esclarecimento de que caso a DRU fosse computada, o déficit seria ainda maior. “Porém, em momento algum mencionou que deixou de computar a DRU porque também não computou o conjunto de receitas que sustentam a Seguridade Social, da qual a Previdência é parte integrante”, explica a ACD.

Caetano é um dos responsáveis pelo texto da PEC 287 e 287-A. Ele teve uma agenda oficial em 2016 com 11 encontros com banqueiros, conforme revelou o jornalista Rogério Galindo, do jornal Gazeta do Povo. “As reuniões com representantes dos bancos foram 11. JP Morgan, Bradesco e Santander tiveram direito a três reuniões com Marcelo Caetano”, escreveu o jornalista.

Caetano foi acusado, em fevereiro de 2017, de conflito de interesses porque também acumulava o cargo de membro do Conselho de Administração de uma das maiores empresas de previdência privada do país, a BrasilPrev, do Banco do Brasil, conforme divulgou o jornal Correio Brasiliense.

A Previdência não tem déficit
O propagandeado “déficit da Previdência” é uma farsa. A CPI da Previdência (confira aqui o relatório) , realizada em 2017, pelo Senado Federal, provou o que vários estudos de instituições sérias, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) têm demonstrado: a Previdência não tem déficit.

A conta feita para mostrar o “déficit” é uma conta distorcida. A Previdência Social é um dos tripés da Seguridade Social, juntamente com a Saúde e Assistência Social, e foi uma das principais conquistas da Constituição Federal de 1988.

Ao mesmo tempo em que os constituintes criaram esse importante tripé para instituir no país o maior instrumento de distribuição de renda, estabeleceram também as fontes de receitas – as contribuições sociais – que são pagas por todos os setores, ou seja:

 – empresas contribuem sobre o lucro (CSLL) e pagam a parte patronal da contribuição sobre a folha de salários (INSS);

 – trabalhadores contribuem sobre seus salários (INSS);

 – e toda a sociedade contribui por meio da contribuição embutida em tudo o que adquire (COFINS).

Além dessas, há contribuições sobre importação de bens e serviços, receitas provenientes de concursos e prognósticos, PIS, PASEP, entre outras. A Seguridade Social tem sido altamente superavitária nos últimos anos, em dezenas de bilhões de reais, conforme dados oficiais segregados pela ANFIP .

A sobra de recursos foi de R$72,7 bilhões, em 2005; R$ 53,9 bilhões, em 2010; R$ 76,1 bilhões, em 2011; R$ 82,8 bilhões, em 2012; R$ 76,4 bilhões, em 2013; R$ 55,7 bilhões, em 2014, e R$11,7 bilhões, em 2015.

O reiterado superávit da Seguridade Social deveria estar fomentando debates sobre a melhoria da Previdência, da Assistência e da Saúde dos brasileiros e brasileiras. Isso não ocorre porque a prioridade na destinação de recursos é o pagamento da chamada dívida pública, que vem absorvendo metade do orçamento federal anualmente, e que nunca foi auditada, como manda a Constituição.

O falacioso déficit apresentado pelo governo é encontrado quando se compara apenas a arrecadação da contribuição ao INSS paga por empregados e empregadores (deixando de lado todas as demais contribuições que compõem o orçamento da Seguridade Social) com a totalidade dos gastos com a Previdência, fazendo-se um desmembramento que não tem amparo na Constituição e sequer possui lógica defensável, pois são os trabalhadores os maiores contribuintes da COFINS.

Essa conta distorcida, que compara somente a contribuição ao INSS com os gastos da Previdência, produz a farsa do “déficit” que não existe. O artigo 194 da Constituição é claro ao estabelecer a Seguridade Social como um sistema integrado composto pelas áreas da Saúde, Previdência e Assistência Social, ao passo que o artigo 195 trata do financiamento da Seguridade Social por toda a sociedade. O desmembramento da Previdência afronta a Constituição, que em momento algum diz que seu financiamento seria arcado somente pelas contribuições ao INSS.

O governo tem se omitido reiteradamente e não apresenta o orçamento da Seguridade Social como deveria. A simples existência do mecanismo da DRU já comprova que sobram recursos na Seguridade Social. Se faltasse recurso, não haveria nada que desvincular, evidentemente. Cabe lembrar que a DRU, criada desde 1994 com a denominação de Fundo Social de Emergência, teve sua alíquota majorada em 2016, e desvincula até 30% dos recursos da Seguridade Social para transferi-los para o pagamento de parte dos juros da dívida pública.

É preciso retirar as máscaras do falacioso “déficit” da Previdência, a fim de enfrentar esse necessário debate de maneira honesta. Para isso, o governo deve apresentar os dados completos do orçamento da Seguridade Social dos últimos anos, informando ainda os montantes desviados por meio da DRU; os montantes correspondentes às desonerações concedidas tanto ao setor urbano como rural; os créditos tributários que não são executados, atentando ainda para os erros da política monetária que jogaram o país nessa absurda crise que comprometeu a arrecadação do INSS, devido à elevação do desemprego para mais de 12 milhões de pessoas, além das 64 milhões de pessoas em idade de trabalhar, porém, fora do mercado de trabalho em nosso país.

