“O assassinato de #MoaDoKatende é um sinal de que a gente não deve seguir com força no caminho que as pessoas, ilusoriamente, pensam que é a superação, quando é atraso. É volta. É medo da responsabilidade e da civilização.” (Caetano Veloso)
Em 2017, a diretora da Editora Boitempo, Ivana Jinkings, relatou em seu Facebook que, após divulgar o lançamento de livros infantis sobre marxismo, recebeu ligações de ameaças e mensagens ofensivas pela rede social. Este ano, poucos dias antes das eleições de outubro, sete obras sobre a história da luta pelos direitos humanos no Brasil foram destruídas na Biblioteca Central da Universidade de Brasília (BCE/UnB).
A polícia de Porto Alegre investiga três criminosos que agrediaram uma mulher de 19 anos com socos e marcaram na barriga dela, com canivete, o símbolo nazista da suástica. Eles a abordaram quando ela que descia do ônibus, a caminho de casa, vestida com uma camiseta escrita #EleNão – slogan contra Jair Bolsonaro (PSL) – e uma bandeira do arco-íris na mochila. No Rio Grande do Norte, uma médica rasgou a receita após paciente idoso dizer que havia votado em Fernanando Haddad, do PT.
A Lei da Mordaça (ou Escola sem Partido) prega esse tipo de ação para implantar, por meio de leis e da disseminação do medo, o pensamento único. Os resultados desse tipo de ideologia política de extrema-direita se manifestam, assiduamente, no mundo. No século XX, suscitou guerras, como a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, aparece no racismo, na misoginia, na LGBTfobia, no anticomunismo etc. cotidianos.
Contudo, foi no dia da eleição, 7 de outubro deste ano, que isso explodiu de forma avassaladora: o mestre capoeirista Moa do Katendê foi assassinado com 12 facadas, em Salvador, Bahia, por um eleitor de Jair Bolsonaro (PSL): o político do Escola sem Partido, que prometeu acabar com as Terras Indígenas, extinguir as unidades de conservação e dizimar com Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra doando fuzis para latifundiários.
Esse é o Brasil no processo político-partidário eleitoral de 2018: um país tomado pelo ódio de classe, reações ultraconservadoras e de defesa de conteúdos neoliberais pelas elites extremistas internacional e nacional. A disputa eleitoral poderia ser pacífica e respeitosa e sem a ingerência dos EUA. Contudo, apresenta-se contaminada pelas ideias de extrema-direita e controlada por conservadores de país estrangeiro. Com isso, tornou-se visceral para o setor que quer implantar o fascismo como modelo único de gestão pública. Grupos armados querem abrir fogo contra os que querem aprofundar a democracia reconquistada, em 1985, após 21 anos de ditadura militar. Essa violência é uma característica singular da extrema-direita e visa a disseminar o ódio e a morte entre irmãos da mesma classe social.
Isso demonstra que, embora ainda se vivam momentos democráticos, o cenário da política partidária já coabita com o flagelo do fascismo e de outras reações autoritárias insufladas e defendidas pela elite de extrema-direita. A classe média, subalterna, embora assalariada ou dona de negócios modestos, também perdedora de direitos, segue atrás, replicando o ódio da elite. No entendimento de Vanessa Maria de Castro, professora da Universidade de Brasília (UnB), isso ocorre na construção desses cenários porque existem agendas políticas e econômicas em disputa, que consolidam os partidos em competição pela faixa presidencial.
É por meio dessa agenda e por dentro desses partidos políticos que está denominada a nomenclatura esquerda e direita.Trata-se de uma herança europeia. Os franceses dizem que o uso político dos termos esquerda e direita tem origem na Revolução Francesa, quando os liberais girondinos e os extremistas jacobinos se sentaram, respectivamente, à direita e à esquerda no salão da Assembleia Nacional. Na Inglaterra, por sua vez, esquerda e direita designam a forma como lords e comuns se organizavam na Câmara Inglesa.
