Por Débora Garcia*
As eleições 2018 estão sendo históricas. Para além do acirramento da polaridade entre esquerda e direita, o protagonismo e a organização política de mulheres e negros foram de suma importância e impactaram significativamente os resultados.
Na reta final do pleito, mulheres indignadas com o discurso e postura sexista e fascista do candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro (PSL), conseguiram transformar essa indignação em mobilização política.
Em 30 de agosto foi criado o grupo “Mulheres unidas contra Bolsonaro”, na rede social Facebook. Em apenas uma semana, o grupo atingiu a marca de um milhão de seguidoras, e até a presente data contava com 154.329 membros.
Dessa forma iniciou-se uma grande mobilização nacional que culminou na campanha #EleNão, com grande adesão da classe artística e influenciadores, nacionais e internacionais. A grande mobilização não ficou apenas no campo virtual e transbordou para as ruas. No dia 29 de setembro houve centenas de passeatas das “Mulheres unidas contra Bolsonaro”. Segundo informações do movimento, em 114 cidades brasileiras houve manifestações, sendo que a maior delas ocorreu na cidade de São Paulo, no Largo da Batata e reuniu cerca de 500 mil pessoas.
Segundo a historiadora Céli Regina Jardim Pinto, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, cuja pesquisa se debruça sobre a história do feminismo no Brasil, a mobilização de 29 de setembro já é considerada a maior manifestação de mulheres da história do Brasil.
Com essas ações, as mulheres conseguiram marcar a sua força de mobilização política, mostrando que, definitivamente, não será mais possível fazer política no Brasil sem que as pautas femininas e o nosso lugar de fala sejam considerados. O movimento protagonizado por mulheres também foi endossado e apoiado pelas minorias sociais, que veem no crescimento do candidato Jair Bolsonaro uma ameaça aos direitos e garantias constitucionais. Assim, a comunidade negra, LGBT, pessoas com deficiência, dentre outros segmentos, aderiram ao movimento.
Com o mesmo anseio de demonstrar a sua força e garantir a representatividade política neste pleito, o movimento negro também se mobilizou através das redes sociais.
Com a hashtag #VoteEmPreto o eleitor teve oportunidade de conhecer e fortalecer as candidaturas pretas. Linda Marxs, blogueira do Efigênias, criou uma comunidade também na rede social Facebook intitulada “1 milhão de brancos votando em candidatos pretos”. A comunidade é inspirada no lema “Nem direita, nem esquerda. Preto”, do partido “Frente Favela Brasil”, que atua não somente no fortalecimento de candidaturas, mas também no convencimento do eleitorado branco a romper com o racismo institucional e dar um voto de confiança às candidatas e candidatos negros.
O Brasil é formado por 56% de negros, no entanto, essa representatividade não se expressa na seara política. Como consequência, há um acirramento das desigualdades de oportunidades para que suas pautas sejam consideradas nos espaços de poder e decisão. Além do enfraquecimento de suas pautas, a ausência de negras e negros fortalece no inconsciente coletivo a ideia de que política não é um campo para a atuação dessa população.
Toda essa mobilização se refletiu no aumento das candidaturas negras que totalizaram 46% dos 28,1 mil pessoas inscritas para concorrer aos cargos deste pleito, mas a quantidade que conseguiu efetivamente acessar a esfera política ainda é bastante inexpressiva.
Esse anseio por representatividade se refletiu numa tímida, mas histórica mudança no cenário político brasileiro. O estado de São Paulo elegeu Érica Malunginho, a primeira deputada estadual transgênera da história da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Eleita pelo PSOL e com uma campanha modesta, mas carregada de expectativa na alternância de poder – um dos principais lemas de sua campanha –, Érica Malunguinho que concorreu pela primeira vez atingiu a marca expressiva de 55.223 votos. Além de mulher trans, Érica é nordestina, negra e uma importante ativista no cenário cultural negro e periférico da cidade de São Paulo.
Em âmbito federal, a Câmara dos Deputados também sinalizou uma mudança histórica. Neste pleito foram eleitas 77 deputadas federais, um aumento de 26 mulheres em relação ao último pleito, realizado no ano de 2014.
Houve também o aumento da representatividade étnica. O número de mulheres negras aumentou de 10 para 13; o de brancas, passou de 41 para 63. O estado de Roraima elegeu Joenia Wapichana (Rede), a primeira mulher indígena a ocupar uma cadeira no Congresso Nacional. E isso é realmente muito simbólico, pois os indígenas são os habitantes nativos do Brasil, mas são historicamente excluídos do exercício político.
As candidaturas masculinas, também apresentaram mudanças no que se refere à quantidade e perfil. Neste pleito foram eleitos 436 homens, 26 a menos – essas vagas passaram a ser ocupadas por mulheres. Houve um aumento de deputados negros, que passou de 93 para 113. Foram eleitos dois candidatos amarelos. O número de candidatos brancos caiu de 369 para 321. Todos esses dados tem como referência o pleito de 2014.
Considerar o gênero e a etnia no momento do voto é de fundamental importância, para garantir a alternância de poder, a pluralidade, o combate ao racismo e sexismo institucional.
Essas eleições nos mostraram que unidas e unidos temos força e, assim, nos tornamos protagonistas das mudanças que desejamos e precisamos.
Porém, o grande enfrentamento ainda está por vir com a definição do segundo turno entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro. Cabe agora o fortalecimento desses espaços conquistados, a mobilização nas redes e nas ruas, pois os votos das mulheres, negros, nordestinos e LGBTs irá definir essa disputa.
* Débora Garcia, poetisa e gestora cultural, é idealizadora e artista no coletivo Sarau das Pretas.
+ There are no comments
Add yours