*Por Danilo Molina
Carta aberta à militância do Partido dos Trabalhadores: exposições e motivações de um novo filiado
Não é tempo de calar. Em tempos de avanço do conservadorismo autoritário em todo mundo, com a desconstrução, no Brasil, de políticas sociais fundamentais para a distribuição de renda dos governos Lula e Dilma e a escala da articulação golpista, que ameaça direitos históricos dos trabalhadores e das trabalhadoras, o compromisso com um país mais justo para todos fala mais alto. Por isso, decidi, no início deste mês, ingressar no PT.
A história das forças democráticas e populares na América Latina é marcada pela resistência e pela luta contra interesses que sempre ameaçaram direitos e conquistas dos trabalhadores, das trabalhadoras e dos socialmente excluídos pelo nosso passado colonial e escravagista. Uma história que se posicionou contra a entrega dos nossos recursos naturais e das nossas riquezas aos interesses do grande capital nacional e internacional. Um projeto em defesa da soberania nacional, do convívio pacífico entre as nações e da cooperação entre os países da América Latina.
Nossa força foi forjada dentro das senzalas e é duramente combatida pela Casa-grande até os dias de hoje. Não por acaso, na década de 40, quase todos os partidos comunistas do continente foram colocados na ilegalidade e, nas décadas seguintes, uma série de golpes de estado, patrocinados direta ou indiretamente pelos Estados Unidos, atuaram para a derrocada de governos progressistas eleitos democraticamente.
Em 1954, a agência de inteligência dos Estados Unidos, CIA, organiza uma operação para derrubar o presidente democraticamente eleito da Guatemala, Jacobo Arbenz Guzmán, por considerar as reformas introduzidas por ele inspiradas em valores comunistas com influência soviética. No mesmo ano, no Brasil, Getúlio Vargas, pressionado pelo Manifesto dos Generais e pelas forças conservadoras representadas pela UDN, comete suicídio, postergando por dez anos o golpe em nosso país.
O crescimento da repressão violenta contra as forças democráticas e populares, ao longo das décadas de 60 e 70, resulta na instalação de ditaturas militares por toda América Latina. Em 1964, Jango é desposto da presidência do Brasil, dando início ao regime militar autoritário, que se perpetuaria até 1985. Mesmo processo ocorre em países como Argentina, Chile e Uruguai.
No Brasil, as forças e articulações populares desempenharam papel central na resistência e na vitória da democracia sobre o golpe de 64. O novo sindicalismo brasileiro, aflorado no final da década de 70 e que teve como ápice a greve dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo em 1980, mobilizando 300 mil trabalhadores durante 41 dias, constitui base fundamental dessa resistência. Emerge daí nossa maior liderança, o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, Luiz Inácio Lula da Silva.
No mesmo ano, operários, artistas, intelectuais e parte da igreja católica, ligados à Teologia da Libertação, fundam o Partido dos Trabalhadores, que junto com a CUT, passa aglutinar e recompor as forças de esquerda, duramente combatidas durante toda a ditadura. Este é o nosso DNA: luta, resistência e combate às desigualdades históricas de nosso país. Um partido orgânico que busca, sistematicamente, dar voz e proporcionar a participação dos trabalhadores e das trabalhadoras nas decisões políticas do país.
Com o fim dos regimes autoritários na América Latina, após as transições democráticas, ascendem ao poder uma série de governo conservadores em todo o continente: Carlos Menem na Argentina, Carlos Salinas no México, Andrés Perez na Venezuela, Alberto Fujimori no Peru e Fernando Henrique Cardoso, no Brasil. Com o PT sendo duramente combatido pelas elites e por parte da mídia tradicional, o governo do PSDB implementa um programa econômico ortodoxo e neoliberal, baseado fundamentalmente em um processo radical de privatizações e de dependência do mercado internacional, notadamente por meio do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Esse modelo neoliberal tardio não foi capaz de promover o crescimento econômico sustentado e, muito menos, ofereceu respostas para a diminuição das desigualdades sociais históricas do nosso continente. Assim, fruto de todo esse histórico de luta e de resistência, a América Latina passa a experimentar, só no início do século XXI, uma virada democrática à esquerda, com as vitórias de Lula e Dilma no Brasil, Evo Morales na Bolívia, Hugo Chavez na Venezuela, Néstor e Cristina Kirchner na Argentina, Tabaré Vázquez e Pepe Mujica no Uruguai, Michelle Bachelet no Chile, entre outros.
No governo do presidente Lula, o Brasil passa por um momento de recuperação da econômica, inclusão social e distribuição de renda, nunca antes vistos na história do país. Lula retirou Brasil do mapa da fome, projetou o país internacionalmente e recuperou a autoestima ao povo brasileiro.
