Por João Paulo Cunha*
A definição da candidatura de Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores, inicia novo cronograma para a eleição presidencial. O tempo é pouco e é hora de olhar para a frente. O momento da defesa da candidatura de Lula foi cumprido com lealdade, mas passou. Um dos maiores equívocos em torno do novo candidato é reforçar sua dependência absoluta de Lula. Haddad não é um poste, tem luz própria. É um homem preparado, experiente e com muito a aportar à campanha.
Durante muito tempo se criticou a falta de formação de novas lideranças, tanto na esquerda quanto na direita. Lula e FHC teriam dificultado a emergência de nomes capazes de levar adiante os projetos políticos de seus grupos. Os tucanos foram soterrados pela vaidade e egoísmo de um homem para o qual a generosidade sempre parecia gesto de derrota. Os petistas se viram dominados por uma força política que foi da retomada da mobilização social ao exercício virtuoso do poder popular. Os liberais não superaram a inveja, os petistas a idolatria.
Fernando Haddad tem tudo para reverter essa história. Em primeiro lugar, não esconde sua integração ao partido. Coordenou a elaboração do plano de governo, manteve proximidade a Lula da forma devida, participou de governos petistas e experimentou as urnas. Com origem na classe média, intelectual, é um representante de segmentos que também definem o partido em sua abrangência e universalidade necessárias. Sua proposta é para toda a sociedade, como deve ser sempre na política.
A formação de uma pessoa e sua trajetória de vida apontam os caminhos do que se pode esperar dela. Haddad é professor, tem formação em direito, mestrado em economia e doutorado em filosofia. Foi ministro da Educação e prefeito de São Paulo. Nessas indicações mais gerais estão presentes algumas expectativas importantes ligadas ao seu nome.
Quando se fala em papel do sujeito na história, talvez se esteja apontando o que há de singular em sua forma de agir no mundo. Está na hora de “Andrade” mostrar quem é Haddad. Em cada uma das áreas pelas quais passou, o candidato tem um histórico de realizações e propostas que precisam ser debatidos na campanha. Se o eixo está dado no plano de governo e pela trajetória das administrações petistas, interrompida pelo golpe, os caminhos serão outros.
De sua formação em economia, o novo candidato traz a urgência de retomar um projeto de desenvolvimento para o país, que tenha nos seus fundamentos tanto o crescimento como a distribuição de renda. Diferentemente dos economistas liberais, Haddad tem tudo para centrar sua ação em geração de emprego e renda, justiça tributária e aposta na sustentabilidade e nas novas matrizes produtivas.
O novo projeto de desenvolvimento, que se pode esperar pela trajetória do candidato, deverá revogar as medidas que retiraram direitos do trabalhador e recuperar a soberania em relação ao petróleo e outras riquezas estratégicas. E, é claro, revogar medidas de austeridade que interrompem gastos sociais para alimentar a vazão das despesas financeiras. Não se espera menos dele, mas se espera mais em matéria de aclarar os instrumentos para a execução desse projeto.
Para a educação, o professor e ex-ministro Fernando Haddad precisa trazer, além das experiências exitosas de ampliação de acesso à universidade e dos projetos de melhoria dos resultados do ensino básico, o potencial de transformação necessário ao setor. A educação se tornou no Brasil uma referência ampla demais e, portanto, indefinida. Todos são a favor, falam em investimentos na área e em melhorar o ensino.
No entanto, na generalidade da defesa se escondem projetos muito distintos. Entre eles a defesa da privatização, da segregação por classe, da perda da dimensão crítica e imposição de censura e constrangimento ao professor, da cobrança nas universidades públicas, da vinculação estrita da pesquisa ao setor produtivo. Há desafios estruturais, como a conformação do Sistema Nacional de Educação e a institucionalização de formas participativas de gestão.
No entanto é preciso antes recuperar o debate sobre o ensino médio, prostituído pela reforma do governo Temer, e retomar os investimentos no setor, da creche a pós-graduação, em patamares civilizados. A escola que leva bomba em padrões internacionais de avaliação não é um descaminho, mas um projeto seguido à risca pelos defensores da privatização do setor. O grande desafio é sair do discurso emancipatório inflado para a prática da sala de aula. Ter indicadores modernos na cabeça e sensibilidade. E pó de giz na mão.
Na gestão da cidade de São Paulo, Haddad implantou projetos transformadores, com destaque para a elaboração de um plano diretor considerado um dos mais avançados do mundo pelos urbanistas. Pensar o futuro com o olho no presente, como o investimento humanizador em mobilidade urbana, com rede de ciclovias e a valorização do transporte público. As pessoas que criticam ciclovias são as mesmas que babam com a Dinamarca enquanto trafegam sozinhas em um carro capaz e transportar uma tropa. A reocupação do espaço público pelas pessoas foi outra medida de pouco custo e muita efetividade existencial.
A criação da Controladoria Geral do Município foi ação importante tanto na prática, com economia nos contratos e licitações, como no combate ao mau uso de recursos públicos, desvios e corrupção. Desvendou máfias infiltradas na administração municipal, recuperou dinheiro e processou criminosos. Sem marketing, com justiça e eficiência. Não é um acaso que a estrutura tenha minguado nas mãos de seu sucessor na prefeitura.
A lista poderia seguir com outros aspectos da formação do ex-ministro. Inclusive destacando a necessidade de filosofia para o país, cada vez menos reflexivo e orgulhosamente anti-intelectual. Não se trata de elogiar o candidato, mas de lembrar de onde veio e o que se deve esperar dele. Haddad não é Lula. O que é muito bom para a democracia.
João Paulo cunha é colunista do site Brasil de Fato
Fonte: Brasil de Fato
Foto: Ricardo Stuckert
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