Em entrevista concedida para a revista ADVERSO, da Associação de Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ADUFRGS), a secretária de Relações de Trabalho da CUT Nacional, Graça Costa, fala como o avanço das tecnologias atinge a classe trabalhadora e a precarização das relações do trabalho realizada paralelamente a isso. Confira.
ADUFRGS – Quando se iniciou e quais são as principais características da 4ª revolução industrial?
Graça Costa – Antes de mais nada, é preciso especificar melhor o que está sendo chamado de 4ª Revolução Industrial, porque o termo está se popularizando e as pessoas estão usando indiscriminadamente, inclusive por parte daquelas que tratam de temas relacionados às relações de trabalho. A indústria 4.0 não é simplesmente a indústria que se organiza a partir de qualquer inovação tecnológica, ela se organiza através de tecnologia altamente avançada.
O termo começou a ser usado na Alemanha em 2013 e basicamente diz respeito à indústria que se utiliza da análise de bancos de dados gigantes, biotecnologia e complexos algoritmos que cruzam as informações e permitem uma comunicação entre máquinas. Com isso, é possível organizar parte da produção sem o trabalho humano. É importante dizer que esse movimento envolve investimento pesado em pesquisa acadêmica junto com o setor privado e os governos de países desenvolvidos.
ADUFRGS – Em que aspectos a reorganização da sociedade e do mundo do trabalho (em função da quarta revolução industrial) já pode ser percebida?
Graça Costa – Na verdade, os impactos ainda não são percebidos em grande escala. O que está promovendo uma reorganização maior do trabalho neste momento são as novas tecnologias relacionadas a aplicativos como o Uber. Elas estão precarizando e eliminado a relação de emprego numa velocidade assustadora. Essa tendência avança em todo o mundo graças às políticas neoliberais que destroem o emprego protegido.
Não acredito que os impactos da 4ª Revolução Industrial serão percebidos igualmente nos diferentes países em curto espaço de tempo. Sua implantação exige altos investimentos num mundo empobrecido, com governos descapitalizados e alta concentração de renda. Hoje, temos que lidar com o trabalho escravo e a inteligência artificial ao mesmo tempo. A grande massa de capital no mundo está concentrada em poucas mãos. Outro entrave é a falta de mão de obra altamente especializada. Por fim, será necessária a implantação de uma grande infraestrutura que ainda não existe principalmente nos países subdesenvolvidos.
No caso do Brasil, não existe vontade política, envolvimento concreto do Estado e investimento público para promover desenvolvimento tecnológico como em outros países. A consequência é que, se em alguns lugares esse processo pode andar mais rápido com participação do Estado, aqui certamente será mais lento.
ADUFRGS – Quais serão os principais impactos da 4ª revolução industrial no mundo do trabalho (organização do trabalho) e na vida dos trabalhadores?
Graça Costa – No longo prazo, se esses obstáculos forem superados e o processo de robotização avançar em larga escala, teremos desemprego em massa.
ADUFRGS – Hoje, o capital é o grande beneficiário desta nova revolução. Você acredita que este é um território em disputa, ou seja, que a sociedade (que representa a força de trabalho) também poderá colher os frutos do avanço tecnológico?
Graça Costa – Esse é nosso maior desafio. Se os trabalhadores e as trabalhadoras não se organizarem para lutar por uma distribuição justa da riqueza, que tenderá a ser ainda mais concentrada, não nos beneficiaremos desses avanços tecnológicos. Infelizmente, vivemos um momento de desorganização sindical. Essa é uma das principais investidas das políticas neoliberais, basta lembrar dos ataques truculentos do governo Thatcher aos sindicatos na década de 80. Isso se explica porque na lógica de desmonte do estado de bem-estar social e de redução dos direitos trabalhistas, é fundamental tirar a força dos sindicatos para reduzir a resistência da classe. De lá para cá, e especialmente com a crise de 2008, os sindicatos vêm sofrendo uma forte ofensiva. Com as novas formas de organização do trabalho, passam também por uma crise de representação. Diante de tudo isso, enfrentamos um enfraquecimento regional e internacional, enquanto o capital elimina fronteiras e se organiza internacionalmente.
Podemos utilizar as novas tecnologias para dialogar com os trabalhadores. A dinâmica de concentração num único local de trabalho está diminuindo com a uberização e o home office, por exemplo. As expectativas, a forma de ver o mundo e de se relacionar sob a influência das redes sociais e da velocidade da informação, especialmente entre a juventude, estão mudando. O perfil da classe trabalhadora mudou. Por isso, é preciso encontrar uma nova linguagem e uma nova estratégia de abordagem para reestabelecer o diálogo e avançar na organização da classe. Aqui podem entrar as novas formas de comunicação.
ADUFRGS – Qual é, na sua opinião, o futuro do emprego?
