Por Pedro Tierra*
“Ensinam lutas antigas que os poetas eram chamados a banhar com os unguentos da palavra a alma dos combatentes feridos. E distribuir sementes de fogo para acender e alumiar o coração dos que voltavam à frente de batalha.
Alguns poetas, ao longo da vida, se moveram no front e se confundiram entre homens e mulheres à luz das fogueiras dos acampamentos. Há quem diga que para isso servem os poemas: para acender as fogueiras dos acampamentos…”*
Hoje, como em outros tempos e outras lutas, o que podem fazer os poetas senão enviar a vocês – os que exercitam nesse 13o dia o vertiginoso desafio à morte – esse bálsamo da palavra temperada por ventos e tempestades para não queimar a raiz que lhe dá sustento e não se apartar do gesto capaz de transformar a vida?
Esta palavra não se dá direito ao cansaço. Traz inscrita na planta dos pés os mapas da alma devastada do país. Os roteiros que percorrerá. Para entregar na concha das mãos a água e o sal dessa esperança que nos mantém no caminho.
O Brasil tem a alma encarcerada. Nunca como nestes dias a infâmia vestiu a toga para iludir os olhos da gente comum e fazer-se passar por Justiça. Nunca um divórcio tão profundo separou o pesado aparato concebido para prestar o serviço judiciário, dessa noção elementar que nos diferencia dos animais e funda as sociedades humanas: a noção de Justiça.
O Brasil tem a alma encarcerada. Um homem concentra em seu corpo e em seu gesto insubmisso o impulso dos homens e mulheres, sustentadores da vida: o país não pode renunciar à sua dignidade, à sua soberania, à igualdade entre todos os seus filhos.
O Brasil se pôs em marcha à procura de si mesmo. Bate hoje à porta do silêncio branco dos palácios para recobrar o fio de um destino que se desatou. O árduo destino tecido pela fibra dos sonhos da multidão. Moldados pela aspiração das coisas simples: terra, trabalho e pão.
Aqui se encontram homens e mulheres à procura do que pode vir a ser este país porque viveram, há poucos anos, um horizonte de possibilidades. Embora breve, não foi apenas um sonho, eles sabem: foi vida. Uma vida costurada por gestos simples: dividir o pão, a tapioca, o cuscuz. Servir uma xícara de café. Beijar o filho antes de sair para a escola. Partir de casa pela manhã para o trabalho. Porque naqueles anos havia terra, casa, havia pão, escola, havia trabalho.
Sei que lhes falo, Jaime Amorim, Vilmar Pacífico, Zonália Santos, Sérgio Görgen, Rafaela Alves, Luiz Gonzaga Silva (Gegê), Leonardo Soares, quando já estendem o exercício de lutar até os limites mais tênues entre a vida e a História. Que o bálsamo de minha palavra alimente a luz acesa de seus corações.
Brasília, agosto de 2018.
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* A Estrela Imperfeita, Prefácio – Pedro Tierra, S. Paulo, 2014
Foto: internet
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