*Por Emir Sader
A mídia faz como se não acontecesse nada de importante no Nordeste. Haveria apenas as viagens do ex-presidente Lula e do prefeito João Doria à região, quase equiparados no mesmo nível.
A incomodidade da dimensão da caravana de Lula ao Nordeste é de uma proporção tal que só mesmo não falando dela. “Do que não se pode falar, se deve calar”, dizia Wittgenstein. É o que fazem a direita e os que, localizando-se no campo popular, não conseguem explicar o fenômeno Lula e preferem tentar evitá-lo, como se fosse possível.
É impossível entender o Brasil e entender o PT, sem Lula. Pelo que o governo Lula significou e pela forma como isso marcou a todo o campo político e a memória do povo. Um vereador tucano, numa crise de sinceridade, disse que só mesmo matando Lula. Com o que não se pode entender, melhor tentar sua eliminação mágica.
E, no entanto, a caravana expressa o Brasil real escondido pela mídia. Se alguém tinha dúvidas das relações de Lula com o povo brasileiro, tem aí cenas escancaradas, explícitas, de amor plenamente correspondido. E não se trata apenas de cenas românticas, porque elas estão alicerçadas em transformação da vida de milhões de pessoas, que querem agradecer ao Lula por isso, protegê-lo dos seus inimigos e mostrar toda sua disposição de apoia-lo para que ele volte a presidir o Brasil e dar continuidade às políticas que tão bem fizeram às suas vidas.
Por outro lado, quem tentava analisar o PT separado do Lula, como se fosse possível, tinha uma visão redutiva, internista, organizativa, e não política do partido. O PT é o partido de Lula, é o partido que protagonizou, com Lula na cabeça, os mais importantes processos de transformação econômica, social, política e ideológica do país. O PT e Lula são indissociáveis, desse ponto de vista, com suas particularidades, seus avanços e seus tropeços.
O fato de que Lula seja o grande líder político nacional faz com que ele obrigatoriamente transcenda o PT, seja maior que o partido. Mas isso acontece com todos os grandes líderes populares. Eles nascem de um partido, se associam estreitamente a esse partido, mas se projetam como líderes nacionais.
Não é possível entender o PT sem o Lula, como não é possível entender Lula sem o PT. Eles estão tão imbricados, que um só existe com o outro, com suas particularidades.
A ofensiva da direita afetou a ambos: a Lula e ao PT. Agora, quando Lula se lança a caravanas por todo o Brasil, o PT como que se revigora nessa onda, no ritmo dos percursos de Lula, retoma seus vínculos estreitos com as bases populares que levaram o partido às quatro vitórias nas eleições presidenciais.
No Nordeste, é uma massa lulista, beneficiária das políticas dos governos do PT, que se reconhece em Lula e o projeta como seu grande líder popular. Uma massa que, ao mesmo tempo, na maioria dos estados elegeu e reelegeu governadores de esquerda e bancadas progressistas.
O PT tem agora a possibilidade de se rejuvenescer, ganhar para suas filas a amplos setores de massa que se mobilizam ao compasso da viagem de Lula. O discurso de Lula é o grande maestro desse compasso. O discurso que ataca duramente o desmonte de tudo o que o Brasil construiu de melhor neste século, que ao mesmo tempo compara com as conquistas de que todos foram beneficiários nos governos do PT. Que paralelamente aponta para os caminhos da retomada do crescimento, da distribuição de renda e a inclusão social, o caminho da esperança.
Porque Lula representa a esperança concreta de que esse caminho pode ser retomado. Lula não está lutando pela sua candidatura, pela demonstração da sua inocência diante de acusações sem fundamento. Lula está lutando pelo resgate da democracia no Brasil, resgate que passa pelo seu direito a se candidatar de novo à presidência do país e a desmistificar as acusações que lhe são feitas sem nenhuma prova.
O PT tem uma nova oportunidade de se reconstruir como partido, depois de ter sofrido os mais duros e continuados ataques que um partido jamais sofreu na história política do Brasil. Pode recompor suas filas, com o ingresso de novas gerações de militantes, de mulheres, de jovens, de negros, de trabalhadores dos mais diferentes setores da muito diversificada economia brasileira.
Já no começo da caravana é possível ver o vigor que o PT revela, seja pela reincorporação de militantes que haviam tomado distancia do partido, seja pela ingresso de simpatizantes para dentro das suas filas, seja pela adesão dos que se dão conta de que se trata da única alternativa política para superar a gigantesca crise em que o governo golpista lança o Brasil. Se dão conta que o PT é o partido de Lula, é o partido que representa os interesses das grandes massas populares do Brasil.
A renovação da direção do PT, com a eleição da senadora Gleisi Hoffmann para sua presidência, é a outra cara dessa renovação. Ela se projetou, rapidamente, como uma grande líder política nacional, somando à atuação firme que tinha no Parlamento, a atuação como dirigente partilharia, que encarna a nova fase do PT, sempre junto a Lula, de estreito dialogo com todos os movimentos o campo popular e com toda a militância petista.
O PT recupera seu vigor no compasso das caravanas de Lula. Logo depois de terminada essa primeira, é necessário que o partido adapte suas formas de funcionamento a essa torrente de novos membros. Precisa avançar na reformulação da sua estratégia, porque o Brasil já não será o mesmo depois da mais profunda e prolongada crise da sua vida política. Mas o Brasil e o PT tampouco serão os mesmos depois das caravanas, que se incorporarão à pratica política do PT e do campo popular, como instrumento indispensável de mobilização, de formulação política e de construção da hegemonia popular, democrática e nacional da esquerda. Já não se pode seguir discutindo projetos fechado entre quatro paredes, fora dessa dinâmica indispensável de falar ao povo e de ouvir ao povo, em que Lula é o nosso maestro soberano no falar e no ouvir. O PT tem que estar à altura de ser a orquestra que o acompanha, para que o povo brasileiro possa dançar de alegria pelo seu reencontro consigo mesmo, que só pode se dar no exercício pleno da democracia.
*Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros
Artigo publicado originalmente no portal Brasil 247
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