Por Rosilene Corrêa*
Em 1968, Paulo Freire, exilado no Chile pela ditadura militar brasileira, terminou o manuscrito do livro Pedagogia do Oprimido, publicado pela primeira vez, em 1970, nos Estados Unidos, e, quatro anos depois, no Brasil.
Cinquenta anos depois, a obra encontra-se em sua 65ª edição no Brasil. Foi traduzida para mais de 30 idiomas, publicada em dezenas de países em todos os continentes: das Américas do Norte, Central e do Sul até em países da Europa, África e Ásia. Seu impacto mundial nos campos da educação, da política e da cultura, levou a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) a considerar o acervo de Paulo Freire património da humanidade e incluí-lo no programa “Memórias do Mundo”.
Tristemente, o cinquentenário da Pedagogia do Oprimido acontece nestes tempos sombrios, quando se tenta subjugar o pensamento crítico, com proposições de políticas de silenciamento, como as da escola sem partido e da ideologia de gênero.
A “demonização” do nome e do legado de Paulo Freire que levou, até mesmo, à proposta de retirar do educador recifense e, ao mesmo tempo universal, o título de Patrono da Educação Brasileira ocorre a partir do golpe de Estado aplicado em 2016, contra a ex-presidenta da República Dilma Rousseff, quando começam as tentativas de se estabelecer um contexto de pensamento único cujo objetivo é o de fortalecer o ambiente de tolhimento da expressão numa espécie de antítese da tomada de consciência da liberdade e do reconhecimento das tendências de autoritarismo e intolerância.
Nesse momento de esgarçamento do tecido social brasileiro, a gênese do pensamento freiriano, ao esmiuçar as relações entre opressores e oprimidos, é a guia para fortalecer a emancipação do indivíduo por meio do pensamento crítico e libertário, construindo consciência e organização coletivas que estimulam fundamentos básicos para a vida humana: o diálogo, a interatividade, a dignidade cidadã, o respeito às diversidades.
As eleições, movidas por debates agressivos, tóxicos, que se espalha pelas redes sociais, em aplicativos de celular, em rodas de conversa, em grupos familiares, estimulados, especialmente, pela televisão, expõem as fraturas de nossa democracia, agravadas pelo golpe de Estado de 2016.
A vulnerabilidade da população sujeitada a informações distorcidas, com mensagens subliminares e/ou escancaradas, sem qualquer ética, reafirma o que a consistente teoria de Paulo Freire expunha desde o seu princípio e que pouco ou nada mudou nesses 50 anos: a situação concreta de opressão em que as pessoas vivem. Opressão essa que se materializa em retirada de direitos, em exploração do trabalho, em cerceamento de manifestações, em agressões morais e físicas ao que seja diverso.
A partir dessa tomada de consciência, a Pedagogia do Oprimido fortalece a reflexão sobre nossa própria existência, sobre as relações humanas nas comunidades e no trabalho, nos territórios nos quais nos inserimos, indicando que “a palavra abre a consciência” do lugar social que cada um ocupa.
Ao afirmar que a “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”, Paulo Freire reafirma, dentre outras coisas, a importância de educadoras e educadores. Destaca o quanto esses profissionais têm a contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, mais equânime, para um mundo mais sustentável, uma vida mais feliz.
Em tempos de ódio, de preconceito, de intolerância, de tendência autoritárias, nosso direitos mais básicos e nossa liberdade de pensamento e de expressão, educadores que somos, independentemente do lugar que ocupamos, somos desafiados a resgatar e a fortalecer o legado libertador, amoroso e ético de Paulo Freire; vital em todas as relações sociais para construir humanização e cidadania que levem ao respeito às diferenças. Esses significados constroem a resistência e apontam caminhos.
Não podemos nos sentir enfraquecidos. A obra de Paulo Freire nos capacita para superar a demonização e a criminalização da reflexão, bem como o avanço da intolerância e da violência. Tomar consciência da importância da liberdade, considerando “esperança sem espera”, exige atuação determinada. A “paciência impaciente” precisa de reação. E essas ações somente podem acontecer em uma sociedade minimamente democrática.
A educação crítica brasileira, a educação popular e cidadã exige nosso compromisso com o respeito às diferenças, com o combate ao racismo, à homofobia, à xenofobia, ao machismo, a intolerâncias de todas as matizes.
Não podemos nos eximir sob pena de sermos cúmplices de entregar nosso país a fascistas raivosos e subservientes aos países imperialistas que destruirão não somente os direitos que nos restam, mas nossa perspectiva de futuro, nossa urgência de esperanças.
“É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar;
porque tem gente que tem esperança do verbo esperar.
E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera.
Esperançar é se levantar,
esperançar é ir atrás,
esperançar é construir,
esperançar é não desistir!
Esperançar é levar adiante,
esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…”
Paulo Freire
*Rosilene Corrêa é dirigente sindical no Sinpro-DF, na CNTE e na CUT.
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