O fato é que essas expressões se consolidaram, politicamente, de forma que, de um lado, o de direita, sempre defende ideias e práticas mais conservadoras, fundamentalistas e com várias fobias sociais para não perder regalias, poder e status; e, de outro lado, o de esquerda, sempre mais vinculado a projetos sociais e econômicos com distribuição de renda, defesa de direitos humanos e desenvolvimento ambientalmente sustentável.
“E aí se tem um marcador importante que é o eixo de um sistema e, assim, tem-se uma direita mais vinculada a uma agenda que se vai chamar de liberalismo ou de neoliberalismo; e outra agenda, de esquerda, com uma preocupação social. É possível ainda se ter dois movimentos em que um apoie uma agenda neoliberal em andamento, e vice-versa, daí a ideia do centro. E se tem um conjunto de centro que se pode chamar de social-democracia”, explica Vanessa.
Confira nesta entrevista exclusiva para o Sinpro-DF, conceitos fundamentais de política e categorizações que ajudam a entender o atual processo eleitoral, político e econômico do Brasil.
Entrevista||| Vanessa Maria de Castro
Sinpro-DF – Como surgem a extrema-esquerda e a extrema-direita?
Vanessa Maria de Castro – É quando surge, dentro do processo eleitoral, extremos dentro das agendas. Há partidos e candidatos, como, por exemplo, o PSDB, que pode ser considerado mais da social-democracia. Dentro dele se pode ter uma agenda de extrema-direita e uma de centro; nos partidos de esquerda, o mesmo: pode haver agenda de extrema-esquerda e de centro. É o caso do PT, que classifico como de centro-esquerda. No discurso da disputa, há quem o coloque como extrema-esquerda, mas ele não é e nem nunca foi. O PSOL pode ser considerado de extrema-esquerda porque se coloca dentro dessa agenda.
Sinpro-DF – Como o Brasil se localiza dentro dessas nomenclaturas?
Vanessa Maria de Castro – Num cenário histórico global, hoje, no Brasil, existe uma configuração, e aí estou falando de um processo eleitoral e não de uma ditadura, porque o que vivemos, em 1964, foi um processo de ditadura, e aí assume uma direita com agenda de extrema-direita, e se há uma figura de extrema-direita, haverá um processo de ditadura.
Sinpro-DF – E o que é ser de extrema-direita numa agenda de extrema-direita global? A extrema direita é o mesmo que ultradireita?
Vanessa Maria de Castro – Na literatura tem algumas nomenclaturas, que se confundem um pouco. Existem: extrema-direita, ultradireita, direita radical, nazismo, neonazismo, fascismo, neofascismo, extremista, nacionalista, chauvinista, geofóbicos (ou xenofóbicos), racistas e reacionários. Tudo isso está dentro de um bolo de extrema-direita. São nomenclaturas definidoras dessa questão. O que aconteceu na Segunda Guerra Mundial é que eles estavam dentro desse bojo todo. Eles criaram o nazismo e tinham uma questão de xenofobia, de raça única, de raça ariana. Há outras nomenclaturas definidoras de esquerda, extrema-esquerda, centro-esquerda. Deixo o populismo de fora disso.
Sinpro-DF – Por que a senhora retira o populismo daí se ele também é uma característica básica da extrema-direita?
Vanessa Maria de Castro – Porque ele também pode ser uma característica básica da extrema-esquerda. Não posso chamar a extrema-esquerda de racista porque, normalmente, ela não é. Ela não tem como palco a questão da racialidade. Mas o populismo pode estar dos dois lados. Essa é uma questão que tem de ser diferenciada senão a gente acaba gerando uma confusão que os dois lados tem. Extremismo também é uma característica dos dois lados.
Sinpro-DF – O que é ser de extrema-direita e de direita e de extrema-esquerda e de esquerda?
