Desde que o governo golpista assumiu o poder algumas reformas foram abordadas: reforma fiscal, reforma laboral, reforma previdenciária e a reforma educacional. Esta última não teve tanta repercussão, inicialmente, porque já estava em andamento uma reforma que era a formulação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da educação básica, na qual o atual governo e o MEC pegaram carona. A estrela das reformas era a reforma fiscal, pois as dificuldades fiscais foram a base para o impeachment do governo da ex-presidente Dilma.
A elaboração da BNCC tinha sido prevista no bojo das últimas Diretrizes Nacionais Curriculares da Educação Básica aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), homologadas pelo MEC e, posteriormente, incluída no Plano Nacional de Educação. Foi ao ministério, que o CNE deu a atribuição para a elaboração da BNCC. Diversos parceiros contribuíram com o MEC, na discussão e na organização de encontros regionais: a UnB, o CNE, UNDIME, CONSEDE, mas principalmente um grupo de ONGs, de bases empresariais, que tiveram uma grande presença e participação ao longo de todo o processo.
Quando o golpe parlamentar se consolidou, o MEC, apoiado pelo grupo de ONGs, CONSED e UNDIME, propiciou o golpe na reforma educacional, estabelecendo uma contrarreforma ao enviar ao Congresso Nacional uma Medida Provisória alterando a LDB, especialmente os artigos referentes ao ensino médio e educação profissional. Esse golpe na educação foi completado com a decisão de que a BNCC do Ensino Médio seria encaminhada pelo MEC golpista ao Conselho Nacional de Educação, posteriormente à sanção da Lei do Ensino Médio.
Esse golpe na educação não foi o primeiro, pois não podemos esquecer a Emenda Constitucional nº 95, do teto dos gastos, que comprime o orçamento da educação, e a cassação de mandatos de conselheiros do CNE, com o objetivo de facilitar a aprovação de essas medidas.
A Contrarreforma do Ensino Médio, especificamente o itinerário da formação técnica e profissional, foi colocado na lei como forma de parecer que era mais uma opção dada aos estudantes, quando na realidade é uma forma de excluir esses estudantes da trajetória universitária. Se eles quiserem desistir e ir para a universidade, seja ao longo do curso ou no final, eles terão que retomar desde o início outro itinerário, se tiver vaga na escola que está cursando ou procurar outra escola que ofereça o novo itinerário e tenha vaga para ele. Essa exclusão descaracterizada e apresentada como algo positivo para os estudantes é inqualificável e só pode vir de mentes esquizofrênicas ou despudoradas.
Essa atrocidade contida na lei do ensino médio, característica de uma escola excludente, não é a única. Podemos citar várias, mas ficarei só com mais uma.
Já é conhecido nos meios acadêmicos que a mudança de curso dos estudantes universitários, nos primeiros anos de universidade, é devido a uma falta de conhecimento, desses jovens, em relação aos cursos escolhidos na hora do ingresso. O estudante, ao desistir do curso escolhido inicialmente opta por sair da universidade ou se preparar para ingressar em outro curso. Tudo isso tem consequências financeiras para a instituição e para o aluno, além de desgaste emocional e outros possíveis transtornos. A idade do aluno, quando dessa escolha, está entre 17 e 19 anos. A nova lei permite que os estudantes escolham a área de estudo pelo menos dois anos antes de seu ingresso na universidade. Isto é, se o estudante escolhe o itinerário de ciências da natureza e no fim ou antes do fim quer desistir, terá que começar de novo no outro itinerário, por exemplo de humanas. O processo é o mesmo que o relatado anteriormente para o ensino técnico.
Resumindo, a nova lei facilita que os estudantes possam errar antes, mas não significa que o curso escolhido no ingresso na universidade será o que ele deseja para seu futuro. Ou seja, a nova lei permite que o estudante erre antes de ingressar na universidade e depois também.
Esses dois exemplos justificam a revogação dessa lei.
Mesmo a parcela de população que não esteja interessada ou que não tenha prioridade para discutir a educação, tem que pensar que os resultados dessa reforma só aparecerão alguns anos à frente, talvez uma década ou mais. Se os resultados forem negativos podemos recomeçar e fazer novas mudanças. Ocorre que já está se vendo o resultado das reformas implementadas pelo atual governo, em outras áreas, como a financeira e a laboral. O resultado de ambas não permite augurar bons resultados para essa proposta na educação. Só que já terão passado ao menos uma década de tempo perdido para os nossos jovens. Mais uma geração perdida?
Não podemos deixar isso acontecer. A lei deve ser revogada e voltar ao ponto em que se encontrava a reforma quando o novo governo assumiu, fruto do golpe parlamentar.
*Ex-Reitor da UnB, 1989-93, ex-Secretário de Estado de Educação do DF, 1995-98, ex-Secretário Nacional de Educação Profissional e Tecnológica do MEC, 2003-05 e conselheiro do CNE, 2012-16.
Fonte: Sinpro
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