Por Patrícia Valim*
O resultado do 1º turno das eleições de 2018 deixou muita gente perplexa e desanimada. Se é verdade que as pesquisas confirmaram a tendência para a eleição presidencial com Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) no segundo turno, isso não ocorreu com o legislativo brasileiro. Políticos com respeitáveis trajetórias, como Eduardo Suplicy, Lindbergh Farias, Chico Alencar, Dilma Rousseff entre tantos deputados, não foram eleitos, dando lugar a novos agentes que vão desde as subcelebridades das manifestações de 2015 contra o governo do PT, como Alexandre Frota e Kim Kataguri, e uma bancada imensa no empuxo da Lava Jato.
De acordo com os dados disponibilizados pelo TSE, se compararmos o resultado das eleições do legislativo em 2014 e 2018, políticos implicados na Lava Jato e com protagonismo no golpe/impeachment da Presidenta Dilma também não foram eleitos: Magno Malta, Eunício Oliveira, Cássio Cunha Lima.
A grande imprensa tem elogiado essa mudança de perfil dos políticos eleitos como um dos desdobramentos das manifestações de 2013, mas omite a representatividade dos novos eleitos. O número de policiais e militares eleitos para as assembleias, câmara e senado pulou de 18 para 73, muitos deles do PSL das regiões centro-sul do país ao tempo em que o PT elegeu a maior bancada do congresso com 57 deputados, a maioria das regiões norte e nordeste.
Segundo a declaração de bens dos candidatos eleitos no 1º turno, dos 567 parlamentares 48,85% tem patrimônio superior a R$ 1 milhão, sendo que no senado federal a proporção é de dois em cada três senadores com patrimônio médio de R$ 2 milhões.
De acordo com o site de notícias UOL “um dado curioso é que, nas duas Casas. Os políticos mais ricos [eleitos] se apresentaram ao eleitor como professores, [mas] ambos são grandes empresários da educação”. Além disso, cumpre destacar que entre os governadores eleitos no 1º turno e as pesquisas sobre a disputa no 2º turno: é possível afirmar que o país sairá novamente rachado das eleições de 2018, com um cinturão progressista nas regiões norte/nordeste e conservador/autoritário no centro-sul.
Muitos analistas políticos têm afirmado que essa “polarização”, pra usar um termo da moda cunhado pelos isentos, ocorre desde as eleições de 2014, com a presidenta Dilma Rousseff (PT) eleita e Aécio Neves (PSDB) contestando o resultado das eleições. No entanto, chamo atenção para o fato de que essa polarização política ocorre desde as manifestações de 2013: há uma diferença substancial nas manifestações ocorridas no centro-sul em junho de 2013, pedindo “Fora Todos”, e nas manifestações contra o aumento da tarifa no restante do país, especialmente no Nordeste – pois a diferença quantitativa de participantes e qualitativa de demandas são gritantes.
O que explica essas diferenças e as polarizações políticas nos últimos processos eleitorais é a assimetria do Lulismo no país.
Pode-se afirmar com alguma tranquilidade que o resultado das eleições de 2018 seria outro se Luís Inácio Lula da Silva não tivesse sido preso arbitrariamente e tivesse concorrido. Lula é um sertanejo que virou um operário líder sindical, o que explica muito sobre o Lulismo e o movimento político de Lula nos dois mandatos, com destaque para a sua imensa capacidade de negociação e conciliação forjadas nas lutas do chão da fábrica e nas ruas e seu projeto de integração nacional e fim do chamado “Brasil Profundo”.
Entre 2003 e 2013, o Nordeste teve índice de crescimento de 4,1% ao ano, enquanto o país ficou na marca de 3,3%, de acordo com o Banco Central. Só no ano de 2012, por exemplo, a economia local cresceu o triplo da brasileira. Em 2014, a região passou a ser a segunda maior em consumo, atrás apenas do Sudeste, e corresponde a 13,8% da economia nacional.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), entre 2001 e 2012, o nordestino teve o maior ganho de renda entre todas as regiões, o que fez com que a participação da base da pirâmide social caísse de 66% para 45%. Tudo isso fez com que a classe média deixasse de representar apenas 28% da população nordestina em 2002, para ser 45% em 2012. As ações dos governos petistas para a região também geraram empregos: em 2002, apenas cinco milhões de nordestinos tinham emprego formal. Já em 2013, esse número passou para quase nove milhões. Em 2002, quando o presidente Lula foi eleito, mais de 21,4 milhões de nordestinos viviam em situação de pobreza. Em 2012, esse número caiu para 9,6 milhões, segundo estudo da Fundação Perseu Abramo, com base em dados do IBGE.