Vanessa Maria de Castro – A direita clássica defende a agenda do Estado mínimo, a noção de que a desigualdade é algo importante e inerente. Ela entra com o processo da moral, com a meritocracia e o desenvolvimento pessoal, que é uma teoria clássica deles, que assegura haver oportunidades. Contudo, as pessoas não se desenvolvem. Aí, se elas não se desenvolvem, a direita clássica culpa a ela (a pessoa) e não ao sistema.
Ou seja, a culpa é individual: o pobre continua pobre porque não soube pescar. No Brasil esse slogan é muito forte. Mas as oportunidades não são iguais. Como não são iguais, o Brasil não está tendo um processo democrático de distribuição de políticas públicas e as desigualdades iguais é, por exemplo, uma escola na qual qualquer estudante tenha acesso a um processo de formação com qualidade. Esse é um fator importante.
Nesse sentido, há dentro desse processo esse discurso, que é da direita de um modo geral, que irá atender a uma elite. É importante deixar claro que a direita está sempre defendendo uma elite: uma elite de um país, nacional, e a elite estrangeira. É a ela que a direita deve uma obediência. Na política, elite em si não se candidata. É tanto que a gente fala que a elite não tem rosto porque não importa quem esteja no poder; o que importa é quem está a serviço dela. Isso é outra característica fundamental na construção de uma elite. Há uma elite nacional, local, regional e internacional.
O Brasil participa muito pouco, como cadeira, como assento, da elite internacional, mas é um país alvo permanente do processo de interesses da elite internacional. Isso está claro nesta eleição de 2018. O Brasil interessa à elite internacional porque tem pré-sal, tem riquezas naturais, biológicas, minerais, patrimoniais; tem recursos naturais raros, e, além disso, o Brasil é um país que ocupa papel importante na América Latina como um espelho de políticas públicas, um espelho de transformação.
Sinpro-DF – A elite estrangeira quer, aqui, políticos e sistemas de extrema-direita para replicar a experiência em toda a América Latina. Como se faz isso?
Vanessa Maria de Castro – Se faz isso por meio de voto. Existe um estudioso da democracia brasileira comigo, no pós-doutorado, que desconstrói o mito da eleição. Mas, aqui, brevemente: quem elege hoje? Antigamente, quem elegia eram os recursos financeiros. Mas, hoje, são muito mais os recursos tecnológicos. Essa é a diferença desta eleição para as outras. Chamamos de eleição do smartphone.
Sinpro-DF – Por que os smartphones?
Vanessa Maria de Castro – Porque antigamente quem dominava eram as grandes empresas de comunicação e hoje são as redes sociais. Tinha-se uma Rede Globo, que era a principal do Brasil, que iria, então, pautar a agenda eleitoral. O que a Rede Globo dizia era fundamental no processo de construção do pensamento do eleitorado.
Sinpro-DF – A senhora quer dizer que os smartphones ocuparam o lugar da mídia?
Vanessa Maria de Castro – O Brasil se vê diante de um poder diminuído dessas grandes mídias e um poder central em outro processo, que é o que se constroi e se desconstroi dessa agenda em disputa. Discuto isso em dois momentos: Primeiramente, fazendo um paralelo porque essa agenda, como em todo lugar no mundo, é diferente. No Brasil ela é da moral, da família, dos bons costumes. Cai na agenda da religiosidade. Importante lembrar que o Brasil é cristão, seja ele católico, evangélico, espírita. E é sincrético. A igreja tem importância na formação da psiquê do indivíduo, mas participa do processo eleitoral porque está a serviço de uma elite.
A partir do momento em que a igreja adentra o processo de comunicação de massa, e usa os smartphones e as redes sociais, ela revela que quer estar na elite porque quer ter as benesses de elite. Por isso, chamamos, hoje, as igrejas, de mercado. A igreja é mercadoria. A fé hoje é uma mercadoria muito importante. Além das benesses, tem o status social e moral. Por isso, na idade média, toda família da elite tinha um filho da igreja.
