Como professora de Libras (Língua Brasileira de Sinais), nutro um sentimento ambíguo em relação ao tema da redação do ENEM/2017, “Os desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”. Por um lado, anima-me o fato de trazer à tona o necessário debate sobre a inclusão – escolar e social; de retirar da invisibilidade cidadãs e cidadãos brasileir@s que vivem em situação semelhante à de estrangeiros em seu próprio país, sobretudo por se expressarem em língua própria, diferente e independente da língua nacional majoritária. Sem dúvida, a discussão foi provocada.
Por outro lado, em um país em que escolas privadas travam batallha judicial contra a Lei Brasileira de Inclusão; em que escolas públicas, sucateadas, não reunem as condições mínimas para a implementação das políticas inclusivas; em que a divesidade social é motivo de discriminação, não de valorização; em que laicidade, democracia e justiça social são apenas expressões “politicamente corretas” esquecidas nos projetos político-pedagógicos; em que a competição, o “rankeamento” são meta, em detrimento do exercício da cidadania, difícil pensar que jovens estudantes do ensino médio – exceções à parte – desenvolvam, com a propriedade e criticidade necessárias, argumentos concretos sobre um tema tão relevante quanto específico.
Aliás, a educação de surdos é de uma tal especificidade que, em concursos públicos, por exemplo, a candidatura aos cargos de docente ou intérprete da Libras exige inscrição em separado, comprovação de formação especializada, além de prova prática. E não se trata exclusivamente de saber Libras! A cultura das comunidades surdas requer metodologias, estratégias e recursos diferenciados de ensino, cuja implementação exitosa depende de uma formação profissional consistente e comprometida com uma educação emancipadora. Não cabe o senso comum, portanto, diferentemente do que sugere o tema proposto.
Quanto aos desafios, o próprio Mec deles não se deu conta… Ironicamente, estudantes surdos se queixaram, nas redes sociais, de não conseguirem desenvolver a redação, porque em língua portuguesa, a qual não dominam. Nesse caso, a ironia vem em dobro, pois uma das competências avaliadas, no texto, é exatamente o domínio da norma padrão da língua…
Dessa forma, exposta a ferida de uma educação meritocrática, excludente, pouco problematizadora das realidades, acredito que a maioria dos estudantes se viu “empurrada” para a vala comum das fórmulas e técnicas de escrita, diuturnamente ensaiadas nos cursinhos preparatórios, para o velho e tão combatido enchimento de linguiça…
*Olga Freitas
Professora da SEDF e Coordenadora do Setorial de Educação do PT DF
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