Etelvina, nome fictício que lhe damos para lhe garantir o anonimato, trabalha numa casa em um condomínio de classe média, nas proximidades do Paranoá. Vive num lugar chamado Arapoanga, que fica próximo à região administrativa de Planaltina/DF. E esse não é um lugar fictício. Milhares de pessoas moram ali.
Arapoanga é uma região esquecida pelo Estado, tal a ausência ou a precariedade dos serviços, tal a violência, tal a barbárie em que são obrigados a viver seus habitantes.
Todos os dias – isso mesmo – todos os dias, dia e noite, ali, as pessoas são assaltadas na rua, no ponto de ônibus, dentro de casa, dentro do ônibus, na ida ou na volta.
Há assassinatos por motivos banais todos os dias. O ladrão pede para a pessoa lhe entregar o celular, ela diz que não tem celular, que toca, exatamente, naquele momento. A pessoa é morta por isso. Ali, morrer é simples. É banal.
As pessoas não conseguem dormir nem um dia por semana, devido às festas realizadas em pontos de drogas, promovidas por traficantes e cafetões.
Onda de assaltos às casas, coisa permanente, aterroriza quem ali vive, sem que providência alguma seja tomada.
E Etelvina nos conta que um dos vizinhos dela, que jamais reclamou, cansado dessa vida, numa madrugada, ligou para a polícia no 190 pedindo providências contra o abuso do som automotivo que lhe balançava as janelas.
Um trabalhador querendo uma noite de sono, querendo um final de semana de descanso para recuperar as forças.
Além de não ser socorrido, o vizinho recebeu um conselho: compre uma arma e mate os bandidos. E ele está tentando comprar uma arma porque a pessoa que deveria lhe dar proteção a aconselhou a fazer Justiça com as próprias mãos.
E ele não tem prática, jamais pegou numa arma. Certamente, não terá tempo de dar o primeiro tiro. Tem tudo para ser menos um para reclamar.
Etelvina jamais ligou para a polícia. Ela tem medo, pois o normal ali é que quem faz isso, torna-se, imediatamente, alvo de ameaças da bandidagem. Como é que se sabe que foi aquela pessoa que chamou? Mistério! Além disso, a experiência já mostrou que ninguém virá.
Etelvina comprou um celular novo e o desliga quando sai à rua, com medo de tocar quando for assaltada novamente. Vive perguntando a todo mundo se não tem um aparelho velho para ela colocar na bolsa, para entregar ao bandido da vez. Ele comprou o celular em suaves prestações e espera ficar com ele, pelo menos, até acabar de pagar.
Ali, os bandidos não se disfarçam. Param uma moto no ponto de ônibus: “Joguem suas bolsas no chão e corram, sem olhar para trás”. No que são prontamente atendidos. Dia sim e dia também. São mais constantes do que chuva em Belém do Pará.
Quem de vocês que está lendo esse relato – que não é fictício – poderia levar a vida assim? Pois é. Etelvina leva. E ela está cansada. Não tem palavras bastantes para expressar seu desespero. Ela e todas e todos aqueles que por ironia do destino foram parar ali e têm a desdita de viver sob a insalubridade do governo Rollemberg.
*Maria Lúcia de Moura Iwanow é integrante do Diretório Regional do PT
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