Reconhecida pela ONU como pioneira na defesa da mulher e como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres, a Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, completa 10 anos no dia 07 de agosto de 2016 e foi resultado do esforço coletivo de movimentos sociais, de feministas e de órgãos do Poder Público em criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2015, a Lei diminuiu em 10% a taxa de homicídios praticados por violência de gênero. A Lei foi essencial para o fortalecimento do combate a violência contra a mulher ao descrever as formas de violência doméstica, como violência física, psicológica, patrimonial, sexual e moral. A partir daí progredimos com a sanção da Lei do Feminicídio, com o Pacto de Pacto de Enfrentamento à Violência contra Mulheres, com a expansão da rede Ligue 180. São conquistas que traçam caminhos para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Nestes dez anos surgiram, ainda, outros avanços importantes que contribuem para a redução da violência contra a mulher, por exemplo, as Delegacias da Mulher, núcleos especializados em delegacias comuns, centros especializados, casas-abrigo, juizados, varas, promotorias de Justiça e defensorias. Além da Casa da Mulher Brasileira, que integra no mesmo espaço serviços especializados como: acolhimento e triagem; apoio psicossocial; delegacia; Juizado; Ministério Público, Defensoria Pública; promoção de autonomia econômica; brinquedoteca; alojamento de passagem e central de transportes. Porém, ainda são muitos os desafios enfrentados para o cumprimento da Lei e a mudança concreta na vida das mulheres em situação de violência.
Um desses desafios é o fato de que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, de acordo com o Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil. Uma ação do Conselho Nacional de Procuradores(as) Gerais que busca reduzir a violência sofrida por essa parcela social foi a decisão de que todas as Promotorias do País podem estender a aplicação da Lei Maria da Penha às transexuais e travestis que ainda não fizeram cirurgia de mudança de sexo e não alteraram o nome ou sexo no documento civil, prática antes aplicada apenas em algumas decisões isoladas.
Outro desafio é a realidade das mulheres negras, uma vez que o índice de assassinatos de mulheres negras cresceu 54% em dez anos, segundo o Mapa da Violência de 2015. Podemos afirmar, sem dúvidas, que a violência sexista no Brasil possui, profundamente, um viés racial.
Prova disso está no racismo presente nas próprias instituições de atendimento, onde profissionais muitas vezes reproduzem preconceitos, o que contribui para silenciá-las. Ou seja, o racismo institucional prejudica o funcionamento da Lei Maria da Penha para uma grande parcela de mulheres no Brasil, as mulheres negras. Deste modo, em um país onde o racismo é, sobretudo, uma estrutura de poder, as ações específicas para diminuição efetiva da violência contra as mulheres negras não são apenas necessárias, mas absolutamente urgentes.
Uma das maiores barreiras enfrentadas pelas mulheres em situação de violência é o tratamento machista que recebem nas delegacias, visto que as polícias do país ainda são despreparadas para lidar com violência de gênero. A falta de acolhimento e de atenção às mulheres em situação de violência torna ainda mais difícil o processo da denúncia. Tudo isso faz parte da cultura do estupro, termo já bastante conhecido pelas feministas, mas que ganhou destaque nas redes sociais após casos de estupro coletivo. Tal cultura consiste em culpabilizar as mulheres violentadas, questioná-las e menosprezá-las, ao mesmo tempo em que normaliza o comportamento sexual agressivo dos homens.
Mesmo diante de uma realidade tão lancinante, a Lei Maria da Penha indiscutivelmente representa uma importante conquista na luta pelo fim da violência contra as mulheres, entretanto, sabemos que uma lei por si só não muda comportamentos sociais tão enraizados. Punir o agressor de maneira isolada não é suficiente para transformar uma realidade construída e mantida pelos pilares do patriarcado, do machismo e do androcentrismo.
Neste sentido, a luta travada pelo feminismo em diversas frentes para conscientizar e transformar a mentalidade social pautada pelo machismo, tendo a Lei Maria da Penha como instrumento legal, é o ponto chave para reduzir de maneira significativa a violência contra a mulher. Este é o desafio diário pelo qual nos dedicamos diuturnamente.
Andreza Xavier, professora da Rede Pública do Distrito Federal e membro da direção do PT-DF.
Renata Minora, publicitária e militante do PT.
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