Em segundo lugar, porque a igreja participa da não distribuição da riqueza do Estado que ela (a igreja) também toma para si. Importante esclarecer que a igreja brasileira faz uma coisa diferente: ela pega um bem que é público e transforma em um bem privado: o imposto. Quando ela não é taxada, não paga impostos, ela transforma um bem público, que é um dinheiro que seria aplicado na educação, na saúde, no transporte, na criação de emprego, na geração de renda, na segurança, na previdência e na assistência social, na garantia de moradia para a população, e transforma esse recurso para a igreja.
A igreja é um bem privado porque ela pertence a um grupo. Ela não é coletiva, não é um bem público. Ela é um bem individual e, por isso, a não taxação de impostos significa uma forma de transferência de recursos financeiros públicos, ou seja, uma renda que é do Estado que vai para um setor privado e esse privado tem nome. Posto isso, tem-se, então, essa arquitetura desse arranjo da religião.
Tem também o conservadorismo, que é a família, entendida como um núcleo heteronormativo. Isso é uma coisa muito forte. E esconde outra natureza ancestral que é a outra forma de constituição familiar. A história da humanidade mostra que existiam outras formas ancestrais de formação familiar, mas, no caso da história da modernidade, essas formas não são aceitas porque isso é uma maneira de unir e de oferecer uma fórmula fundamental que, sem isso, a igreja não existe: o pecado. O pecado entra nos preceitos morais, que é o medo. E é aí que a gente trabalha os processos de alienação.
Quando a pessoa tem medo, ela não age, não se liberta. É onde a pessoa se aprisiona. Assim, a igreja é elemento fundante do constitutivo de aonde fica apregoado o medo. O medo é consolidado na fala dessa religiosidade. Aí vem a questão do pecado que sempre é individual, nunca é coletivo. A não ser que se faça um ato coletivo, eu sei que eu estou pecando. Eu sou um pecador. Essa é uma forma de tutela da igreja para com os seus fiéis. Você tem uma questão fundamental, e aí vou falar um pouco dessa agenda internacional da extrema-direita, que é um pouco diferente da brasileira porque tem uma agenda que eles chamam de nativismo.
Sinpro-DF – O que é e por que eles chamam de nativismo?
Vanessa Maria de Castro – É quando os nascimentos de pessoas em determinada nacionalidade, por exemplo, da nacionalidade norte-americana, começam a diminuir ao ponto de estarem perdendo em número. Não é que os migrantes sejam maioria, mas os nativos perdem. O nativismo é quando, por exemplo, há um ativo de migrantes. É grave do ponto de vista da Europa hoje por causa das guerras no Oriente Médio e, em razão disso, disso a extrema-direita está crescendo bastante.
Ou seja, a extrema-direita está aumentando em países por causa das migrações resultantes das invasões e das guerras nas regiões próximas. E ao migrarem para a Europa, apresenta-se uma demanda muito grande e uma disputa por mercado de trabalho ao ponto de ter forçado a Inglaterra a sair, recentemente, da Comunidade Europeia (União Europeia), mesmo ela se prejudicando economicamente porque prevalece a ideia de que ela irá perder.
Sinpro-DF – O nativismo é uma questão de mercado?
Vanessa Maria de Castro – Não só. Tem também a racialidade. E esse é um tema fundamental brasileiro porque a extrema-direita nacional é racista e mata negros. No Estado brasileiro, de cada dez jovens negros, quatro irão morrer por homicídio. Isso é de uma gravidade sem limite. A extrema-direita não vê isso como um problema. Esse é um ponto crucial nesta eleição que não está sendo comentado.
As mulheres negras recebem salários menores do que as mulheres brancas, que, por sua vez, também recebem menores salários do que os homens negros, que, por seu turno, têm salários menores do que os homens brancos. Os indicadores de genocídio no Brasil mostram um indicativo de óbitos de negros como se o país tivesse vivendo uma guerra civil. É de uma gravidade sem limites.
