Tramita na Câmara dos Deputados, de forma tão acelerada quanto discreta, o projeto de lei nº 6.847/2017, proposto pelo deputado Goulart (PSD/SP), que visa à regulamentação da profissão de Pedagogo. Nada de mais até aqui, uma vez que o nobre deputado tem, como principal atribuição, legislar; para isso foi eleito.
Entretanto, causa estranhamento, para dizer o mínimo, que um projeto tão estrutural, que pretende alterar dispositivos basilares da educação nacional, ganhe ares quase que de ilícito, correndo na surdina, em espaços legislativos em que a própria educação tem pouca ou nenhuma representatividade e, ainda, à revelia daquelas e daqueles a quem pretende regular.
De forma surpreendente, tal projeto foi apresentado às Comissões de Trabalho, Administração e Serviço Público, e de Constituição e Justiça e de Cidadania, da Câmara Federal, sem sequer ser apreciada pela Comissão de Educação, lugar natural dos debates que dizem respeito às normas educacionais.
E as surpresas não param por aí. O próprio objeto da proposta é, em si, um grande espanto! No Brasil, a regulamentação de uma profissão só é aplicável em duas situações: ou quando o seu exercício sem o atendimento a determinados requisitos se torna uma ameaça de dano à sociedade, ou quando o estado pretende estabelecer uma reserva de mercado, criando mecanismos para restringir o exercício profissional em determinadas áreas.
Impossível não levantar algumas indagações! Se a Constituição Federal, em seu artigo 5º, estabelece que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” (inc. XIII), e se o principal órgão normativo da educação brasileira, o Conselho Nacional de Educação/MEC, em suas Resoluções nº 1/2006 e nº 2/2015, já define os princípios e fundamentos da dinâmica formativa, bem como o perfil do egresso dos cursos de Pedagogia e dos demais profissionais do magitério da educação básica, por que haveria de querer o excelentíssimo senhor deputado regulamentar uma profissão já normatizada? Que grau de nocividade trariam as Pedagogas à sociedade que merecesse tamanho desespero parlamentar?
E mais! Com que interesses sua excelência exporia a profissão a uma reserva de mercado que, a exemplo do que acontece com outras categorias, apenas reduz direitos, retira a autonomia do profissional, desvaloriza a profissão atribuindo-lhe requisitos voltados a uma lógica mercantil de trabalho?
Engrossando a lista de assombros, o projeto propõe a criação do Conselho Federal de Pedagogia e, claro, seus respectivos Conselhos Regionais, cujas funções seriam, além de fiscalizar, as de dispor sobre as atribuições, direitos, deveres e impedimentos, bem como sobre a jornada de trabalho e o piso salarial de suas aconselhadas. E tudo isso a altas taxas de anuidade…
Acaso ignora o senhor deputado que Pedagogas, a exemplo de centenas de categorias profissionais, são representadas por entidades de classe que, historicamente, lutam pela defesa dos seus interesses profissionais, sociais, políticos e econômicos? Ou estaria ele, deliberadamente, tentando enfraquecer a atuação sindical, para retirar direitos duramente conquistados, inclusive o de liberdade de associação; a aposentadoria especial, garantida pela CF; o piso salarial do magistério público; os planos de carreira; as convenções coletivas, que garantem condições mais justas de trabalho nas instituições privadas? Pior! Quereria o nobilíssimo, mais uma vez, afrontar a Constituição Federal que, em seu art. 206, assume o princípio da liberdade de cátedra para o ensino?
Não é necessário refletir muito para concluir a que veio esta proposição…
Ao que tudo indica, é apenas mais um sórdido ensaio, entre tantos passados e vindouros, tramado por aqueles que desejam amordaçar professoras, limitando sua atuação à de marionetes de um estado caótico, machista; de um sistema castrador, intolerante, elitista, mercantil, ao qual não interessa uma massa crítica, pensante, questionadora, sedenta de justiça social e disposta a lutar por ela. Nesse cenário, Pedagogas só podem ser vistas como danosas à sociedade mesmo, pois na base da educação formal, caminham na direção contrária do que desejam políticos inescrupulosos, retrógrados, pois detêm, em seu fazer diário, o poder de mudar os rumos da nação, promovendo uma educação de qualidade social, emancipadora dos sujeitos, desde a mais tenra idade.
Porém, o que tanto teme o nobre deputado, será exatamente o que virá em resposta à sua ação! A exemplo do movimento mundial das pessoas com deficiência, cujo lema é “Nada sobre nós sem nós”, Pedagogas em todo o Brasil, ao tempo em que manifestam total repúdio ao retrocesso profissional e social representado por esse PL, reivindicam e assumem o direito de participar ativamente das decisões relativas a ações, programas e políticas, principalmente que lhes dizem respeito diretamente, como é o caso. Por isso, a audiência pública na Comissão de Educação, provocada pelo Dep. Ságuas Moraes (PT/MT), contará com um plenário repleto de Pedagogas comprometidas com sua profissão, defensoras das liberdades democráticas e que lutam por nenhum direito a menos! Dia 07/12, às 10h, no Anexo II, da Câmara Federal! A chamada se estende aos demais profissionais do magistério, que também têm, na mesma linha, seus direitos ameaçados!
#NadaSobreNosSemNos
#NenhumDireitoAMenos
Olga Freitas é professora da SEEDF, coordenadora do Setorial de Educação do PT DF e Pedagoga com orgulho
*A palavra Pedagoga será grafada, ao longo do texto, no gênero feminino, para lembrar que a Pedagogia é exercida, majoritariamente, por mulheres.
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