Ao contrário do que previam os críticos ao projeto do PT, Lula manteve a estabilidade econômica, com saldos comerciais elevados, permitindo que Brasil realizasse um acúmulo de reversas cambiais e superasse os acordos, firmados pelo governo do PSDB com o FMI. A partir do governo Lula, começa redução da dívida pública em relação ao PIB, que permitiu uma queda sustentável da taxa básica de juros e, consequente, acesso ao crédito.
Essa opção pelo acesso ao crédito foi decisiva para criação de um amplo mercado de consumo de massas interno, com foco na redução da desigualdade social, no combate à pobreza e na ampla inclusão social. O Bolsa Família, amparado nesse conceito, assegurou uma complementação de renda para as famílias situadas abaixo da linha de pobreza, contribuindo, por meio da exigência de contrapartidas, para o acesso à cidadania por parte dessas famílias e, também, com impacto positivo na roda-gigante da econômica.
Foi implementada, ainda, uma política de valorização do salário mínimo, com um crescimento de 76% acima da inflação, entre 2003 e 2015. A população mais pobre conquista direitos de que historicamente sempre foram relegados, como o acesso à educação superior, impulsionada pela intensa expansão gerada pelo Reuni, pelas políticas de cotas, pelo Fies, pelo Sisu, pelo Prouni e pela reformulação do Enem, à luz elétrica por meio do Programa Luz para Todos, à saúde em razão de programas como o Aqui Tem Farmácia Popular, Mais Médicos e SAMU e à moradia pelo programa Minha Casa, Minha Vida.
O Estado, antes esvaziado e cooptado pelos interesses do grande capital, passa a ocupar papel central nas políticas estratégicas de desenvolvimento do país. Grandes projetos nacionais de investimento público passam a ser organizados por meio do PAC e há um fortalecimento e realinhamento estratégico dos bancos públicos, notadamente, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES.
No campo internacional, há um claro realinhamento do Brasil em direção aos demais países da América Latina com o fortalecendo as relações Sul-Sul e do Mercosul, bem como uma priorização dos laços com países em desenvolvimento e com os BRICS. A legitimidade e a credibilidade do país, nesse período, faz com o que Brasil assuma um protagonismo inédito nas relações internacionais.
Apenas em 2014, com o impacto da crise internacional, a desvalorização do câmbio, o desabamento do preço das commodities, as consequências da maior seca dos últimos 80 anos, que resulta em inflação e que obriga o governo a um grande esforço fiscal, há déficit fiscal. As forças conservadoras brasileiras, derrotadas por quatro vezes seguidas nas eleições presidenciais, vislumbram na crise econômica, no avanço nacional e internacional de uma direita nacionalista e xenófoba e no desgaste gerado pela Operação Lava Jato, a oportunidade para retomar um projeto neoliberal tardio, mas, dessa vez, sem o crivo das urnas.
Com maioria no parlamento, a oposição começa, do dia seguinte à vitória da presidenta Dilma nas urnas, um processo de desgaste do governo. Apostam na política do “quanto pior melhor”, impõe uma série de pautas bombas e trancam a tramitação das medidas de ajuste fiscal propostas pelo governo, que pretendiam realizar um ajuste fiscal rápido para retomada do crescimento econômico.
A elite, com apoio incondicional de parte da imprensa, aposta na criminalização do PT por meio da legitimação e da divulgação seletiva de delações premiadas, sem a devida comprovação das acusações ou apresentação de provas. Com a ação dos meios de comunicação de massa, ilações ganham, no imaginário coletivo, ares de verdades absolutas. Passeatas e manifestações contra o governo, ações legítimas em qualquer governo democrático, passam a ser convocadas em rede nacional pela maior emissora de televisão do país.
Com o avanço da recessão e da inflação em um ambiente político conturbado, aumenta a pressão social sobre um governo já enfraquecido. Estava consolidada a tempestade perfeita para o golpe parlamentar, jurídico e midiático. O governo, criminalizado por parte da grande imprensa, acaba perdendo base social e frustrando eleitores, menos de um ano depois de ser reeleito.
A “solução Temer”, apoiada pelas elites e forças conservadoras nacionais, emerge com a promessa de gerar um choque de confiança no mercado e recuperar a economia com a retomada de uma agenda neoliberal. Como plano de fundo, promete o estancamento da hemorragia da Lava Jato, protegendo aliados e concentrando as investigações contra o PT.
