Ronaldo Pagotto* destrincha as principais noções vazias que criaram o “mito” Jair Bolsonaro
O discurso dos bolsonaristas é amplo, desconexo e contraditório, como bem destacou o artigo do Rafael Tatemoto no Brasil de Fato, e poderia ser analisado por distintos métodos – por temas e também por regiões e questões. Nosso esforço é abordar algumas das suas ideias força, ancoras do seu pensamento e propostas para o Brasil.
As questões em que ele “ancora” a candidatura e estrutura a campanha nacional nas redes sociais e grupos de whats app. Vamos às falsas verdades da campanha que ameaça o Brasil e nossa frágil democracia. Tais questões foram extraídas do documento oficial intitulado “Plano Fênix” entregue como programa de governo da candidatura do capitão expulso.
É a candidatura que defende o Brasil?
A defesa da pátria é um tema da mais alta relevância para nosso desenvolvimento e soberania. Nosso país tem uma característica bastante comum para os países do chamado mundo em desenvolvimento, periférico ou terceiro mundo: a ausência de um projeto nacional de desenvolvimento. Essa é uma tradição nefasta das classes dominantes locais e alcança a maior parte dos países com essa formação oriunda do colonialismo moderno.
Por isso, o tema nacional tem forte apelo popular. A defesa da soberania nacional é uma bandeira presente e nosso desenvolvimento depende da nossa capacidade de resistir às pressões internacionais das grandes potências e especialmente dos EUA, que pregam exatamente o caminho que não seguiram para nosso caminho próprio: defendem abertura comercial, ampla liberdade para a atuação das empresas transnacionais, privatização dos setores estratégicos e sequer a regulação estatal. É a velha fórmula “faça o que eu digo, não faça o que eu faço (e fiz)”, o que foi bem identificado pelo economista Ha-Joon Chang, em seu livro Chutando a escada, publicado pela editora Unesp.
Esse tema ainda recebe um agravante: o Brasil é um país rico em minérios, terras agriculturáveis, água, biodiversidade e petróleo. Tudo para ele é tema do mercado, que “governaria” em nome da sociedade. Para agravar a questão ele não tem uma visão típica dos militares nacionalistas, mas sim propõe que seja tudo privatizado e o estado reduzido a mero transferidor. Ora, os pilares da soberania nacional é o controle do que é estratégico: energia, alimentos, água, tecnologia, etc. Esse aspecto não só é negado como o que se afirma é uma entrega total das nossas riquezas. Para isso não precisamos ir apenas ao programa, já que como deputado ele aprovou medidas antinacionais – como as relacionados ao petróleo, a Petrobras, mercado interno, etc.
O programa dele é a expressão mais clara do que há de mais antinacional na política. Não a toa que ele bateu continência a bandeira americana, faz elogios diários aos EUA, Israel, Coreia do Sul e Japão.
É a candidatura contra os inimigos internos e externos?
A construção de uma lógica binária, que de um lado tem um “nós” contra “eles” é uma das características do discurso e programa. Diversos assuntos são desviados para o eixo “nós x eles” e sempre atribuindo responsabilidades irracionais aos tais inimigos internos.
Esse é um recurso discursivo complexo e antigo. Muitos o fizeram com maestria ao tratar os problemas nacionais como responsabilidades de um “eles” escolhido para ser o bode expiatório: judeus, ciganos, comunistas, estrangeiros, petistas. O candidato adota uma linha muito simples: todos os problemas recaem no petê. Esse discurso ganha força ao simplificar questões complexas e resumi-las a um inimigo, facilidade de contar com a campanha de mais de uma década da grande imprensa e principais partidos da direita. Além ser uma construção artificial é a-histórico no sentido de que não explica de fato os problemas nacionais e não se busca qualquer debate.
