Há 23 anos, Marcello Lavenère, 77, entregava ao então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, o pedido de impeachment que resultou na saída de Fernando Collor da Presidência da República. Hoje, o ex-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) avalia que o cenário atual é distinto do ocorrido em 1992.
Há mais de dez pedidos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff nas mãos do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Lavenère, contudo, não acredita na fundamentação de nenhum deles. Para ele, não há denúncias consistentes, nem comprovação do envolvimento direto da petista em esquemas de corrupção.
O advogado corrobora a visão dos governistas, que têm acusado a oposição de golpe ao insistir no afastamento da presidente.
Ele considera que o processo de afastamento de Collor aconteceu em conjuntura diferente, não só pelos fatos, mas também pelo protagonismo de entidades da sociedade civil, o que não ocorre agora, segundo ele, quando os pedidos são capitaneados por partidos políticos.
“A orquestra tocou afinada sem maestro. Não tinha alguém para reger as senhoras que iam apoiando a gente.”
Folha – Há diferenças entre o pedido de impeachment do senhor e os apresentados agora?
Marcello Lavenère – A aparência engana e eu mesmo encontro poucas semelhanças sobre o que havia em 1992 e hoje. O Collor foi eleito e a eleição foi aceita como legítima, não se questionava. Diferente do que acontece atualmente, em que, mesmo antes de Dilma tomar posse, já se dizia que sofreria o impeachment. Collor teve praticamente dois anos em que fez uma série de medidas altamente questionáveis e ninguém falava em afastamento. Até o momento em que o irmão dele disse que havia uma quadrilha no governo e que ele era o chefe. Havia uma acusação pública, direta, consistente, contra o presidente, o que não é o caso agora. Diferente daquela época, as acusações que vemos primeiro não se dirigem à presidente, mas a pessoas do seu partido, ou da base do governo que estariam ou estão envolvidas em investigações feitas pela Justiça.
O presidente da UTC, Ricardo Pessoa, disse que repassou ilegalmente recursos para o tesoureiro da campanha de 2010 da presidente.
Ele diz que o tesoureiro da campanha recebeu dinheiro e não a Dilma, ao passo que o irmão do presidente Collor dizia que ele era o chefe de uma quadrilha. As acusações contra Collor foram de fatos ocorridos durante a gestão dele. Ninguém discutiu o que havia antes. Já no caso dela, ao que se sabe, as acusações são de que na campanha teria havido isso e que ela teria feito pedalada fiscal. É o que consta no pedido dos senhores Helio Bicudo e Miguel Reale.
O impeachment é um processo penal constitucional. Falta de prestígio, governo fraco, crise na economia, dólar alto, orçamento deficitário, não se resolvem nas instâncias políticas do parlamento. E há uma enorme quantidade de juristas respeitados que dizem não haver possibilidade jurídica ou técnica para impeachment. O Congresso fez uma CPMI para apurar se ele tinha envolvimento e, quando veio o relatório, concluiu-se pela necessidade de um processo de impeachment, o que foi apoiado por praticamente a totalidade das entidades da sociedade. Não era partidário, político. Quem organizou? Ninguém. A orquestra tocou afinada sem maestro. Não tinha alguém para reger as senhoras que iam apoiando a gente.
Mas a oposição alega que o impeachment é um processo político.
Ter uma base parlamentar fraca não é motivo para impeachment. Nem contas rejeitadas pelo TCU. Não está previsto na Constituição, assim como as contas da campanha rejeitadas. O processo de impeachment é um processo penal constitucional, não é político de oposição. Aplica uma pena e só pode ser aprovado se provar que o acusado cometeu algum dos crimes que estão previstos na Constituição. Por mais que a oposição pretenda desgastar o governo, e parece que é essa a intenção, nem mesmo eles parecem ter muita convicção de que esse processo vá adiante. Não tenho nenhuma vinculação política nem nada, mas vejo que o que acontece no nosso país atualmente é uma insatisfação de quem perdeu as eleições por pouco.
O senhor acha que existem hoje no país as condições políticas o impeachment?
Eu tenho dúvidas sobre isso. Em setembro, o governo obteve uma vitória no Congresso em que foram mantidos 26 vetos da presidente. Para isso, precisou ter maioria na Câmara, que é o corpo político que estaria contra o governo. Mas é uma evidência de que o governo não está assim tão enfraquecido, porque conseguiu manter esses vetos. Não vejo, no momento, clima político para o pedido de impeachment prosperar, porque o governo mantém sua base a trancos e barrancos, mas mantém.
Como a base do governo, o sr. acredita em uma tentativa de golpe?
Existe uma preocupação de desestabilizar um governo legalmente eleito. Preocupação de invalidar o resultado das eleições. Eu acho que, neste caso, sim, significa uma tentativa de golpe. Já se falava em impeachment antes das eleições. Trinta dias depois, um partido político encomendou um parecer de um grande jurista de São Paulo de mentalidade muito conservadora. Essa articulação dos partidos de oposição, movidos pela insatisfação e pelo chororô de quem perdeu eleição, a mim tem cheiro de golpe, sim.
No julgamento do mensalão, o senhor disse que se o PT deu motivo, pagaria o preço. O senhor tem a mesma avaliação em relação ao escândalo da Petrobras?
Qualquer partido que tenha dado motivos de ser investigado, deve ser investigado. Pode ser PT, PP ou PSDB. Se a presidente der motivos amanhã para que haja um impeachment contra ela, eu vou dizer que está provado que ela fez algo que justifica.
Há diferenças no Congresso atual e no de 1992, que abriu o processo de impeachment?
O presidente da República em 1992 tinha uma base parlamentar, mas seu partido não era forte. O Collor foi eleito com base no prestígio pessoal dele, de caçador de marajás. O Congresso apoiava o presidente por ele ter sido eleito democraticamente e por tentar modernizar a economia brasileira. Os dois primeiros anos do Collor não foram de isolamento parlamentar. A situação começou a mudar quando começaram a surgir evidências em relação a ele. Não havia uma predisposição contra ele. Agora, no entanto, há uma predisposição de boa parte do Congresso contra Dilma, de, a qualquer título, arranjar um motivo para tirá-la.
As novas denúncias envolvendo Fernando Collor na Operação Lava Jato surpreenderam?
Não posso dizer que surpreenderam, mas confesso que não as esperava. Ele passou um tempo afastado da política e depois retornou em Alagoas, onde tem indiscutivelmente um prestígio grande. Não me surpreendeu porque sabemos que qualquer pessoa pode cometer um delito e ele já tinha cometido antes. Mas eu esperava que ele pudesse recuperar sua vida política sem rescindir.
Que mudanças devem ser realizadas na legislação eleitoral para evitar novos episódios de corrupção?
A principal mudança é tirar o dinheiro das empresas das campanhas eleitorais. A sociedade brasileira não suporta mais isso. Os empresários também não suportam ter de dar dinheiro para um lado e depois para o outro, sendo achacados pelos candidatos.
Entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo