Por Patrícia Valim*
Desde as manifestações de 2013, a sociedade brasileira tem presenciado um número crescente de pessoas pedindo a volta da ditadura militar no país, por meio da justificativa falaciosa de combater o “perigo comunista” na América Latina e sua “intrínseca corrupção generalizada e degenerativa”.
Estas são duas pautas históricas mobilizadas pela classe dominante para afastar o exercício político da classe trabalhadora e a consolidação de um Estado de Bem Estar Social para combater as desigualdades estruturais, como ocorreu nos governos petistas. Não por acaso, na conjuntura atual, setores da imprensa fizeram questão de associar o anticomunismo ao antipetismo e fortalecer a ideia de que esse só será defenestrado da face da terra por meio do militarismo, que se aliou e tem se expressado por meio do fascismo, com a candidatura da chapa de Jair Bolsonaro, tendo como vice o general da reserva Hamilton Mourão.
Com o golpe de 2016, com um governo às voltas de corrupção com provas e reprovado pela imensa maioria da população brasileira, Michel Temer terceirizou a articulação política de seu mandato tampão ao general da reserva Sérgio Etchegoyen, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência. Entre outras funções, precisou gerenciar crises, como a intervenção militar no Rio de Janeiro e a greve dos caminhoneiros. De lá para cá, foram várias as manifestações públicas de militares da ativa e da reserva sobre a situação política do país, de sorte que o comandante do Exército, general Villas Bôas convocou os principais presidenciáveis de 2018 para serem sabatinados sobre o futuro político do país na caserna.
Algo inédito desde o processo de redemocratização do Brasil, essas aparições públicas dos militares, com apoio de parte da população e da imprensa engajada no golpe de 2016, consolidou-os como variável importante do espectro político brasileiro. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, no início de setembro, Villas Bôas não se constrangeu ao anunciar a possibilidade de questionar a legitimidade das eleições de 2018 caso o resultado não agrade um grupo das Forças Armadas. Por muito menos, na mesma semana, o comandante em chefe do Exército do Uruguai, Guido Manini Ríos, foi preso por 30 dias por desrespeitar a hierarquia dos poderes e opinar sobre um projeto de lei proposto pelo governo de Tabaré Vázquez.
Seja como for, está cada vez mais explícita a fase política que nos espera no pós-eleição. Com Jair Bolsonaro fora da campanha no primeiro e no segundo turnos em razão do ataque sofrido em Juiz de Fora, o candidato a vice e general da reserva Hamilton Mourão entrou com pedido no TSE para ocupar a cabeça da chapa em debates e entrevistas. Sabe-se que jamais um capitão irá questionar a ordem de um general, sobretudo se esse mesmo general aproveitar a oportunidade aberta pelo ataque para anunciar o descontentamento do Exército com a Constituição Cidadã de 1988 e seu projeto de uma nova Constituição cujo texto deverá ser elaborado por um grupo de “homens notáveis” escolhido pelos militares e, só depois, submetido ao Congresso Nacional para “apreciação”.
Não se enganem com a liturgia do golpe deflagrado em 1964, senhoras e senhores, pois agora os militares ligados ao general Mourão estão mobilizando um dos principais dispositivos da democracia moderna, que é o voto, para legitimarem a instauração de um Estado autoritário. No programa “Painel” da Globonews, um dos canais pagos mais engajados no golpe de 2016, com a participação do ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, do professor Wanderley Messias Costa e do general Rocha Paiva, que, além de reivindicar os militares como força política necessária para o país, subscreveu ao teor da entrevista do general Villas Bôas em relação à possibilidade de intervenção militar caso os presidenciáveis Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT) sejam eleitos. Afirmou ainda a necessidade urgente de uma nova Constituição “elaborada por gente competente e que não tenha tantos direitos, mas vários deveres”. Assim, como explicar o recrudescimento político do setor do Exército ligado ao general Villas Bôas na reta final das eleições?
Algumas hipóteses e um caminho.
1. O criminoso ataque contra Jair Bolsonaro se configurou como força política apenas para o general Mourão.
2. A maioria da população já sabe que o antipetismo como sinônimo de anticomunismo não encontra paralelo nos governos petistas.
3. Depois que o PT anunciou Fernando Haddad como candidato à Presidência e Manuela D’Ávila como vice, o crescente processo de transferência de votos de Lula comprovou o acerto da tática política petista. Depois de três dias de campanha, já existe a possibilidade de Haddad vencer Bolsonaro no primeiro turno em algumas regiões, como no Nordeste e no Norte, conforme pesquisa divulgada pelo Datafolha da última sexta (14).
Por fim, no final de tarde deste domingo (16), a família de Bolsonaro divulgou um vídeo nas redes sociais no qual o candidato reconheceu a sua derrota para o general da reserva Hamilton Mourão, reafirmou seu compromisso com o projeto de país autoritário e fascista, conclamou seus pares militares a barrarem a “venezualização” do Brasil com a possibilidade de o PT vencer as eleições e denunciou uma “fraude prospectiva”: se ele não for eleito presidente em 2018 é porque o PT “fraudou as eleições”.
O candidato silenciou sobre algo que surgiu espontaneamente nos últimos dias e que já se configura como a maior saída da crise política e esperança de um país democrático: diante de inúmeros atos violentos e discursos de ódio do presidenciável, dois milhões e quinhentas mil mulheres se organizaram nas redes sociais em uma campanha nacional para barrar o fascismo e o autoritarismo que ameaçam o país desde 2013, com um ato de protesto nacional marcado para o próximo 29 de setembro.
É sabido que o fascismo e o autoritarismo dos militares não serão derrotados nas eleições de 2018, até porque se Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin ou Marina Silva não ganharem as eleições, teremos um país rachado como no final de 2014.
No entanto, a conjuntura mudou e a realidade tem demonstrado que poderemos revogar os danos das reformas golpistas, as perdas dos direitos sociais conquistados e uma relativa harmonia entre os que têm opiniões distintas sobre o mundo se os presidenciáveis do campo progressista se inspirarem na Revolução Severina. Ela é formada por milhões de mulheres, nordestinos e nordestinas que barrará o fascismo e, no segundo turno, formará uma frente antifascista e pelo fortalecimento da democracia brasileira, apoiado pela maioria da população.
A considerar a manifestação de milhares de pessoas da cidade de São Paulo neste domingo (16), na Avenida Paulista, a favor da chapa de Fernando Haddad e Manuela D’Ávila, podemos concluir: ele e eles não passarão!
Patrícia Valim é professora de História do Brasil Colonial da Universidade Federal da Bahia. Conselheira do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Perseu Abramo. Mãe de Ana, Bento e Maria, e avó de Maria Antônia.
Fonte: Brasil de Fato
Foto: Agência Brasil
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