A lógica dessa estrutura de discurso é a comunicação de guerra. Criar um inimigo interno, ameaçador, estranho (?) e que contou com anos e anos de campanha destrutiva é absolutamente funcional, útil e é uma das chaves da mensagem dele. O programa contém passagens hilárias em que ele afirma absurdos, tais como que o crack advém de uma presença das Farc no Brasil, ou que os homicídios seriam o resultado da política do temido “Foro de São Paulo”. Sem nexo, como nos explicou no citado artigo, o autor constrói uma narrativa de guerra com simplificações e a culpabilização de todos os males ao PT, a esquerda em geral e aos países vizinhos, especialmente Cuba e Venezuela.
É o candidato antisistêmico?
O candidato foi useiro e vezeiro da presença na grande mídia e é deputado há 28 anos. Desde 1998 foi eleito em votações com a mal falada urna eletrônica, sem nunca ter reclamado de fraude. Agora, por uma estratégia de marketing, adota uma linha por fora do “sistema”: político e geral. Alega de fora do sistema, mesmo com 28 anos como parlamentar, tempo em que obteve sua sobrevivência apenas as expensas do Estado. Mas é crítico a dependência do estado, mesmo tendo envolvido, emprestando sua popularidade para arrastar uma fieira de filhos para a política (são três), sem trabalho ou profissão (não vale título de bacharel nunca utilizado, ok).
Essa couraça antissistema é uma publicidade para permitir um discurso de “fora”, não manchado pela má fama e respeito que o sistema político vive no país, mas logo de um deputado com uma produtividade baixíssima e que declarou abertamente que usa a verba de deputado para campanha e o auxilio moradia para “comer gente”?
Haja marketing. O esforço é rico em momentos em que o presidenciável se vale de técnicas de atores amadores para desconstruir o que disse em décadas. É o que ficou famoso nessa campanha em que ele, o maior propagador de fake-news (notícias falsas) alega que as lembranças de frases e feitos dele são puramente … fake news.
Não só se vale de um esforço publicitário imenso, acusa os outros do que faz. É uma técnica antiga de transferência em que o acusador atribui aos outros características e práticas que ele tem e o faz com dedo em riste: eu acuso.
Alguém de fora, que sugere mil teses contra o “sistema”, como fraude nas urnas, que a mídia é toda do lado dos outros (ou ao lado do inimigo) e outros são os recursos para tentar construir uma ideia de que ele é de fora, não tendo relação com a crise atual e que ele, justamente por ser de fora, merece a confiança para assumir o comando. Ledo engano, o deputado é um velho conhecido e, como dito alhures, se lambuzou com o sistema. Isso não é um defeito, mas para quem busca essa imagem é bom lembrar que ele de novo não tem nada. A começar por essa técnica muito em voga naquela Alemanha dos anos 1930 com um rapaz usando quase o mesmo corte de cabelo. Todo mundo sabe o enredo no que resultou.
É uma candidatura centrada na segurança?
A temática é um dos temas centrais de toda campanha. Sem entrar nas razões para isso, parte delas já trabalhadas em artigo anterior, ele é o candidato que mais fala do tema. A solução seria simples: mais leis e armas para a população, mais polícia e tecnologia. A comparação é sempre com países que enfrentaram a desigualdade social e não resolveram o problema da segurança com esse pacote apontado por ele. Mais do que isso, esse “kit” é incendiário na amplificação da violência.
A combinação de neoliberalismo puro, que coloca o mercado no lugar do guia da sociedade, a aplicação de medidas mais duras para o chamado crime é uma receita que fará o cenário colapsar. Ora, cadeia para conflitos com causas sociais, econômicas e até mesmo morais foi à solução onde?
Mais do que resolver, agrava. Desregulamentar o controle das armas é uma solução incendiária. Mais arma é mais tensão e violência. Os pequenos conflitos, tão presentes, serão resolvidos com a violência extrema. No fundo o capitão expressa uma visão liberal na economia para o campo da segurança, o que é por si só, um despautério. É coerente com quem faz propaganda para a indústria armamentista e promete ampliar esse mercado. A guerra, seja ela interna ou externa, como promete o candidato, são funcionais ao mercado. Só quem perde é o povo, que ora é vítima da ação do estado, ora está à mercê da criminalidade.