Por isso, a importância do programa Bolsa Família para a região, que chegou a ter mais de 35 milhões de pessoas e 7 milhões de famílias beneficiadas pelo maior programa de transferência de renda com contrapartidas: filhos na creche, mulheres com acompanhamento ginecológico e planejamento familiar. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Nordeste tinha 413.709 universitários. Em 2012, esse número saltou para 1.434.825. O número de cursos de doutorado e mestrado também cresceu 33% entre 2010 e 2012 no Nordeste. Com isso, a região ultrapassou o Sul e passou a segunda com maior número de estudantes do ensino superior – 20% do total –, atrás apenas do Sudeste. Sete das 18 universidades criadas nas gestões petistas estão no Nordeste. Apenas quando o Partido dos Trabalhadores chegou à Presidência da República, ações concretas para afastar o fantasma da seca no Nordeste foram realizadas: 1,2 milhão de cisternas foram construídas para consumo humano, pelo o Programa Água para Todos, garantindo água a 22 milhões de sertanejos ao tempo em que para levar acesso à eletricidade de forma gratuita, o governo Lula criou o programa Luz para Todos. Apenas no Nordeste, o programa já tinha atendido, até 2015, mais de 1,5 milhão de famílias, beneficiando cerca de 7,5 milhões de pessoas (PNAD).
Para quem vive nessas regiões, esses programas, entre outros, resultaram em uma melhoria de vida concreta que foi acompanhada por um processo intenso de politização da importância do Estado Brasileiro no combate às desigualdades econômicas e às assimetrias regionais. Isso significa afirmar que metade da população deu um recado claro nas eleições majoritárias de 2014 e primeiro turno das eleições de 2018: o Lulismo efetivado no Norte e no Nordeste é o ponto de partida de qualquer programa de governo daqui pra frente e assim por diante. Não à toa, esse reformismo de alto impacto dessas regiões tem sido a maior resistência ao processo de fascistização no Brasil. Também tem sido no Nordeste as manifestações mais violentas contra os que votaram no candidato à presidência do PT, Fernando Haddad, como ocorreu com o Mestre Moa do Badauê, assassinado com 12 facadas por uma pessoa sem antecedentes criminais.
Certo está o candidato Fernando Haddad (PT) que tentou sem sucesso um pacto ético e pacífico com o candidato Jair Bolsonaro (PSL), que além de não aceitar, chamou Fernando Haddad de “canalha”. A sociedade brasileira precisa entender que o que está em jogo, com a fascistização de 30% dos eleitores, é a própria democracia.
Só em um regime democrático fortalecido poderemos construir as bases para um regime que Boaventura de Souza Santos define como pacífico e democrático, firmado na complementaridade entre as democracias representativa e participativa; modo de produção menos assente na propriedade estatal dos meios de produção do que na associação de produtores; regime misto de propriedade onde coexistem a propriedade privada, estatal e coletiva (cooperativa).
Um Estado que saiba competir com o capitalismo na geração de riqueza e lhe seja superior no respeito pela natureza e na justiça distributiva; nova forma de Estado experimental, mais descentralizada e transparente, de modo a facilitar o controle público do Estado e a criação de espaços públicos não estatais; reconhecimento da interculturalidade e da plurinacionalidade (onde for caso disso); luta permanente contra a corrupção e os privilégios decorrentes da burocracia ou da lealdade partidária; promoção da educação, dos conhecimentos (científicos e outros) e do fim das discriminações sexuais, raciais e religiosas como prioridades governativas.
* Patrícia Valim é professora de História do Brasil Colonial da Universidade Federal da Bahia. Conselheira do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Perseu Abramo. Mãe de Ana, Bento e Maria, e avó de Maria Antônia.
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