A evolução das relações sociais apontam que a terceirização adequa a força de trabalho, fonte de criação de riquezas, aos interesses do mercado e ao fomento da lucratividade das empresas. Potencializa a desigualdade social e fragiliza os trabalhadores.
Aprovado pela Câmara dos Deputados com truculência, apesar da resistência de organizações sociais e de trabalhadores lideradas pela CUT, ao retirar os freios colocados para a contratação de terceirizados, o PL 4330 libera-a também para as atividades fins, mercantilizando ainda mais o trabalho humano e fragmentando profundamente os rotos laços de solidariedade do processo civilizatório. A ampliação da terceirização é mais um item do retrocesso social escancarado no Brasil após as eleições de 2014, quando o conservadorismo fez crescer suas garras na sociedade brasileira.
O debate sobre a terceirização tem sido apresentado somente como uma disputa entre trabalhadores e empresários. Evidentemente que é fundamental o destaque de que a terceirização ampla e sem critério implica em maior degradação do nível de relacionamento entre empregado e empregador, desestruturando as categorias e enfraquecendo o movimento sindical. O terceirizado, além de receber salários inferiores, é o maior afetado por doenças e acidentes de trabalho, não se identifica com as categorias profissionais da empresa tomadora de serviços e tampouco com os da empresa empregadora, que nem sempre tem um ramo de especialidade, simplesmente fornecendo mão-de-obra. Essa situação mercantiliza o trabalho e desconsidera as relações do processo civilizatório jogando a todos na selva do salve-se quem puder.
A maioria das pessoas assiste ao debate, como se não lhe dissesse respeito. Parece que não se sente desconfortável com o fato de que uma parcela significativa de trabalhadores e trabalhadoras está à mercê de explorações descabidas. Aparentemente, nem sequer percebe a possibilidade de ser atingido pelo processo terceirizador.
Infelizmente, a maior parte da população que exerce seu direito de voto não se vê como coautora do processo desrespeitoso e abusivo estabelecido na Câmara dos Deputados. É comum que ainda hoje muitos votem em pessoas e por outras motivações outras que não o compromisso solidário de escolher represenantes que defendem o interesse da maioria e não os de grupos específicos que, em geral, não veem os iguais seres humanos como merecedores de direitos. Achamos absurda a escravização de trabalhadoras e trabalhadores, mas não conseguimos associar que aqueles que defendem a terceirização representam segmentos que tiveram suas campanhas eleitorais financiadas por empresas que mantêm trabalho escravo. Coincidência? Claro que não! Pesquisas do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp apontam que 90% dos trabalhadores resgatados do trabalho escravo eram terceirizados.
Consequências da terceirização atingem toda a sociedade
As consequências da terceirização sem limites também serão sentidas em todo o lastro social.
Na economia, a diminuição do poder aquisitivo de um número muito maior de trabalhadores terceirizados, reduz a capacidade de compra e provoca a contração no ciclo econômico, o fechamento de postos de trabalho e o desemprego. O aumento dos acidentes de trabalho impulsiona o número de benefícios previdenciários que são resultados solidários da contribuição de todos nós.
Os direitos sociais serão atingidos frontalmente. Com a diminuição da massa salarial e os possíveis impactos nos programas sociais, as desigualdades e a discriminação serão aprofundadas, violando os direitos fundamentais e o princípio constitucional de que todos somos iguais.
No âmbito sindical, longe de resolver a questão da sua estrutura, a terceirização sem controle levará ao esfacelamento das representações. Afinal, a atividade da empregadora é fornecer mão-de-obra e os trabalhadores podem estar cada dia em uma tomadora de serviços diferente, inseridos em locais de trabalho distintos, convivendo com categorias diferenciadas e, portanto, sem identificação com o segmento econômico da empresa-cliente.
No campo público, terceirizar a atividade fim impacta na alocação de servidores, ampliando as possibilidades da contratação sem concurso público, conquista da cidadania contra o clientelismo e o nepotismo. Retira significativamente a transparência da gestão da administração pública.
