Contribuição da Democracia Socialista ao debate sobre as eleições 2014
QUE LIÇÕES DEVEMOS TIRAR DOS RESULTADOS DAS ELEIÇÕES?
As eleições de 2014 apresentaram resultados muito duros para o Partido dos Trabalhadores no DF. A despeito da bela campanha de 2º turno, protagonizada pela militância petista, nossa candidata à Presidência teve um resultado muito abaixo daqueles experimentados nas eleições anteriores. Não conseguimos levar para o 2º turno nosso Governador, candidato à reeleição.
Os resultados gerais do PT nas eleições em todo o Brasil, nos animam. A heroica vitória da nossa Presidenta nos oferece uma chance histórica de dar continuidade ao projeto de transformações iniciadas pelo Governo Lula e que, agora, poderão ser aprofundadas ainda mais.
O segundo mandato da Presidenta Dilma enfrentará enormes desafios. Num quadro marcado por turbulências na área econômica e política, o Governo terá que desenvolver uma grande habilidade em saber combinar a governabilidade institucional com a construção de uma ampla base social de apoio às mudanças anunciadas no curso do 2º turno das eleições presidenciais.
Somos chamados a analisar nossos problemas e a definir cuidadosamente nossa agenda política, o que poderá ser feito no processo de preparação de nosso 5º Congresso.
Compete ao PT-DF debruçar-se sobre a situação particular dos resultados no Distrito Federal. Não podemos aceitar a simplificação que seria atribuir ao desgaste do PT no plano nacional, a derrota experimentada no DF. É claro que esse componente está presente no contexto do DF, mas, sozinho, não explica os problemas que enfrentamos.
O PT acumula desgastes desde 2005 com o chamado “mensalão”. O que seria um “caixa dois” foi transformado num processo criminal que, com a ajuda da direita e a mídia, tem alimentado o combate cotidiano ao nosso Partido e ao nosso Governo. É bom lembrar que as razões do combate ao PT estão no que de positivo tem sido construído por nossos governos. O fortalecimento do Mercosul, a criação do Unasul, dos BRICs, o enterro da ALCA, o fortalecimento dos Bancos públicos, a descoberta do pré-sal e o regime de partilha implementado pela Petrobrás, a defesa de nossa soberania nacional, tem despertado a ira do império (EEUU, FMI) com a permanente campanha contra nossos governos e contra o PT. As políticas sociais, a redução das desigualdades, o aumento real do salário mínimo, a redução dos juros, a política habitacional, por outro lado, tem despertado o ranço de dominação culturalmente impregnado nas classes média e alta, que não aceitam compartilhar seus “privilégios”. Sentem-se “ameaçadas” com a ascensão de camadas significativas ao mercado de consumo e a benefícios – educação superior, acesso ao crédito – antes apenas desfrutados pelas elites. O complexo de Casa Grande ronda o ambiente político.
O PT parece ter perdido a primazia na defesa da bandeira da ética na política, não tem cuidado na medida certa, na superação de seus desgastes.
Implementar a agenda anunciada na campanha eleitoral, além de tomar medidas ainda mais efetivas no combate à corrupção, contribuirá para a reconstrução da imagem do PT diante da nossa histórica base social.
– Os aspectos regionais da nossa derrota
A análise da construção política histórica do DF nos remete à avaliação das relações da nossa sociedade com o poder federal e local. À época da ditadura fortaleceu-se um segmento ideologicamente de direita, quando não abertamente fascista, que persiste ainda nos dias de hoje. A classe empresarial brasiliense em parte se constituiu sob os auspícios dos ditadores e de sua “corte”. O enriquecimento de empresários, em particular do setor imobiliário, remonta a essa época – a campanha “João no Coração” é um exemplo dessa “colaboração”.
A partir do final da década de 70 e no início dos anos 80, em consonância com a retomada das lutas sociais no Brasil, inicia-se um conjunto de manifestações pelas liberdades democráticas, pela anistia, pela autonomia e independência sindical, pela construção de entidades estudantis livres, que foram a base para a construção do PT em 1980, da CUT em 1883, e da luta pelas diretas-já, em 84.