A saída da presidenta Dilma, sem ter cometido crime de responsabilidade, representou, na prática, o fim do pacto democrático nacional consolidado pela Constituição Cidadã de 1988. Um pacto que previa eleições diretas e ampla participação social na vida política do país.
O golpe gerou uma crise de representatividade sem precedentes na história do país. Cresce o perigoso discurso de negação da política, com a possibilidade real da eleição de fundamentalistas de direita, em alguns casos,trasvestidos com a palatável roupagem de “salvadores da pátria”. Mais um estratagema das elites para manter as forças populares afastadas das decisões estratégicas para o país.
Há mais de um ano no poder, o governo ilegítimo e interino, como era esperado, não cumpriu nenhuma de suas promessas. A Lava Jato, hoje, acomete toda a classe política, expondo um sistema de financiamento eleitoral falido, que atinge todos os partidos e a economia registra enormes déficits fiscais de R$ 154 bilhões em 2016 e R$ 179 bilhões em 2017.
No campo social, Temer avança de forma cruel sobre conquistas históricas dos trabalhadores e das trabalhadoras. Aprovou a PEC 95, que congela os investimentos pelos próximos 20 anos, comprometendo todos os esforços fiscais de justiça social, especialmente na educação e na saúde. Impôs uma ampla e irrestrita política de terceirização da mão de obra e retirou direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras com a reforma trabalhista, que enfraquece os sindicados e a justiça trabalhista e que imposição a negociação direta entre patrão e trabalhador em detrimento à legislação. Gesta, ainda, uma reforma previdenciária “Frankestein”, que não corrige distorções e que prejudica, sobretudo, os mais pobres.
Por isso tudo, não podemos nos calar. É evidente que o Partido precisa repensar seus erros, frutos de um sistema de financiamento político, que sempre combateu. Entretanto, esses erros são muito menores do que os avanços e conquistas experimentados pelo povo brasileiro nos últimos 13 anos.
Não é momento de quem acredita em um país mais justo para todos fugir do enfrentamento e da defesa das conquistas realizadas pelo nosso projeto. É preciso disposição e energia para oxigenar o Partido, sem nenhum tipo de autofagia, retomando a construção do Brasil de Lula e de Dilma.
Aqui no Distrito Federal, os desafios também são enormes. O governo Rollemberg aderiu a uma agenda neoliberal, privatizando instituições, como foi o caso do Hospital de Base, e busca resolver problemas orçamentários com a unificação dos fundos de previdência dos servidores. Um retrocesso que tramita de forma autoritária, sem o devido debate, e que, ao alongar o déficit previdenciário, coloca em risco as aposentadorias futuras e as finanças do GDF.
Além disso, lideranças políticas do DF, historicamente ligadas a forças democráticas e populares e ao próprio PT, traíram o próprio eleitorado e a nossa militância ao aderir à articulação golpista, assumindo, em alguns casos, protagonismo no processo de ruptura democrática, que resultou no afastamento da presidenta Dilma. Precisamos de um PT-DF forte e atuante, capaz de propor soluções para as profundas desigualdades da capital do nosso país e que faça o enfrentamento da escalada das forças conservadoras sobre o Brasil que Lula e Dilma mostraram ser capaz de existir.
Relembro, valor expresso no manifesto de criação do PT, aprovado pelo movimento Pró-PT, em 10 de fevereiro de 1980, no Colégio Sion (SP), “a mais importante lição que o trabalhador brasileiro aprendeu em suas lutas é a de que a democracia é uma conquista que, finalmente, ou se constrói pelas suas mãos ou não virá”.
Toda essa indignação frente aos retrocessos do governo ilegítimo, rejeitado por mais de 90% dos brasileiros e concentrados no “Fora Temer”, abre espaço para reaglutinação das forças populares em um projeto desenvolvimentista, que seja capaz de voltar a reduzir as desigualdades de nosso país. O PT exerce papel fundamental nesse processo. É preciso humildade para avaliar os erros e coragem para seguir em frente.
Afinal, “imprescindíveis são aqueles que lutam por toda a vida” e este ato de filiação representa o compromisso da minha geração de seguir lutando o bom combate do lado certo da história. Tenho convicção que a força e a disposição de nossa militância e das forças populares progressistas, que já derrotaram a ditadura de 64 e que elegeram o primeiro presidente operário e a primeira presidenta da nossa história, serão capazes também de derrotar esse golpe. Voltaremos!
* Danilo Molina é jornalista, ingressou no serviço público no governo Lula e foi assessor especial da Casa Civil da Presidência da República, assessor do Ministério da Educação (MEC) e assessor do Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) no governo Dilma Rousseff.
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