Há, então, na conjuntura atual três elementos: a redução de empregos, a pauta moralista e a questão da racialidade. Esses são o que a gente chama de elementos que irão gerar essa combustão que, na verdade, é o ovo da serpente. Só que ela (a população brasileira) está quieta, não significa que ela tenha a vocação, mas tem uma tendência a gostar de uma agenda mais conservadora.
Sinpro-DF – O que significa uma agenda conservadora?
Vanessa Maria de Castro – Uma agenda de Estado mínimo. Não conheço nenhum país no mundo que tenha Estado mínimo como eles apregoam no Brasil. A França, a Alemanha e a Inglaterra são extremamente protecionistas. Têm sistema de bolsa-emprego, escolas públicas de qualidade, hospitais públicos de boa qualidade, sistema social de políticas públicas desenvolvido pelo serviço público. Nesse sentido, o Brasil sempre trabalhou com o que virou moda agora, que tem uma teoria que eu gosto muito de usar, mas eu vou usar o termo que está na moda agora, que é a teoria da pós-verdade.
Sinpro-DF – O que é a teoria da pós-verdade?
Vanessa Maria de Castro – É nada mais do que as fake News (notícias falsas). Aqui a gente volta aos smartphones. Cria-se uma mentira e a transforma em verdade.
Sinpro-DF – Qual é o problema disso?
Vanessa Maria de Castro – Isso é uma arquitetura de extrema-direita. A extrema-direita tem uma rede internacional entre si e, o Brasil, faz parte dessa rede. A extrema-direita é articulada internacionalmente e tem um processo de informação, dinheiro e recursos. Está crescendo em o todo mundo. Tem domínio tecnológico. Cria as fakes news. Mas as fake news só vão funcionar se o país assumir isso. As fake news não são criadas fora do Brasil. São criadas aqui dentro. Na área de comunicação social, por exemplo, é perceptível como a extrema-direita cria uma imagem com pouquíssimas palavras porque eles estão trabalhando com o processo da alienação. Tudo que tem poucas palavras é processo de alienação. E aí a gente volta à teoria da alienação.
Sinpro-DF – O que é alienação?
Vanessa Maria de Castro – É você passar uma ideia que não é verdadeira como se fosse verdade. Que é como o trabalhador vai defender o patrão. Não faz o menor sentido. Ele está sendo explorado e vai defender quem o está explorando? A não ser que ele esteja solidário. Mas não é o caso. Por que ele vai defender alguém ganhar mais dinheiro do que ele uma vez que esse ganhar mais dinheiro significa o seu próprio sofrimento? Então, quando o trabalhador defende essa ideia de extrema-direita, nessas condições, o nome disso é alienação. E aí se constroi isso porque se sabe que ele (o povo) estará refratário. Na história moderna da humanidade, ele é refratário. E Jair Bolsonaro tem ganhado largamente esse campo na campanha dele porque o brasileiro está refratário a tudo.
Sinpro-DF – O que é estar refratário a tudo?
Vanessa Maria de Castro – É, por exemplo, Bolsonaro fazer um discurso homofóbico e, logo em seguida, conseguir desconstruir esse discurso perante os seus eleitores e ainda ganhar adeptos pelo discurso da moralidade. Isso é estar refratário e essa é uma questão importante.
Fake news, então, é uma coisa que existe o tempo inteiro e ela se propaga rapidamente. E a esquerda não conseguiu fazer isso porque está comprometida com a verdade e, por isso, tem muita dificuldade de fazê-lo porque ela nunca esteve a serviço da construção disso. A direita não se preocupa com a verdade. Ela não está interessada na construção do poder porque ela está a serviço da elite. E a elite não está preocupada com a verdade. Não se pode cair nesse discurso moral. A grande moral da elite é ganhar dinheiro.
Sinpro-DF – Quais exemplos de pós-verdade?