Em 1986, conquistamos no Senado Federal, o direito à organização partidária e de eleição de senadores e deputados federais. Em 1988, na nova Constituição, conquistamos a “autonomia política”, com direito de eleger Governador e Vice, e uma Câmara Legislativa, a partir de 1990. É importante compreender o caráter de nossa autonomia: o DF é considerado “uma unidade federada singular”, com autonomia relativa. Temos apenas 2 poderes: executivo e legislativo. O poder judiciário segue sendo federal; a segurança pública é tutelada pela União. Não podemos legislar sobre ela no âmbito da CLDF. Em contrapartida, o judiciário e a segurança pública são mantidos pela União, sendo que a Segurança Pública através do Fundo Constitucional (criado em dezembro/2002).
A Nova República, com o Governo Sarney, nos ofereceu de presente um político goiano de Luziânia, ex-interventor na Prefeitura de Goiânia, o velho conhecido Joaquim Roriz. Governador nomeado, se notabilizou pela chamada “Operação Primavera”, um banho de limpeza e embelezamento da Capital. Próximo às eleições, inventou-se uma vice-governadoria e Roriz deixa o Governo para assumir o Ministério da Agricultura e, assim, fugir de uma caracterização de reeleição – instituto inexistente na época.
Em 1990, o PT concorre ao Governo com a Chapa Saraiva/Arlete, sem coligações. Roriz/Márcia Kubitschek e Maurício Correia (PDT) foram os outros candidatos. Na ocasião, Maurício capitaneava uma coligação de esquerda. Roriz ganhou no 1º turno, o PT alcançou mais de 20% dos votos e Maurício um pouco mais de 18%.
Na 2ª eleição direta, 1994, o PT ganha as eleições com a Chapa Cristóvam/Arlete, tendo disputado o 2º turno com Valmir Campelo (PTB). Em 1988, já com o instituto da reeleição, a Chapa Cristóvam/Sigmaringa Seixas perde as eleições para Roriz/Benedito Domingos.
Em 2002, o PT lança a Chapa Geraldo Magela/Katia Putini, que vai ao 2º turno com Roriz/Abadia, vencedor do pleito. Magela perde por pouco mais de 20.000 votos.
Roriz conquista assim o seu 3º mandato por eleições e o 4º considerando sua nomeação por Sarney.
Em 2006, já com o desgaste do chamado “mensalão”, o PT concorre às eleições com a Chapa Arlete/Gastão Ramos. O rorizismo se divide no apoio à Abadia e ao Arruda. O DEM, com Arruda ganha as eleições no 1º turno. O PT alcança 20.9% dos votos e fica em 3º lugar, depois de Abadia.
É importante deter nossa compreensão sobre os governos Roriz e a forma como foi se constituindo sua base social/eleitoral. Roriz foi um típico político populista. Construiu relações fisiológicas e clientelistas com as chamadas lideranças comunitárias, criou projetos sociais destinados à sua base, que ao tempo em que deformava um processo de organização comunitária, reforçava vínculos de dependência e de compromisso eleitoral. Roriz alimentou lideranças populares que cresceram sob suas asas, chegando a eleger deputados, provenientes dessa base popular, à Câmara Legislativa. A deformação política era evidente, os rorizistas reforçavam o clientelismo, a corrupção, e negavam qualquer traço da concepção republicana.
Essas raízes do rorizismo explicam sua força eleitoral, exemplificada pela disputa de 2010, com a Sra. Weslian, que, a despeito de suas enormes fragilidades, alcança mais de 30% dos votos no 2º turno.
A vitória de Agnelo/Filipelli, em 2010, dá-se a partir da profunda crise institucional aberta com a Operação Caixa de Pandora. O Governador foi preso e cassado, seguiram-se no Governo, Paulo Otávio, Wilson Lima e, finalmente, Rogério Rosso, eleito Governador interino, pela CLDF.
Estavam ali dadas as condições para, com o exercício do Governo, com a implementação de nossas políticas públicas, fortalecimento da participação popular, diálogo com a sociedade, gestão republicana e transparente, reconquistar a confiança da população e a afirmação do projeto político do Partido dos Trabalhadores.
Nas eleições de 2014 vimos estas expectativas se evaporarem. Mesmo com o Governo que alcançou importantes realizações, e em pleno exercício do mandato, nossa candidatura sequer foi ao 2º turno, obtendo menos votos ainda que em 2006. O PT, coligado com o PP nas eleições distritais, elege 4 petistas e um deputado do PP, e dois deputados federais, apenas uma deputada do PT. Nosso candidato ao Senado, defendido como um candidato para mobilizar nossa militância, fica em 3º lugar, com pouco mais de 18% dos votos.
