Ainda que o ex-presidente Lula, do alto de sua experiência e liderança, tenha feito um apelo ao PT e ao Congresso Nacional no sentido de encerrar o capítulo do ajuste fiscal para que se possa iniciar o debate sobre a política de desenvolvimento, é forçoso reconhecer que a realidade política interliga as duas coisas.
Para a oposição conservadora e golpista é uma oportunidade para colocar em dúvida as concepções econômicas do PT e suas contradições com o ajuste proposto pelo governo. Ao mesmo tempo, aproveita-se da crise para impedir que o governo governe e viabilize alternativas que possam elevar o patamar da arrecadação federal, insistindo no corte no custeio da máquina pública e do orçamento das políticas sociais, pois sabe que, com isso, atinge o centro das prioridades de governo desde 2003.
Sem minimizar os efeitos da crise fiscal, o ajuste atinge, em primeiro lugar, a classe trabalhadora, reduzindo, ainda que parcialmente, direitos sociais. A alta taxa de juros inviabiliza o acesso ao crédito e a retomada do crescimento econômico em novas bases. Na área social, em razão do efeito inflacionário, é preciso recuperar o poder aquisitivo da renda transferida para as 14 milhões de famílias beneficiárias do Bolsa Família.
O sistema tributário brasileiro é extremamente regressivo. As propostas de taxar as grandes fortunas e de volta da CPMF são fundamentais para reequilibrar as contas públicas, promover maior justiça tributária e refinanciar os investimentos e as despesas públicas necessárias, principalmente do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, a CPMF é um tributo de menor sonegação fiscal e mais baixo custo administrativo.
Sofrendo os efeitos da crise mundial, ainda que nossa economia esteja mais blindada de danos maiores aos ocorridos antes de 2003, é preciso recuperar a economia, mas mantendo conquistas da última década em relação ao aumento real do salário mínimo, nível de emprego e manutenção das políticas de inclusão e redução da desigualdade.
Com 204 milhões de habitantes, fora do mapa da fome, uma taxa de extrema pobreza residual e mais da metade da população integrando a chamada classe C, uma nova classe trabalhadora, o Brasil tem tudo para reforçar o seu mercado interno, recuperando a capacidade indústria, produzindo mais bens e serviços e ficando menos dependente da exportação de mercadorias primárias.
É preciso aproveitar e qualificar o nosso ativo humano ainda com perfil jovem, apesar do envelhecimento da população brasileira resultante da melhoria de suas condições de vida. A educação constitui, nesse sentido, a principal política pública para elevar o padrão de conhecimento, qualificação e consciência cidadã das pessoas e da sociedade. Só ela, associada ao investimento em pesquisa, ciência e inovação tecnológica, será capaz de garantir o salto econômico, social e cultural que o Brasil precisa para ingressar de vez no bloco planetário dos países desenvolvidos.
Mesmo que as commodities agropecuárias venham contribuindo fortemente para o superávit da nossa balança comercial, não será possível atingir novos patamares comerciais e, sobretudo, econômicos para um desenvolvimento sustentável, mantendo esse traço colonial que limita e escraviza o nosso desenvolvimento.
Um exemplo disso é que, em pleno século 21, o Brasil mantém uma estrutura fundiária altamente concentrada, baseada na grande propriedade rural, herança do nosso passado colonial-escravista, em detrimento da reforma agrária e das potencialidades da nossa agricultura familiar e camponesa, socialmente mais justa e ambientalmente sustentável.
O PT e toda a esquerda brasileira não devem se submeter à pauta dos setores conservadores e à chantagem da direita golpista que quer mudar para não mudar. Em verdade, querem retroceder desmontando a rede pública de proteção social, construída ao longo desses 13 anos, e reduzindo os direitos dos trabalhadores para rebaixar o povo brasileiro à lógica neoliberal e aos interesses e à ditadura do capital internacional.
Ao contrário, podemos aproveitar a crise para sair dela construindo uma nova agenda política, defendendo o mandato da presidente Dilma, a Petrobras, o pré-sal, os direitos humanos e sociais e as reformas estruturais, como a reforma política, uma nova política econômica, a reforma tributária e as reformas urbana e agrária.
A Frente Brasil Popular, lançada no DF, nesta quinta-feira (5/11), em ato no auditório do Sindsep, formada por partidos políticos, centrais sindicais, movimentos sociais, religiosos, juventude, mulheres, negros, LGBT, intelectuais e artistas, é uma alternativa popular possível para juntar as forças políticas e sociais que querem um Brasil desenvolvido, soberano, justo e democrático – para todos.
Osvaldo Russo, ex-secretário nacional de Assistência Social, é conselheiro da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA).
Artigo publicado no Jornal Brasil Popular – 06/11/2015