Vanessa Maria de Castro – A eleição de Donald Trump. Toda a campanha de Trump foi realizada em cima de fake news. Tem um fato fundamental do Facebook do Trump que ele conseguiu falsear. Um pesquisador da Universidade de Cambridge conseguiu manipular informações do Facebook e descobriu o que as pessoas consumiam, o que faziam, o que elas curtiam, enfim, hoje em dia a pessoa que está nas redes sociais de internet é mapeada.
Ele conseguiu acessar 50 mil “amigos” ligados ao Facebook de Donald Trump e com isso atingiu mais de 350 mil eleitores. A campanha de Trump manipulou e mandou fake news e mensagens, via Facebook, para agradar e atrair pessoas para a sua eleição. Na eleição brasileira isto não está acontecendo pelo Facebook porque a empresa fechou essa porta de entrada. Contudo, está por meio de outras mídias sociais, como, por exemplo, o WhatsApp.
Sinpro-DF – O que a categoria está mais usando como meio de informação?
Vanessa Maria de Castro – O WhatsApp e as fake news. Explico: a cultura de massa está empobrecida no campo teórico. O campo teórico é você olhar uma realidade e tentar explicar como ela funciona. Para elaborar isso é preciso um pensamento mais sofisticado e quem enseja esse pensamento é a filosofia, a sociologia, a antropologia, a geografia, a história. A matemática dará o elemento bruto. Ela vai olhar para a realidade e dizer que lá fora há uma árvore e aí você vai perguntar que árvore é, por que ela está ali, como ela foi plantada ali, por que foi plantada, quanto custou. Esses são alguns dos elementos de análise científica de uma dada situação.
O problema é que, após a Constituição de 1988, houve um processo maciço de educação pública com recursos escassos, que provocou uma diminuição da qualidade da educação. Empobreceu a formação superior em todas as áreas. O processo de formação superior, incluindo aí o de professores/as, foi prejudicado. E aconteceu que as universidades puseram, no mercado, profissionais alienados, incapazes de transferirem o conhecimento crítico a outras pessoas. A categoria docente, como todas as outras áreas, padece desse problema e tem dificuldade de explicar uma realidade. Além disso, ele traz consigo uma formação moral que o impede de questionar a realidade: há um alto índice de professores evangélicos e isso é um elemento importante que dificulta a pessoa de questionar a realidade.
Sinpro-DF – Qual é o objetivo da educação?
Vanessa Maria de Castro – Questionar a realidade e repassar conhecimento. Não é somente repassar conhecimento. Só repassar conhecimento é o que Paulo Freire chama de educação bancária
Sinpro-DF – Qual é o problema hoje da rede pública de ensino?
Vanessa Maria de Castro – É um local em que há um forte processo de construção de um conhecimento bancário.
Sinpro-DF – E qual é a grande crítica ao docente?
Vanessa Maria de Castro – Que ele acha que está fazendo a educação crítica, que está dando o melhor de si, que se esforçou muito para conseguir a graduação, que estudou muito, trabalha muito, que está dando a melhor aula que podia. Então, é preciso ter muito cuidado quando critica porque senão parece que a culpa é da pessoa e não é. A culpa está no sistema que cria esse modelo de educação alienante e esse modelo é o da elite, a quem interessa um sistema alienado. Porque quando se colocam escolas de má qualidade a elite sabe que, com isso, terá uma massa de manobra em vez de profissionais pensantes.
Sinpro-DF – O que é massa de manobra?
Vanessa Maria de Castro – Massa de manobra é um processo que se tem que é refratário capaz de eleger um indivíduo como Jair Bolsonaro porque alguém em sã consciência e que olha sabe que o discurso dele é homofóbico, é misógino, é entreguista, é colonialista, é racista, porque ele externalizou isso várias vezes. A gente mostra o Bolsonaro externalizando o racismo dele para um professor negro e esse professor diz: “Ah! Ele estava brincando!” A gente mostra a misoginia de Bolsonaro para uma professora e ela diz: “Nããão… Ele não é assim não. Ele é boa gente. Ele lê a Bíblia. Ele não é corrupto”. E aí vem outra questão que é a corrupção. Isso é ser refratário.
