Por Grazielle David*
Um argumento que está sendo bastante utilizado para alegar que Bolsonaro não representa um risco à democracia é que não há como classificá-lo como autoritário, dado que seu programa de governo defende uma proposta de economia neoliberal, formulada por Paulo Guedes. Entretanto, a história de países pós globalização nos anos de 1960, e especialmente após a crise econômica global de 2008, revela uma escalada tanto da adoção da austeridade econômica quanto do autoritarismo político de extrema direita.
A pauta central do neoliberalismo econômico é a desregulação, deixar o mercado completamente livre do Estado. Entretanto, o nome deveria ser re-regulamentação, uma vez que a regulamentação continua existindo, mas no sentido inverso. Isso é, no neoliberalismo o mercado passa a regular o Estado, retirando a política econômica do controle dos representantes eleitos democraticamente e, consequentemente, da própria sociedade. Um exemplo clássico observado em diversos países é o das pautas econômicas sendo superiores às sociais, como a adoção de limites orçamentários às despesas públicas, que no Brasil se concretizou com a Emenda Constitucional 95, conhecida como ‘teto dos gastos’ sociais e de investimento.
Porém, a questão é ainda mais ampla, já que o neoliberalismo requer não só uma re-regulação econômica, mas também social e política.
O programa de governo de Bolsonaro afirma que irá “zerar o déficit fiscal em um ano” e que irá simultaneamente “reduzir a carga tributária”. A política fiscal nesse aspecto é matemática, se pretendem reduzir o déficit fiscal em tão curto tempo associado a redução da carga tributária, necessariamente serão realizarão cortes orçamentários ainda mais severos nas políticas públicas e nos investimentos. O que também consta no programa.
Para isso, aprofundarão as políticas de Temer ao reduzirem ainda mais o financiamento para os serviços públicos, como saúde, educação, ciência e tecnologia e meio ambiente. Ainda, desconsiderando o fato de que o Brasil já está no seu menor nível de investimentos nos últimos 50 anos, manterão o teto dos gatos. Por fim, levarão adiante a proposta de capitalização da previdência, fazendo com que ela deixe de ser um direito. Essa é a parte de re-regulação social do neoliberalismo, com redução de direitos via restrição orçamentária e legal.
O custo social e o atraso para o país que essas propostas representam ocasionarão convulsão social, com consequente necessidade de repressão agressiva. É aqui que entra a re-regulação política, com o autoritarismo sendo essencial para o controle das pessoas revoltadas com as medidas adotadas que lhes retira direitos e piora a vida. Nesse sentido, Bolsonaro já afirmou, um dia após o 1º turno, que irá acabar com toda forma de ativismo. A via mais fácil para isso: enquadrar movimentos sociais e ONGs na lei antiterrorismo, para os perseguir.
Revolta, repressão, mortes, instauração do medo, ampliação da pobreza e das desigualdades, redução de direitos; todos resultados não apenas possíveis como reais em países onde essa combinação proposta já foi adotada. O exemplo mais clássico é do Chile que, sob a ditadura de Pinochet nos anos de 1970 e 1980, constitucionalizou o neoliberalismo, com direitos reduzidos e protestos contidos com assassinatos.
Ainda hoje o povo chileno vivencia as consequências sociais do período autoritário, com mais de 3.200 mortos e 38 mil presos e torturados, são mais de 100 mil pessoas familiares de vítimas; saúde e educação sem ser direito a ser ofertado pelo Estado; direitos trabalhistas flexibilizados, com 70% dos novos postos de trabalho terceirizados e com salário abaixo do mínimo; previdência capitalizada, de baixo acesso e valores pagos inferiores ao salário mínimo, colocando muitos idosos em situação de rua.
Outro exemplo é do Peru, sob a era de Fujimori na década de 1990, que igualmente promoveu uma economia neoliberal associada ao autoritarismo político, com ampla perseguição de opositores, além da ampliação da corrupção.
Grazielle David é colunista do site Brasil de Fato
Fonte: Brasil de Fato
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