A distorcida análise desse falacioso “déficit” não pode servir de justificativa para a PEC 287, cujo principal objetivo é favorecer ao mercado financeiro, como trataremos em outro artigo. Conclamamos o secretário Marcelo Caetano e demais responsáveis a vir a público apresentar os dados completos da Seguridade Social, DRU, desonerações, créditos, e potencial de arrecadação por meio de políticas de combate ao desemprego, a fim de que possamos realizar o debate sobre a Previdência sem máscaras.

Bancos estrangeiros querem a reforma da Previdência
Em setembro deste ano, nas TVs de elevadores e espaços publicitários de Curitiba, Distrito Federal e outras capitais brasileiras, circularam propagandas do banco espanhol Santander a favor da reforma da Previdência.

Com o mote “Faça já a reforma da sua previdência”, o Santander anunciava a real intenção dos banqueiros em fomentar a aprovação a todo custo da reforma da Previdência pública: sem o acesso dos trabalhadores à aposentadoria pelo INSS, é só correr para um banco privado e comprar sua aposentadoria privada. Ou seja, a transformação do direito social à previdência em mercadoria do sistema financeiro.

Esse entendimento do Santander é compartilhado com as demais instituições financeiras que atuam no país. Em fevereiro, o recém-empossado presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Junior, declarou que “não há alternativa” justificando que a reforma da previdência seria fundamental para “reduzir rombos nas contas públicas”, omitindo que, ainda em 2017, empresas privadas deviam ao INSS R$ 426 bilhões, conforme apuração da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), com dados divulgados pela agência Repórter Brasil.

Os bancos também são devedores desta conta: de acordo com o levantamento da procuradoria, em 2017 o Bradesco devia R$ 465.249.669,73 ao INSS, o Santander devia R$ 80.303.961,27 e o Itaú devia R$ 88.871.826,29.

Confira o Orçamento do Brasil em 2017 e veja quem está levando a maior parte do dinheiro público que deveria ser reinvestido no país. (Dados da Auditoria Cidadã da Dívida)

ORÇAMENTO FEDERAL EXECUTADO (PAGO) EM 2017 = R$ 2,483 TRILHÕES
(O VALOR PREVISTO APROVADO PARA 2017 HAVIA SIDO DE R$ 3,415 TRILHÕES, DIFERENÇA A SER INVESTIGADA)

Fonte: Senado Federal – Siga Brasil – https://www12.senado.leg.br/orcamento/sigabrasil – Clicar no ícone “Acesso Livre”, depois escolher a opção “4 – Orçamento Fiscal e Seguridade – Execução”, depois dar um duplo clique na opção “4.1 – 2017”, depois na opção “4.1.1 – Execução das Despesas”, depois na opção “(a) LOA 2017 – Despesa Execução – Funções”, considerando a coluna “pago”. Dados atualizados até 31/12/2017.
Nota 1: Inclui o “refinanciamento” ou “rolagem” da dívida, pois o governo contabiliza neste item grande parte dos juros pagos. Para maiores detalhes, ver www.auditoriacidada.org.br/mentirasverdades
Nota 2: A Função “Encargos Especiais” foi desmembrada em 3 itens: “Juros e Amortizações da Dívida” (que significa a soma dos GNDs 2 e 6), “Transferências a Estados e Municípios” (Programa 0903: “Operações Especiais: Transferências Constitucionais e as Decorrentes de Legislação Específica”), e “Outros Encargos Especiais” (o restante da Função “Encargos Especiais”).
Nota 3: Não inclui restos a pagar pagos em 2018.
Nota 4: O valor total do orçamento previsto (autorizado) para 2017 foi de R$ 3,415 trilhões, porém, apenas foram executados R$ 2,483 trilhões. A Auditoria Cidadã da Dívida está preparando requerimentos de informações para esclarecer a diferença de quase R$ 1 trilhão entre o previsto e o realizado.
Com informações da Anfip, da Auditoria Cidadã da Dívida, CPI da Previdência, Rede Brasil Atual e imprensa.

Confira matérias sobre reforma da Previdência (PEC 287-A) produzidas pelo Sinpro-DF:

2018

Reforma da Previdência é a prioridade do governo Bolsonaro

Temer anuncia reforma da Previdência para outubro de 2018, mas isso depende do seu voto

Pressão popular obriga governo a recuar mais uma vez e a não votar reforma da Previdência. Mídia entra em cena para convencer a população

O impacto da PEC 287-A na vida dos orientadores educacionais

2017

Folha do Professor Especial explica como será a aposentadoria do magistério público após reforma

Por que os professores têm aposentadoria especial?

Impactos da reforma da Previdência na educação básica

CPI da Previdência: Brasil tem um dos menores gastos com Previdência do mundo

Reforma da Previdência aprofundará doenças ocupacionais do magistério

Ministro da Fazenda vai a evento do Itaú, em Londres, anunciar reforma da Previdência em novembro

O impacto da PEC 287-A na vida dos orientadores educacionais

Governo gasta milhões para dar presente de grego a brasileiros: a reforma da Previdência

Após governo anunciar votação para 18/12, Sinpro lança nova campanha contra a reforma da Previdência

Governo federal gasta milhões com publicidade para aprovar reforma da Previdência

2016

Reforma da Previdência e PEC 241/16 são imposições do FMI

Estudos demonstram que há superávit na Previdência e reforma é para retirar direitos

Reforma da Previdência do presidente não eleito põe fim à paridade no funcionalismo

Governo manipula e chama as renúncias de rombo na Previdência

Fonte: Sinpro

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