Graça Costa – Caso o neoliberalismo continue a determinar as regras do jogo, a tendência é que o emprego seja cada vez menos protegido e mais precário. A flexibilização avança em todo o mundo. De um lado, teremos um pequeno grupo de trabalhadores especializados com altos salários e do outro, uma massa precarizada, vivendo em condições desumanas, sem acesso à moradia digna, saúde, educação, cultura e aposentadoria. A história já provou que o capitalismo é predatório.
No Brasil, a situação é ainda mais grave em consequência da crise política, econômica e social. O desemprego, a informalidade e o emprego precário aumentaram rapidamente e a renda caiu. Não temos como saber quais postos foram eliminados pela restruturação do trabalho ou pela crise no país e quais poderão ser recuperados. É difícil prever neste momento.
ADUFRGS – A reforma trabalhista tem relação com a quarta revolução industrial, na sua opinião?
Graça Costa – Acredito que não são consequência direta uma da outra, na verdade se complementam. A reforma trabalhista tem o objetivo de flexibilizar ao máximo a legislação trabalhista para reduzir o custo do trabalho e aumentar o ganho dos empregadores, favorecendo o pequeno, o grande e o médio empresário. O objetivo não é eliminar os postos, mas reduzir seu custo.
A 4ª Revolução Industrial promoverá uma altíssima especialização e eliminará a necessidade das atividades de baixa especialização, apenas as grandes corporações terão acesso a essa tecnologia e a concentração de poder e de riqueza será ainda maior. Esse movimento é orquestrado pelo grande capital que hoje tem o controle do investimento em novas tecnologias e do Estado na defesa dos seus interesses. São eles que impõem reformas trabalhistas para reduzir os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras em todo o mundo.
ADUFRGS – A renda mínima pode ser uma política de compensação para a parcela mais pobre da população, que tende a ser excluída do mundo do trabalho pelas transformações que vêm ocorrendo? Como ela funcionaria e quem se beneficiaria dela?
Graça Costa – Essa é uma discussão que já começou pelos grandes, pelos países desenvolvidos e pela plutocracia. Neste ano, o próprio Fórum Econômico de Davos pautou esse assunto e existem experiências que já estão sendo implantadas em alguns dos países capitalistas mais ricos como a Finlândia, a Holanda e o Canadá.
Esse assunto surge porque os próprios capitalistas já perceberam que a tendência atual de concentração de riqueza em prejuízo de uma população mundial miserável é suicida, afinal, como vai ser possível girar a economia se a maioria da população não participar dela, não tiver acesso ao consumo?
Se por um lado um programa de renda mínima pode ser condição para sobrevivência do próprio capitalismo, por outro, é preciso garantir a condições mínimas necessárias para que o povo possa resistir e lutar por autonomia, é preciso criar mecanismos para fazer uma redistribuição de renda. Porém, uma renda mínima miserável sem acesso ao trabalho e à participação na construção da sociedade pode acabar com a dignidade das pessoas. A forma mais eficiente de distribuição da renda é a geração de trabalho protegido, a implantação de uma tributação progressiva, a garantia de políticas públicas de saúde e educação gratuitas e universais, e de serviços públicos de qualidade. Há riqueza suficiente no mundo para isso.
A discussão é complexa e precisamos nos aprofundar nela. As lideranças de esquerda em todo o mundo têm responsabilidade com esse processo. É preciso despertar a consciência de classe entre os trabalhadores, resistir e fazer a disputa política. Não podemos esquecer que somos a grande maioria, 99% contra 1%.
ADUFRGS – No século 20, a luta pela redução da jornada foi uma resposta dos trabalhadores ao avanço tecnológico, que impactou fortemente na oferta de emprego industrial. A senhora acredita que, frente às mudanças estruturais no mundo do trabalho, esta bandeira poderá, novamente, ser empunhada pelo movimento sindical? Já existe algum debate neste sentido?
Graça Costa – Essa deve ser uma das principais reivindicações dos trabalhadores. Se há aumento da produtividade e maior geração de riqueza com menos participação humana, é fundamental para a organização social que se reduza a jornada. Neste cenário, haveria também condições de garantir novas formas de trabalho, voltadas para a humanização da sociedade, para o aumento da cidadania, não apenas para a produção. Seria uma sociedade onde as pessoas trabalhariam menos, onde as máquinas fariam boa parte das atividades voltadas para a produção, abrindo espaço para áreas como educação, cultura, artes e saúde, um mundo onde o trabalho seria criativo, protegido e gratificante. Pode parecer um sonho, mas nosso horizonte é o socialismo, uma sociedade onde o capital esteja a serviço das pessoas e da organização da sociedade.
Fonte: Entrevista concedida para a revista ADVERSO da Associação de Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ADUFRGS)
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