O rorizismo/arrudismo é derrotado no 2º turno pela candidatura do PSB. A candidatura Rollemberg apresenta-se como alternativa para os que não queriam votar no Agnelo, mas se negavam a apoiar a candidatura da direita.
Analisar a composição social dos eleitores do Rodrigo Rollemberg é essencial para compreendermos que, nesse processo, parte importante da nação petista, até mesmo filiados do PT, se deslocaram para apoiá-lo. Saber dialogar com esse segmento é necessário, na perspectiva de recomposição de nossa base eleitoral.
Hoje, um dos senadores do Distrito Federal é ex-militante do PT, atualmente filiado ao PSD. Ele simboliza o equívoco de nossas escolhas!
– A responsabilidade do PT e sua direção no processo
Uma coisa é o Partido. Outra coisa é o governo. Isto quer dizer: é preciso, sempre, preservar a autonomia do Partido frente aos governos do PT. O Partido não pode perder sua capacidade crítica sobre o andamento do governo. Com enorme responsabilidade e compromisso com os nossos governos, o PT precisa ser a sua “ala esquerda”, sobretudo em governos amplos como foi o governo Agnelo/Filipelli.
Por outro lado o Partido não pode abrir mão de seu papel dirigente, respeitando a sua diversidade, a Direção Partidária não pode representar apenas os interesses de uma corrente ou de alguns de seus dirigentes.
Desde o início do Governo Agnelo o PT – sua direção – perdeu a condição de protagonizar o processo de montagem do governo, ou de definir uma forma de relação governo/partido que respeitasse a autonomia partidária. Ao contrário, prevaleceu a submissão do Partido aos desígnios do Governador. A expressão mais evidente foi a montagem das coligações proporcionais, quando sequer os parlamentares foram ouvidos e se referendou uma posição levada a efeito pelo Governador.
As filiações em massa, a completa ausência de vida orgânica, levou, até mesmo ao abandono de práticas consagradas no Partido, de formalidades que representam o acúmulo de experiência partidária. Exemplo, o Encontro do Partido que se realiza sem sequer uma votação prévia de seu Regimento Interno. A escolha de candidatos de última hora, estranhos ao Partido, é outra expressão deste descaso.
Durante o 1º turno, não houve, por parte da direção partidária, envolvimento do Partido nas agendas majoritárias. Praticamente não houve campanha da nossa candidatura presidencial.
A fragilidade organizativa fez com que não houvesse qualquer organização para o dia das eleições: poucos delegados, poucos fiscais, sem bandeiras vermelhas.
No 2º turno o primeiro evento foi organizado pela campanha nacional e, praticamente tudo o que aconteceu, a espetacular mobilização, foi fruto da iniciativa da militância, quase que sem participação das direção partidária.
Ao nosso ver, fica evidente que o `Partido precisa ser sacudido, depurado, reorganizado.
– As responsabilidades do Governo
Terminamos o governo de forma melancólica. Todos os dias notícias da falta de pagamento de fornecedores, de empresas. Uma penúria total nas diversas secretarias. Uma enorme insegurança se vai ter dinheiro para pagar salários dos servidores. Encerramos o Governo sem pagar 13º salários, férias, horas-extras. Grama alta, lixo acumulado, terceirizados sem pagamento.
Em todos os ambientes que percorremos em janeiro/2015, podemos assistir a sessões de críticas ao Agnelo e ao PT. As importantes realizações de nosso Governo, e elas são muitas, em muitas áreas da administração pública, são completamente anuladas diante da situação dos últimos três meses.
Temos muito do que nos orgulhar: das creches construídas, das UPAS e Unidades Básicas de Saúde, da eliminação do analfabetismo, da superação da extrema pobreza, da incorporação de centenas de agricultores familiares aos programas governamentais, enfim, sabemos, foram muitas as realizações. Mas, também sabemos, nosso Governo, e, em particular, nosso Governador, não foi capaz de capitalizar essas realizações.
Desde o seu primeiro dia ficaram evidentes os conflitos na relação partido/governo. Os caminhos escolhidos pelo Governador, de ampliar ainda mais as “alianças”, fazia parecer que seria um governo de quase unanimidade. Na CLDF 21 deputados compunham nossa base. A ampla composição do Governo procurava atender a esse largo espectro.
O comprometimento com a execução de políticas públicas, ou até compromisso com a eficiência administrativa, ficaram ao largo.
Muitos dos nossos “aliados” usufruíram da estrutura de governo e, cotidianamente, o bombardeavam.
