Ser professor do ensino ensino básico e médio não é uma alternativa para a maior parte dos estudantes brasileiros. É o que mostra relatório divulgado no sábado (16/6) pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo os dados, a porcentagem de estudantes que querem ser professores passou de 5,5% em 2006 para 4,2% em 2015.
O relatório Políticas Eficazes para Professores é baseado nas respostas de estudantes de 15 anos no questionário do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), avaliação da qual participaram 70 países. No Brasil, de acordo com o questionário do último Pisa, em 2015, a porcentagem dos que esperam ser professores é ainda menor que a média dos países da OCDE, 2,4%.
Com tamanho desinteresse pela licenciatura, já é possível prever um “apagão” de professores. Se nada mudar, o futuro dessa profissão – e portanto dos nossos filhos – fica cada vez mais ameaçado.
Especialistas dizem que a saída para isso nem é tão difícil. Aumentar salários, criar um plano de carreira e desenvolver cursos de formação são ações que precisam ser colocadas em prática, para ontem.
“A atratividade da carreira docente precisa mudar e isso implica também, não só o aumento de salário, mas a constituição de uma carreira mesmo”, afirmou Regina Scarpa, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo.
Para a professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Isabel Lelis, a falta de atratividade está nas precárias condições de trabalho como baixos salários, sobrecarga de trabalho (as atividades se prolongam para além da carga horária), excesso de alunos em sala de aula, dificuldades de desenvolvimento profissional. “O trabalho do professor envolve grande complexidade pois implica na relação humana, entre professor e aluno. Exige ouvir e fazer o aluno se envolver no processo de aprendizagem, isto é, hoje o professor deve possuir uma série de competências emocionais, para além da competência técnica. Diante dos baixos salários, uma parcela do magistério possui dupla, tripla jornada de trabalho o que provoca doenças como stress, síndrome de burnout, enfim um mal estar profissional”, afirmou.
“Em países onde os salários dos professores é mais alto, estudantes de 15 anos tendem a desejar mais seguir a profissão. O mesmo ocorre em países onde os professores acreditam que a profissão é valorizada pela sociedade”, enfatizou o relatório da OCDE.
A professora da Secretaria de Educação do Distrito Federal, Gina Vieira Ponte, explica que “vivemos em um país que representações sobre o que é ser professor são muito ruins. É muito recorrente que se replique casos de professores agredidos, de enfrentamento com alunos, com pais. Tem greve de professores, que precisam se organizar para garantir melhores salários. O aluno, dentro da escola, percebe o quão desafiador é para o professor realizar o trabalho dele”.
Para melhorar o ensino, o Plano Nacional da Educação espera, até 2024, alcançar algumas metas, entre elas garantir que os professores tenham formação superior, que pelo menos 50% de quem dá aula na educação básica tenha pós-graduação e valorizar o salário dos professores em relação a outros profissionais que também tenham nível superior.
O especialista em Educação da USP, Fernando Abrucio, acredita que o plano é bom, mas que o Brasil avançou muito pouco. “Nós temos que, ao mesmo tempo, melhorar a formação do professor, torná-lo alguém que saiba ensinar bem aos alunos e mudar a carreira do professor para atrair os melhores talentos do país para a docência e assim termos uma sociedade melhor para nossos filhos e netos”, disse.
“Acho que é consenso de todos os lados, de todos os campos políticos, que política educacional é caminho para o desenvolvimento do país”, disse o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo. “A educação muda a vida da pessoa e, para ter educação de qualidade, tem que ter pessoas animadas com autoestima elevada, com alegria e disposição para fazer o trabalho no dia a dia”.
A OCDE recomenda que os governantes “considerem melhorias nas condições de trabalho dos professores para tornar a carreira mais atrativa para os melhores estudantes. Ao mesmo tempo, poderiam aumentar o nível de autonomia e responsabilidade, as oportunidades de crescimento intelectual e possibilidades de progressão de carreira que agradem os professores”.
“Não Verás País Nenhum” – Refletindo o que ocorre hoje no país e pegando carona no título da ficção distópica do escritor Ignácio de Loyola Brandão, pesquisa do Datafolha divulgada no domingo (17/6) indica que 62% dos brasileiros entre 16 e 24 anos desejam morar no exterior. A cifra corresponde a 19 milhões de pessoas – o equivalente à população do estado de Minas Gerais. Segundo a sondagem, metade da população entre 25 e 34 anos deseja deixar o país, enquanto entre os entrevistados de 35 a 44 anos, 44% querem viver no estrangeiro.
São dados estarrecedores e pode-se dizer que o futuro desistiu. O futuro desistiu do Brasil porque o Brasil desistiu do seu futuro muito antes. E não se trata aqui apenas de falar na garantia de emprego decente e educação de qualidade. Mas no respeito à vida e na proteção nos níveis mais básicos da dignidade – pontos que o governo Temer insiste em esquecer com sua “ponte para futuro”.
Ou seja, na lógica atual, para se construir um futuro melhor, mata-se o próprio futuro. O mais triste é que, quando perceberem essa contradição, já será tarde demais.
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