*Por Danilo Molina
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão do Ministério da Educação responsável pela realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), acaba de anunciar a anulação do resultado de 13 participantes das edições de 2015 e 2016 do exame. Essa decisão é baseada na conclusão de inquérito da Operação Jogo Limpo da Polícia Federal, que apontou que esses participantes estiveram envolvidos em fraudes.
Além da redução de custos e uma exitosa parceria com a inteligência da Polícia Federal, que resultou nessa recente anulação de resultados de fraudadores, foram criados 3,6 mil pontos de controle, com a adoção, desde 2015, do uso de cadeados eletrônicos em todos os malotes que transportam as provas e o uso de detectores de metais em todos os locais de prova, desde 2015. Entretanto, no Enem deste ano, todo esse processo de segurança parece estar ameaçado.
A pouco mais de dois meses da realização das provas, prevista para o início de novembro, os 6,1 milhões de inscritos deste ano convivem com incertezas sobre a realização das provas. Desta vez, a celeuma envolve a falta de detectores de metais, dispositivos de segurança fundamentais para o combate a fraudes no exame.
Em um discurso confuso, o Inep diz possuir 29 mil detectores de metais, quantidade que afirma ser suficiente para garantir a presença do equipamento em todos locais de prova. Entretanto, não abre mão dos 81mil detectores, pertencentes ao consórcio ligado à Universidade de Brasília, que atuava na aplicação do exame até o ano passado.
Em meio à disputa judicial entre Inep e consórcio, sofrem os estudantes, que convivem a possibilidade real de anulação do Enem 2017. O próprio Inep, em recurso apresentado à justiça para tentar reaver os 81 mil equipamentos, explicita o “o risco de anulação de todo o exame” em decorrência da “ausência da utilização de detectores”.
A segurança é fundamental para a credibilidade do Enem e garante o caráter republicano do exame. Ao abrir mão, de forma açodada e por razões ainda não muito bem explicadas, da experiência do antigo consórcio aplicador, a atual gestão do Ministério da Educação parece ter se emparedo em uma disputa judicial, que tira a tranquilidade de milhões de estudantes em um momento fundamental de suas vidas.
É preciso lembra que há, ainda, casos de participantes envolvidos em suspeitas de fraudes no Enem de 2016 que estão matriculados em universidades. Uma mulher, presa em flagrante no segundo dia de prova em Santarém (PA), está matriculada em medicina pelo ProUni. Em Macapá (AP), um homem, que também foi preso em flagrante e que assumiu ter conhecimento prévio do tema da redação, cursa medicina em uma universidade federal.
Mas esses são apenas alguns capítulos que tem como ponto principal o esvaziamento do Enem, constatado pela significativa queda no número de inscritos neste ano: uma queda de quase 30% em relação ao ano passado. Regredimos a um patamar próximo ao ano de 2012, quando foram 5,7 milhões de inscrições, ou seja, voltamos cinco anos no tempo.
Não se pode atribuir tal queda exclusivamente ao valor proibitivo da taxa de inscrição, que sofreu um aumento de 28% este ano, passando de R$ 64,00 para R$ 82,00, a mais cara da história do Enem. Um reajuste exorbitante, acima da inflação e em um cenário de dificuldade econômica, de desemprego e de pessimismo generalizado no país.
Deve-se considerar, também, o desmantelamento de programas acessados por meio da nota do Enem. A expansão das universidades está paralisada, o Fies teve vagas cortadas e o Ciência Sem Fronteiras deixou de existir. A certificação de conclusão do ensino médio também não pode ser mais conseguida com a prova do Enem. Cada vez mais, o Enem vai perdendo o caráter inclusivo e as portas de oportunidade vão se fechando.
Com a reformulação do Enem, nos governos Lula e Dilma, o exame passou a ser concebido com ferramenta fundamental para acesso, especialmente dos mais pobres, ao ensino superior. Com uma única prova, qualquer estudante do país passou a ter acesso a vagas em universidades e institutos federais de todo país, uma inversão na antiga e excludente lógica dos vestibulares tradicionais, que privilegiava os mais ricos, que tinham renda, inclusive, para fazer diversos vestibulares em diversos estados do país.
O resultado positivo dessa política pública pode ser constatado a partir da marca de 8,7 milhões de inscritos no Enem de 2014. Uma expressão de toda a demanda, historicamente reprimida, por acesso à educação superior em nosso país. Esse número representa o sonho de milhões de brasileiros que passaram a acreditar na possibilidade de ingresso em uma universidade.
Nos governos Lula e Dilma, as matrículas na educação superior saltaram 3,4 milhões para 8,5 milhões. Dessas, 1,8 milhão foram no ProUni e 2,3 milhões no Fies, programas que utilizam o Enem como porta de acesso. Estava aberto o caminho de oportunidades.
Mesmo assim, há quem insista em analisar o Enem unicamente a partir de uma visão simplista de custos. Para esses, é preciso lembrar, por exemplo, que o Enem custou, em 2015, R$ 62 por aluno em oposição aos R$ 100 por aluno do vestibular tradicional.
Os impactos dos desmontes na educação já podem ser sentidos por toda população. A adoção de uma estratégia de liberação de recursos à conta-gotas tem sufocado as universidades e os institutos federais e o Fies foi reduzido.
Outro dado preocupante é a inédita estagnação das matrículas na educação superior desde 2006. Dados do Censo da Educação Superior de 2016 apontam que o Brasil registrou 8,05 milhões de alunos em cursos de nível superior, uma variação de apenas 0,2% em relação ao ano anterior. Consideradas apenas as matrículas nos cursos presenciais, há um encolhimento de 3,7% no mesmo período.
A defesa do Enem faz parte do compromisso de todos que defendem um país mais justo e o resgate do nosso passado de atrasos e retrocessos educacionais. O Enem tem papel estratégico para que a educação volte a ser encarada com um investimento capaz de inserir o Brasil na sociedade do conhecimento, aumentando nossa capacidade competitiva e auxiliando na retomada da nossa economia.
O Enem precisa continuar sendo o caminho de oportunidades para os mais pobres acessarem o ensino superior em um país tão desigual quanto o nosso. Não há espaço para que o exame mais inclusivo e republicano do mundo se transforme em uma verdadeira corrida de obstáculos.
*Danilo Molina é jornalista, servidor público de carreira e foi assessor especial da Casa Civil da Presidência da República, assessor do Ministério da Educação (MEC) e do Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
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