Para ajudar na compreensão deste Brasil pós-golpe em que a população brasileira assiste mansamente aos mesmos deputados que cassaram uma presidenta honesta salvarem um mandatário usurpador, a Agência PT publica as seguintes entrevistas: com Dom Luiz Demétrio Valentini, bispo-emérito de Jales (SP), publicada originalmente no portal da CNBB, e com os professores Carlos Pereira (FGV) e William Nozaki (FESP-SP), publicada originalmente no portal Nexo.
Dom Luiz Demétrio Valentini, bispo-emérito de Jales (SP), esteve em Brasília-DF, dias 31 de julho e 1º de agosto, para o encontro dos bispos da área social e os que integram a Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Natural de São Valentim (RS), o religioso, que presidiu a Cáritas Brasileira por dois mandatos, concedeu entrevista ao Portal da CNBB sobre a crise brasileira.
Para ele, o silêncio das ruas não é uma concordância tácita com o que está acontecendo, como alguns querem fazer acreditar. Pelo contrário, “é um sintoma preocupante de que não temos mais esperanças e sinais concretos para recuperar o rumo da caminhada histórica do Brasil”.
De acordo com o bispo-emérito, o poder Judiciário e o Congresso Nacional estão instrumentalizados para salvar os seus próprios privilégios.
“Não se pode permitir que ministros do Supremo Tribunal Federal façam do seu cargo uma opção política partidária a ser defendida publicamente. Isto diminui a legitimidade, a confiança e é perigoso para uma nação”, disse.
Dom Demétrio disse que os grandes interesses convergiram e o presidente que temos agora serve de instrumento da execução destes interesses escusos que não são publicados.
Segundo o bispo, “o trecho do cântico de Jeremias (Cântico Jr 14,17-21): “Até o profeta e o sacerdote perambulam pela terra sem saber o que se passa”, é uma descrição simbólica do que estamos vivendo no país.
O religioso afirma que torna-se necessário ajudar o povo brasileiro a reencontrar sua identidade e destino históricos, sua feição cultural, sua tradição e fazer convergir todas estas realidades para que a cidadania brasileira reencontre os rumos do país.
Leia abaixo:
Portal CNBB: Como avalia a crise política brasileira?
Dom Demétrio: Certamente, estamos vivendo um momento difícil, todos reconhecem, no qual há uma perca da identidade do povo brasileiro. Se torna necessário ajudar o povo brasileiro a reencontrar sua identidade e destino históricos, sua feição cultural, sua tradição e fazer convergir todas estas realidades para recuperarmos um projeto de Nação.
Estamos esquecendo nosso projeto de nação. Estamos sentindo novamente a necessidade de fazer, por exemplo, uma nova semana social brasileira para que a Igreja possa cumprir esta tarefa importante que tem de identificar e saber o que está acontecendo.
Como diz o cântico de Jeremias: “Até o sacerdote e o profeta perambulam pela rua sem saber o que acontece”. É um pouco a descrição simbólica da realidade que estamos vivendo agora. A ausência de posicionamento revela de um lado um descrédito muito grande. Uma distância sempre crescente entre as estruturas sociais políticas e a vida do povo brasileiro.
De tal modo que há um descrédito generalizado. Não é uma concordância tácita não, como alguns pretendem instrumentalizar este silêncio das ruas. É um sintoma preocupante de que não temos mais esperanças, sinais concretos de referências práticas para recuperar o rumo da nossa caminhada histórica do Brasil.
Estamos vivendo um momento difícil que se caracteriza, sobretudo, pelo descrédito das instituições e por sua incapacidade em recuperar e superar a pecha sempre crescente da sua falta de legitimidade perante o povo brasileiro.
Estamos vivendo um momento muito difícil no Brasil e precisamos nos rearticular, enquanto Pastorais Sociais da CNBB como um todo, e retomar nossa missão profética de questionar os equívocos que estão acontecendo, os erros praticados e projetar para frente um novo projeto de Brasil que queremos.
Como avalia os passos do Michel Temer depois do impeachment da presidenta Dilma Rousseff?
Se há dificuldades de convergências em torno de um projeto de país por outro se criou uma convergência que assusta. Interesses que estão se consolidando e convergindo para que se instrumentalizem o Congresso Nacional e o poder judiciário para salvar os próprios privilégios.
Há uma espécie de trama que está sendo orquestrada para que isto se torne invisível e leve o Congresso a retrocessos políticos como, por exemplo, o que estamos assistindo com a nova lei trabalhista aprovada e a nova a lei da previdência social que estão propondo.
Existe um interesse do liberalismo econômico que está voltando com força, como se a solução do Brasil fosse voltarmos aos tempos da revolução industrial em que se confrontavam os pequenos contra os poderosos, sempre com desvantagem evidente para os pequenos.
Agora estamos assistindo a esta realidade em que os grandes interesses convergiram e o presidente que temos serve de instrumento da execução destes interesses escusos que não são publicados, mas que aos poucos precisamos identificar para nos posicionar diante da crise política que estamos vivendo.
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