A Câmara Legislativa do Distrito Federal aprovou o Projeto de Lei no 130/2015, de autoria do Deputado Ricardo Vale, do Partido dos Trabalhadores, que altera o nome da Ponte Costa e Silva, sobre o Lago Paranoá. Atribui a ela o nome do líder estudantil, presidente da União Nacional dos Estudantes – UNE, preso pela Ditadura Militar. Morto em outubro de 1973, aos 26 anos.
As cidades fixam sua memória em marcos físicos, materiais (pedra, granito, mármore, aço, bronze…) para escapar da erosão feroz do tempo e do esquecimento. Conferir à Ponte sobre o Paranoá o nome de Honestino Guimarães não é um gesto que objetiva apagar a existência e a passagem do segundo ditador do ciclo militar – a figura risível, mas sinistra que assinou o Ato Institucional no 5 – o General Costa e Silva. Não é para esquecê-lo. É para lembrar a parcela da juventude brasileira daquele período que se levantou contra ele.
Brasília recupera, por meio do Projeto de Lei aprovado, parcela da memória necessária para continuarmos a lutar hoje contra as tiranias, seja qual for a máscara sob a qual se escondam. É um alento na luta contra o arbítrio, contra a violência dos assassinatos, dos desaparecimentos, do exílio que atormentaram a sociedade brasileira no passado recente e contra a intolerância, o preconceito, os fundamentalismos que buscam se impor no presente.
A capital do Brasil, cenário do Golpe de Estado que depôs, em abril de 1964, o Presidente João Goulart, eleito legitimamente pelo povo brasileiro, sofreu um estupro, aos quatro anos. Fruto do impulso generoso do período de interiorização do desenvolvimento que marcou os anos JK, concebida pelo mais moderno e avançado pensamento urbanístico e arquitetônico que o país produzira até então e construída pelas mãos dos candangos que se deslocaram das mais pobres e distantes regiões do país para oferecer sua contribuição ao Brasil e encontrar um lugar digno naquela aventura, Brasília materializou a capacidade de realização do nosso povo, contra todas as expectativas nos setores conservadores, particularmente do Rio e de S. Paulo, que sempre se opuseram à transferência da Capital.
O Golpe de 1o de abril de 1964, interrompeu, quatro anos depois, aquele impulso, para estabelecer o reinado do terror, da delação, da perseguição política. A UNB, símbolo do pensamento universalista, cosmopolita que alimentou a construção da cidade, foi invadida por forças repressivas em dois momentos: no próprio momento do Golpe e quatro anos mais trade em 1968, com a imposição do AI-5. Nada mais emblemático do que essa agressão a um espaço como a UNB de produção do pensamento, do diálogo com as demais culturas do mundo, da formação e qualificação do projeto de desenvolvimento autônomo do país.
Ao aprovar o PL no , neste 30 de junho, Brasília busca cumprir o papel que lhe cabe. Marcar com um símbolo da resistência à ditadura – Honestino Guimarães – uma via pública pela qual transitam cidadãos e cidadãs como um exercício permanente para perpetuar a memória, alicerce indispensável para a construção da consciência política necessária à consolidação da democracia.
Não se trata, como disse, de abolir o passado dos anos de chumbo, (1964-1989). Ao contrário, trata-se de um exercício para incorporar criticamente aquele momento da História. Uma contribuição à sociedade para entender, nos dias de hoje, que o regime militar se impôs pela força das armas e, em nome da Democracia, rasgou a Constituição de 1946 para submeter o país aos objetivos antipopulares e antinacionais dos segmentos socais mais ricos. Setores que não exitaram em aliar-se a interesses estrangeiros para interromper o ciclo desenvolvimentista iniciado por Vargas, consolidado por JK e que tendia a aprofundar-se com Jango, para defender minorias privilegiadas – os barões da mídia, os latifundiários, os exportadores, os banqueiros, os dirigentes industriais.
Brasília – em especial a juventude brasilense que traz consigo o impulso generoso e progressista que Honestino Guimarães representa – precisa debruçar-se sobre a história que cumprimos ao longo desses anos para recuperar as energias necessárias à construção de um país generoso, que não se renda à violência, ao preconceito, à intolerância e acolha em toda a sua diversidade as legítimas aspirações de todos os seus filhos.
Brasília, 2 de julho de 2015.
Hamilton Pereira, escritor, foi Secretário de Cultura do Distrito Federal.