Sinpro-DF – O que é a corrupção?
Vanessa Maria de Castro – A corrupção é o ato de transformar um bem público em um bem privado. Ou agir de forma inadequada com um bem que é público. Sempre é um roubo de bem público do ponto de vista da política. Pode-se ter roubos familiares. Tem de tudo. Mas, nesse caso, é o bem público e, aí, a esquerda está vulnerável a uma agenda construída com elementos concretos de corrupção e, neste momento, Bolsonaro foi a pessoa que soube utilizar esse discurso e é fundamental dizer que ele foi protegido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Poder Judiciário porque há processos contra ele por corrupção. E mediante essa proteção, o Brasil se vê diante de uma plutocracia.
Sinpro-DF – O que é plutocracia?
Vanessa Maria de Castro – A plutocracia nada mais é do que o Estado estar a serviço da elite. O impeachment da Dilma Rousseff estava a serviço da elite. Não conseguiram provar nada contra ela. Então, por que ela não voltou para o Palácio do Planalto para completar o mandato? Nunca teve nada contra a Dilma no âmbito da corrupção. Foi acusada de pedaladas. Mas, aí, um mês depois que ela ter sido impedida, seu sucessor, Michel Temer, ao assumiu o Poder Executivo, praticou as pedaladas, que foram legalizadas pelos Três Poderes. E como é que fica? O STF pode?
A Dilma não voltou porque a agenda dela não interessava à elite. O pouquinho que foi distribuído nos governos Lula e Dilma para diminuir a extrema desigualdade que havia no Brasil e para tirar um contingente enorme da população da extrema miséria incomodou a elite nacional porque essa elite não quer a distribuição do dinheiro público. A elite brasileira vive na lógica da casa grande e senzala. Não é à toa que o Brasil foi um dos últimos países a acabar com a escravidão. E, mesmo depois da abolição, permaneceu a longo prazo e não teve nenhuma forma de distribuição de terras.
Nesse sentido, a elite brasileira sempre agiu assim. E ficou uma elite raivosa porque foi inventado um negócio chamado voto. Olha que coisa mais chata! Porque voto, todo mundo vota igual. E, agora, para piorar inventaram um negócio chamado urna eletrônica, que impede o coronel de controlar o voto do freguês. Antigamente, ele ia lá, pegava o título eleitoral de todo mundo e votava com esses títulos nele mesmo. Ele mandava na seção eleitoral. Hoje há uma certa autonomia.
Sinpro-DF – Mas como o capitalismo resolveu essa questão da autonomia do voto?
Vanessa Maria de Castro – Na compra do voto pelas propagandas. De acordo com Júlia Cagé, economista e professora da Sciense Pro, uma universidade com sede em Paris, um voto na França custa 32 euros. Ela questiona a democracia pelo voto em seu livro intitulado Le prix de la démocratie (“O preço da democracia”, em tradução livre), publicado na França, no fim de agosto deste ano, ao comparar o sistema de financiamento de campanhas eleitorais em diferentes países, como França, Estados Unidos, Reino Unido, Itália, Alemanha e Canadá e analisar os responsáveis pelas doações de campanha e o resultado em relação às políticas.
Nesse sentido, quando se restringe o recurso financeiro de campanha, aí entra uma personagem chamada Bolsonaro, com fake news e a mídia porque a mídia hoje é barata. Qualquer um pode fazer miséria de um computador de sua própria casa. Se a pessoa tiver uma boa conexão de internet, uma boa rede social, contatos, ela fala com muito mais gente do que se fosse panfletar na rua o dia todo porque, só no Facebook, ela tem mais de quatro mil amigos e na vida real só tem alguns.
É o que o sociólogo e filósofo polonês, Zygmunt Bauman, chama de falsas amizades, relações líquidas. Porque o voto hoje não é consolidado. Depois das eleições, o eleitor nem sequer irá lembrar em que votou para distrital. Boa parte nem lembra. Nesse sentido, há uma construção de um voto, e o brasileiro acha que isso é importante.