Nosso Governo realizou políticas públicas bem sucedidas em algumas pastas e era uma nulidade em outras. Ou seja, passava a idéia de um governo descoordenado, sem unidade política, sem cara.
A direção partidária era, muitas vezes, alijada do processo decisório, mas estava sempre a postos para homologar o que não havia decidido. Os dispositivos montados pela maioria partidária, conduziram o partido à submissão, e estrangularam o livre debate democrático.
Pecamos na comunicação e publicidade do Governo, que foi absolutamente incapaz de ajudar a construir uma imagem positiva do Governo.
Por mais esforços que fizesse, a Casa Civil não foi capaz de fazer funcionar, a contento, a Junta Orçamentária. Todo o tempo eram autorizadas despesas sem passar pela Junta.
A despeito de todo nosso esforço, com a aprovação de mais de 30 projetos de lei que beneficiaram servidores públicos, não conseguimos conquista-los.
Ao final, a campanha eleitoral foi completamente coordenada por fora do PT, mesmo que, formalmente, o Coordenador Geral fosse um militante partidário. A campanha foi efetivamente coordenada por pessoas estranhas ao Partido, advindas do seio do rorizismo, que não só não contavam com a nossa confiança, como, sim, contavam com a nossa suspeição.
Perdemos uma bela chance de reconquistar a confiança e o voto da população do Distrito Federal. Sofremos uma derrota eleitoral e uma profunda derrota política! Nesses últimos dois meses experimentamos também uma derrota moral! O Partido encontra-se sem legitimidade e sem política para se reintroduzir no debate atual.
Se compararmos a situação herdada por nós, em 2011, com a situação atual, deixamos um DF muito melhor, mais equipado, com um serviço público melhor estruturado, mas não estamos em condições, no momento, de enfrentar esse debate na sociedade.
– E agora, qual deve ser a ação do PT-DF?
Fazer o debate político com a humildade de quem foi derrotado, é a primeira coisa a fazer.
É preciso recompor o PT, após o período de balanço, é preciso assentar a reconstrução partidária a partir de bases reais. A militância histórica, a que nos socorreu no 2º turno, espera de nós sinalizações que, se não vierem, poderão decretar o seu afastamento definitivo. Abrir o PT para fazer um balanço honesto, é o primeiro passo.
É preciso reconhecer a fragilidade e a falta de liderança de nossa Direção. Neste sentido, seria salutar que pudéssemos realizar no 2º semestre de 2015, um novo processo de escolha de novos dirigentes para o PT-DF. Uma direção que dialogue com os nossos parlamentares e que contribua para uma atuação conjunta na CLDF e na Câmara dos Deputados, para, numa ação coordenada, implementar ações capazes de nos recolocar no debate político potencializando o processo de nossa reestruturação partidária.
É preciso fortalecer os organismos de base, núcleos e setoriais do PT-DF, estimulando seu funcionamento e valorizando suas contribuições.
É preciso acompanhar o desenvolvimento do novo Governo e posicionar-se sobre questões concretas, disputando nossos valores e nossas políticas públicas. É absolutamente insuficiente apenas decretar que “somos oposição”. Criar meios de estabelecer um diálogo construtivo com a base que, historicamente, acompanha o PT, disputando-a, a partir de bases reais, é a melhor maneira de nos recompor. Ao mesmo tempo, integrar nossa militância nos movimentos sociais, cobrando a execução de políticas públicas necessárias à população, pode criar um novo padrão de legitimidade para o nosso projeto político.
De outra parte, é preciso rechaçar toda tentativa de antecipar o debate para 2018, sobretudo no sentido de alimentar expectativas de construção reforçando quem poderá ser nosso adversário naquelas eleições.
É preciso desaparelhar o PT, reconhecer e respeitar sua diversidade, repactuando as nossas relações internas. O Partido que se quer socialista e libertário, não pode permitir que nos tratemos internamente como adversários e, até mesmo como inimigos.
Enquanto é tempo, é preciso ganhar nossa militância para as tarefas políticas grandiosas que estão postas para o PT no próximo período. Portanto, investir na formação, sobretudo de nossa juventude, é tarefa primordial.
Nós, da Democracia Socialista, estamos dispostos a participar desse grande esforço, que precisa ser de todos nós.
Brasília, Janeiro de 2015.
DEMOCRACIA SOCIALISTA – Tendência Interna do PT-DF
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