Osvaldo Russo
Será que a utopia ainda tem futuro? Ou, como disse o escritor José Saramago, por ocasião de um Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, será que o povo, em verdade, não quer saber de utopias e sim de soluções para seus problemas concretos e imediatos?
No início dos anos 1990, a partir da derrocada do socialismo real na antiga União Soviética e em todo o Leste Europeu, o mundo capitalista desenvolvido, liderado pelos Estados Unidos, passou a viver a euforia de sua hegemonia econômica, política e militar, sem concorrentes próximos, anunciando o fim da história e a afirmação do mundo unipolar. Esta visão, hoje, começa a ser questionada por grandes potências como a Rússia e a China.
Os efeitos negativos da globalização atingem a todo o planeta e o desemprego e a exclusão social não constitui fenômeno somente dos países pobres, ela impacta as sociedades mais desenvolvidas, em razão do desemprego estrutural. A distância crescente entre países ricos e pobres e, dentro de todos os países, entre incluídos e excluídos, geram uma apartação social sem precedentes na história da humanidade.
Mas outro mundo é possível. A humanidade inclui todos os indivíduos e não apenas alguns. A sua sustentabilidade constitui responsabilidade de todos, os benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico não podem privilegiar poucos – devem ser socialmente distribuídos a todos. A política, a educação e a cultura devem ser expandidas e universalizadas – a democracia deve ser aprofundada. Todos devem ter seus direitos básicos garantidos. O Estado, o mercado e os organismos da sociedade civil devem ser publicizados e submetidos ao controle democrático. Os negócios privados devem corresponder a necessidades da sociedade e não ao mero interesse privatista individual. A propriedade privada dos meios de produção deve ser condicionada à sua obrigação social.
Para a civilização do século 21, impõe-se uma nova ordem mundial, onde a centralidade do desenvolvimento se oriente pelos valores humanos e pela preservação do meio ambiente, da vida, da liberdade, da paz e da justiça. A fome e a pobreza devem ser erradicadas por todos os países com a solidariedade de todos os povos e de todas as pessoas. Todas as pessoas em situação de vulnerabilidade social devem ser protegidas socialmente. Talvez, assim, com base num novo fazer político, mais generoso e libertário, se possa construir no presente o socialismo do futuro, humanista, democrático, cooperativo e sem dogmas, moldado pela harmonia entre os povos e pelo respeito aos indivíduos e coletividades.
O PT, desde a sua fundação em 1980, ao contrário dos demais partidos de esquerda no Brasil, nasceu como um partido dos trabalhadores que viam nele a sua representação política para defender os direitos da classe trabalhadora. Confundia-se com o movimento sindical novo e combativo que surgia no País, derivado das lutas operárias no ABC paulista. Esta é a originalidade e a força do PT, cuja base social hoje é mais ampla que no passado, menos interessada em dogmas ideológicos e mais preocupada com um programa para enfrentar e superar os problemas políticos, sociais e econômicos atuais.
Hoje, passados mais de 35 anos de sua fundação, diante da maior crise de sua história, a realidade impõe uma concepção ainda mais ampla de partido de esquerda, capaz de incorporar não só os trabalhadores organizados, mas os trabalhadores em geral e os excluídos do processo econômico, além de segmentos empresariais produtivos. Uma esquerda profundamente democrática, pluralista, humanista e universal, capaz de ser contemporânea e protagonizar as transformações que o mundo atual exige.
Para transformar a realidade social, econômica e política na qual o Brasil se insere, há de se combinar as características formadoras de um partido ideológico “militante” de novo tipo e de um partido programático “eleitoral” de princípios, democrático e plural para dentro e para fora, com maior capacidade de inclusão política e institucional. Um partido com princípios ideológicos, mas desprovido de dogmas e munido de representação social e política, com capacidade de resgatar a sua credibilidade e continuar mudando o Brasil.
Não basta, entretanto, que o PT empreenda essa combinação ideológico-programática; faz-se necessário incorporar o aprendizado decorrente de suas experiências exitosas no governo federal, no parlamento e nos governos estaduais e municipais. Deve levar em conta também os novos movimentos sociais, urbanos e rurais, os movimentos pelo meio ambiente, os movimentos de mulheres, jovens e idosos, as associações e os movimentos comunitários, os movimentos contra qualquer tipo de discriminação, seja racial, cultural, sexual, religiosa ou política, enfim a cidadania do nosso tempo. Esses movimentos podem exercer influência positiva maior que os próprios partidos políticos, às vezes prisioneiros do aparelhismo, das críticas de resultado e da luta interna, disputada menos por razões ideológicas ou programáticas e mais por motivação reducionista de grupos de interesse.
A origem e a vocação do PT, de massas, reafirmadas em seus Congressos, não podem obscurecer a importância e a necessidade, hoje mais que nunca, da formação política de seus quadros. O 5° Congresso realiza-se no marco de uma crise profunda do governo e do partido. A construção de uma alternativa sustentável e justa exige unidade programática e capacidade de agregação política e social além dos horizontes do PT. As dificuldades inerentes ao exercício do poder e o constrangimento de alguns em governar dentro de regras e limites institucionais não devem imobilizar o partido no sentido de intervir e interpretar a realidade a cada momento histórico e de renovar corajosamente os instrumentos políticos para transformação democrática e radical dessa realidade.
Aos 35 anos de uma trajetória vitoriosa, a base social do PT espera que o partido seja capaz, ao lado de dar sustentação ao governo da presidenta Dilma Rousseff, de buscar uma nova concepção para exercitar a política, radicalmente democrática e ética, liderando um novo projeto de poder e de desenvolvimento para o Brasil, que elimine a pobreza, resgate a dignidade da coisa pública, realize as reformas estruturais necessárias, preserve o meio ambiente, proteja as nossas crianças e os nossos idosos, incluindo todos os brasileiros ao trabalho, à cidadania, à educação, ao conhecimento, à cultura e ao lazer. Um partido transformador capaz de lutar por uma nova ordem mundial, mais justa, humana e de paz, para todos, na qual o ser humano possa ser feliz e sujeito da história.
Após 12 anos transformando e desenvolvendo o Brasil com democracia e equidade social, o PT precisa agir e organizar a sua inserção nesta complexa conjuntura política, social e econômica, enfrentando os desafios, corrigindo rumos e fazendo política com diálogo e princípios. É preciso regatar valores, ciente, porém, que ninguém é dono da verdade. O passado inspira a nossa luta, mas é preciso cuidar do presente com os olhos no futuro.
Osvaldo Russo, filiado ao PT, foi chefe de Gabinete do Ministério da Educação, secretário nacional de Assistência Social e secretário de Desenvolvimento Social do Distrito Federal.