Sinpro-DF – Dentro desse conceito de plutocracia, podemos incluir aí essa ação da elite de transformar o Estado em um negócio dela?
Vanessa Maria de Castro – O Estado é sempre transformado em negócio pela elite independentemente de haver plutocracia ou não. Plutocracia é a pessoa estar no exercício de poder e a serviço da elite. Por isso que é plutocracia. O Estado está sempre a serviço dela (da elite). Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff tentaram ceder um pouquinho para as áreas sociais, mas no Brasil não é fácil porque aqui se assegura a autonomia e depois se perde o controle do povo, porque o povo é a massa de manobra.
Sinpro-DF – Qual é o detalhe fundamental desse processo?
Vanessa Maria de Castro – A maior ilusão que a gente tem é acreditar que a massa é de manobra e não tem interesse. Essa é uma grande ilusão. O processo de alienação não é pessoas que não sabem algo. Elas sabem e têm interesses. Um exemplo muito simples: alguém que ganha uma dentadura. Antigamente, em períodos eleitorais era bem comum isso. Por que a dentadura? Era um voto, uma dentadura. Ora, quem nunca sorriu com dente, não sabe da alegria de sorrir com ele. A gente que tem dente não sabe o que é isso. Quem nunca andou descalço não tem ideia do que é ganhar um pé do sapato antes e o outro depois da eleição. Quem sempre teve casa para morar não sabe o que é não ter uma casa pra morar.
Sinpro-DF – Mas a pergunta que fica é: qual é o interesse da extrema-direita?
Vanessa Maria de Castro – Essa é a pergunta mais difícil de responder porque sempre o Brasil defendeu uma agenda conservadora. O que tem de ficar claro é que o diferencial é ganhar da extrema-direita. Tanto que a esquerda precisou sair do poder mediante um impeachment inventado porque quem estaria no processo de eleição agora, se não fosse o golpe da extrema-direita, seria a Dilma.
Sinpro-DF – O que a extrema-direita retirou da população em termos materiais?
Vanessa Maria de Castro – Por exemplo, a atuação do ex-presidente FHC com relação à educação. Retirou muito. A universidade pública e seus corpos docente e técnico-administrativo ficaram 8 anos sem reajuste salarial e a educação superior ficou sem investimento do Estado. Os/as servidores/as públicos/as ficaram sem reajustes e a universidade pública ficou sem dinheiro porque FHC fez um modelo de ensino superior privado para atender a uma elite.
Sinpro-DF – O que a agenda da extrema-direita defende?
Vanessa Maria de Castro – A extrema-direita defende o Estado mínimo, o choque de gestão, as privatizações, a entrega das riquezas naturais entre outras à elite estrangeira. A extrema-direita que está com muito espaço no país é adepta das demissões e planeja acabar, no serviço público, com a estabilidade. Defende a terceirização generalizada dos serviços públicos e o controle melhor os recursos financeiros da União por ela. No campo privado, entre várias retiradas de direitos, planeja reduzir mais ainda os direitos trabalhistas, taxar os assalariados e isentar os ricos, diminuir salários com trabalhos temporários, eliminar definitivamente a carteira de trabalho e outras conquistas. Pretende aprofundar as retiradas que já delineiam no cenário nacional com o golpe de 2016.
Em nenhum momento Bolsonaro afirmou que não irá aprofundar esse projeto de entrega do Brasil. E, para piorar essa agenda de extrema-direita, o seu vice, general Antônio Hamilton Mourão, disse, na imprensa, que irá fazer uma Constituinte de notáveis e eliminar a Constituição Cidadã de 1988, elaborada democraticamente após o golpe militar. Enfim, se Bolsonaro ganhar, o brasileiro estará legitimando o golpe de Estado de 2016.
Fonte: Sinpro DF
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