O tema não cabe sensacionalismos e muito menos discurso simples. A complexidade exige a conjugação de enormes esforços nas mais distintas áreas: distribuição de renda, geração de empregos, políticas públicas, assistenciais, tecnologia, segurança, educação, treinamento e qualquer candidato que prometa fazer mágica no tema – como o faz o Jair – é preciso abrir o olho. A promessa de uma política econômica de choque neoliberal, a redução do papel do Estado na estruturação de políticas públicas e sociais e o aumento do armamentismo, reforçado por um discurso legitimador da violência policial (pena de morte informal) resultará na explosão da violência. Seria a guerra civil sonhada pelo candidato?
É a candidatura que combate privilégios e da corrupção?
Essa questão é o calcanhar de aquiles dele. Enriqueceu na política, com três filhos na esteira do seu capital político, recebeu auxilio moradia detendo residência própria em Brasília defendeu os valores das assim chamadas verbas de mandato e é a expressão de uma candidatura neoliberal. Será que o “mito” está tratando direitos como privilégios? Na entrevista sobre a reforma trabalhista ele apresentou a visão patronal de que os direitos precisam ser sopesados: direitos e sem emprego ou empregos sem direitos, como a expressão do que para ele é a disjuntiva para geração de emprego.
Ademais, uma senhora – Wal – foi comissionada do Gabinete por 15 anos. O uniforme de caçador de marajás em um contexto do aumento da pobreza extrema é mais uma estratégia publicitária. A campanha é forte, mas em descompasso com a história dele e de suas propostas. Defensor do mercado livre, candidato não nos poupou de seu pensamento sobre sonegar impostos, um crime, bem como em receber propina da JBS alegando “quem não recebeu propina?”.
Vindo de uma migração partidária que alcança 9 partidos em 28 anos (uma mudança a cada 3 anos), sendo o atual um partido típico de aluguel e o anterior, o PP, ambos com presença em denúncias muito superior a média nacional se observado o tamanho dos dois.
Que moral tem um sujeito que admite sonegar impostos, usar verba de moradia para outros fins, usar verba de gabinete para campanha, falar tranquilamente do recebimento de propina e ser parte de um partido com uma grande presença nas denúncias e ainda assim se afirmar contra privilégios e a corrupção?
É a candidatura contra a ameaça comunista e de defesa de Deus?
A direita no Brasil e na América Latina construiu um temor à ameaça comunista, mesmo isso sendo apenas uma fantasia, já que desde 1935 nosso país não viveu algo parecido ao que seria uma ameaça comunista. Em nome dessa ameaça – a denúncia do General Goes Monteiro da existência do Plano Cohen, fabricação do integralista Olimpio Mourão Filho para ganhar a adesão de Getúlio e dos setores de centro para um golpe de estado – o Estado Novo foi decretado em 1937, o golpe de 1964 foi perpetrado sob a justificativa de que o Brasil vivia a beira de uma revolução socialista.
Novamente esse “risco” é apresentado. E combinado a ele vem à defesa de Deus, partidarizando a questão para demarcar com o outro campo sendo antirreligioso ou coisa que o valha. Essa é uma estratégia – anticomunismo e Deus – desde mais de 100 anos.
E não tem disfarces: o PT, que governou mais de uma década, seria essa ameaça. O absurdo é tão grande que não suporta um exame tranquilo da história, dos agentes, propostas, forças. É mais uma peça da comunicação de guerra do ex-militar para conquistar votos dentro dessa vasta tradição anticomunista na nossa sociedade.
A acusação é um artifício para não apresentar o que de fato propõe. Jogar o país no neoliberalismo voraz é solução para nosso país? Não tem experiência no mundo para ser usada como referência e recentemente podemos apresentar o destino desse tipo de política com base na experiência Argentina: aumento da fome, do desemprego, da violência e do desalento.
Uma candidatura assentada em falsos mitos e muita fake News é o que a direita brasileira nos legou. Nosso papel é defender a democracia e a soberania nacional. A defesa dos interesses populares, democráticos e nacionais estão confluídos na consigna #elenão.
É o que a história espera dos democratas brasileiros.
*Ronaldo Pagotto é advogado trabalhista e sindical, integra a Direção Nacional da Consulta Popular.
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