O secretário especial de Direitos Humanos do governo federal, Rogério Sottili, comemorou nesta terça-feira (5) o fim dos chamados “autos de resistência”, termo usado nos boletins de ocorrência sobre ações policiais que causam lesões corporais ou a morte de civis. Para ele, a medida “fortalece uma cultura de paz, em que o agente do Estado deve ser visto, e deve se sentir, como um agente de defesa da cidadania, não apenas como um cuidador do patrimônio”.
De acordo com a resolução publicada no Diário Oficial da União desta segunda-feira (4), ficam abolidos os termos “auto de resistência” e “resistência seguida de morte” nos boletins de ocorrência e inquéritos da Polícia Federal e da Polícia Civil em todo o território nacional. A partir de agora, todas as ocorrências desse tipo deverão registradas como “lesão corporal decorrente de oposição à intervenção policial” ou “homicídio decorrente de oposição à ação policial” e um inquérito policial com tramitação prioritária deverá ser aberto.
O processo será enviado ao Ministério Público, independentemente de qualquer procedimento correcional interno que venha a ser adotado pelas polícias. Além disso, o delegado de polícia responsável deverá verificar se o executor e as pessoas que o ajudaram usaram, de forma moderada, os meios necessários e disponíveis para defender-se ou vencer a resistência.
O texto publicado no Diário Oficial é uma resolução conjunta do Conselho Superior de Polícia, órgão da Polícia Federal, e do Conselho Nacional dos Chefes da Polícia Civil.
Cultura da violência
Segundo Rogério Sottili, a mudança trará consequências benéficas e muito importantes para a população, principalmente as mais atingidas pela violência na periferia de São Paulo, do Rio de Janeiro e mesmo em estados menores, como Alagoas.
“O que se vê hoje é uma violência [policial] muito bem dirigida para a juventude negra, periférica, pobre. E por que isso? Porque [as polícias] estão acobertadas, entre vários outros motivos, por uma lei que possibilita que o policial atire sem pensar. Mate e não responda a processo algum por este ato. Ele simplesmente preenche um relatório, afirmando que foi resistência seguida de morte”.
Segundo ele, dados dos últimos dez a 12 anos indicam que os homicídios no Brasil caíram de forma drástica. Mas, “se você fizer um recorte de classe, de raça, vai perceber que, entre a juventude negra da periferia, os indicadores de homicídios cresceram de forma inversamente proporcional à queda de um modo geral”.
O secretário acredita que o auto de resistência reflete a visão de uma construção nacional histórica muito violenta. “Começou com uma ação inaugural de genocídio indígena no início da nossa história civilizatória, entre aspas, passou por três séculos de escravidão e por duas ditaduras, uma civil e uma militar. Isso promoveu todo um processo de cultura de violência muito forte no nosso País”.Além disso, lembra Sottili, o auto de resistência tem origem em uma lei da ditadura militar.
“Se a gente juntar isso com as outras normativas, que nesse processo foram se construindo, percebe-se que acabou facilitando toda uma ação discriminatória, uma ação violenta por agentes de Estado”.
Vitória ante a comunidade internacional
Sottili considera o fim do auto de resistência uma importante resposta à luta travada pelos movimentos de direitos humanos do País e também uma vitória do Brasil perante a comunidade internacional.
“A própria ONU tem recomendações de que esse instrumento deve acabar em qualquer parte do mundo em que ainda persista”, diz ele, lembrando que a proposta já estava prevista entre as diretrizes do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNH3) e também é respaldada por uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos Humanos de 2012, que já pedia o fim dos autos de resistência.
Ele acredita que agora há um clima propício para que a medida seja implantada com sucesso, inclusive na Polícia Militar. “Uma outra lógica está sendo construída. Se você pegar pesquisas junto a instituições policiais, por exemplo, entre a Polícia Militar de São Paulo, mais de 70% dos policiais são a favor da desmilitarização da Força. Isso tem que se refletir em normativas, em resoluções e leis”.
O secretário afirma que a resolução conjunta de vários órgãos policiais sinaliza a organização de forças para que o País fique em sintonia com a sociedade civil, com a sociedade dos direitos humanos, com a modernidade, com a contemporaneidade dos países, com a ONU e com as próprias polícias, sobretudo a polícia Federal e a polícia Civil.
“Esse ano promete. Vamos avançar nas conquistas importantes para o fortalecimento da democracia, especialmente para o fortalecimento dos direitos humanos e do respeito à vida e a diversidade”, conclui.
Publicado originalmente pelo Blog do Planalto.