Na educação, os efeitos da terceirização são sentidos há algum tempo. À medida que serviços como segurança, limpeza e alimentação passaram a ser realizados por terceiros, as preocupações aumentaram. A educação é responsabilidade de todos os que fazem parte do ambiente escolar. As relações estabelecidas com merendeiras, com o pessoal da limpeza e com os vigilantes também educam. A inclusão de empresas terceirizadas, com constante rotatividade de trabalhadores e trabalhadoras, não permite a criação de vínculos com os estudantes e gera insegurança, pois pessoas desconhecidas das crianças e que as desconhecem entram e saem constantemente do ambiente escolar. Pergunta-se: com a possibilidade de terceirizar todos os setores, os professores e professoras também serão substituídos sempre que for do interesse das empresas? Como fica o processo educativo diante de tantas incertezas?
A terceirização de atividades com finalidade pública causa estragos incalculáveis. Empresas como as de água e energia, originalmente públicas, passaram a vender suas ações a entes privados, abrindo espaço para que os acionistas contratem trabalhadores terceirizados, provocando intensa rotatividade dos profissionais especializados. Essa forma de trabalho não estabelece comprometimento contínuo com o local e a atividade e inviabiliza estudos sequenciais e aprofundados. Em consequência a avaliação das dificuldades, o planejamento ao longo prazo e a propositura de soluções para problemas atuais e futuros fica prejudicada. Exemplo concreto é o da Sabesp, que com 49% de suas ações nas mãos de grupos privados, não conseguiu estabelecer ações que inviabilizassem a crise hídrica enfrentada pelo Estado de São Paulo. Mesmo com o serviço público de distribuição de água comprometido, os acionistas não permitiram investimentos em obras, provocando o colapso da água. Mas a crise não inviabilizou que continuassem a receber seus dividendos independentemente de a população ter ou não acesso à água.
Está evidente que a terceirização, por exemplo de engenheiros, que são trabalhadores que exercem atividades-fim em empresas públicas de saneamento, água e energia elétrica, deixará essas instituições vulneráveis ao descompromisso social da iniciativa privada e sem condições de atender com qualidade as necessidades da população, que novamente pagará a conta.
Esses e outros exemplos apontam que a terceirização diz respeito efetivamente a toda sociedade, pois seus impactos nocivos se espraiarão por todos os aspectos de nossas vidas. Isso sinaliza que o modelo proposto no Projeto de Lei 4330 não é adequado à chamada “modernização” das relações de trabalho, não condiz com mudanças positivas na estrutura sindical e não considera os interesses fundamentais da sociedade brasileira.
A Plataforma da Classe Trabalhadora e o protagonismo da CUT
A CUT tem assumido a defesa intransigente dos direitos dos trabalhadores. Na luta contra ao PL 4330 capitaneou as negociações do projeto desde 2004, quando apresentado à Câmara dos Deputados. Costurando acordos na mesa quadripartite formada por representantes dos trabalhadores, empresários, legislativo e do governo federal, instalada em 2013, elaborou uma proposta sobre a regulamentação da terceirização no Brasil.
Para além do PL da terceirização, a CUT tem assumido o protagonismo no enfrentamento dos grandes temas nacionais, como o da reforma política, passo fundamental para pavimentar o caminho para outras como a tributária e a agrária. E não perde de vista a urgência da democratização dos meios de comunicação.
Essas mudanças são determinantes para a consolidação de um projeto de desenvolvimento capaz de ampliar a capacidade do Estado em investir em infraestrutura e em políticas públicas, especialmente as de educação, saúde, mobilidade urbana, segurança e proteção social. Atua ainda para a garanta e ampliação dos direitos conquistados e para o fortalecimento dos processos de democracia direta e participativa.
A CUT não aceita retrocessos. Por isso, além das lutas imediatas, a intensificação da estratégia organizativa e de lutas, construindo propostas e diretrizes para um projeto nacional de desenvolvimento é imperativa. A Plataforma da Classe Trabalhadora, lançada pela CUT em 2014, aponta ações fundamentais para construir um estado democrático com desenvolvimento sustentável, igualdade e inclusão social, e valorização do trabalho.
Conforme diz a apresentação do documento (que pode ser acessado aqui), “Convictos de que o pleno exercício da cidadania é essencial na formação da consciência crítica e da caminhada para uma nova sociedade, arregacemos novamente as mangas para mais uma árdua tarefa: disputar os rumos do Brasil”.
1º de Maio: A luta continua e se fortalece
Em 1886, realizou-se uma manifestação de trabalhadores nas ruas de Chicago, com finalidade de reivindicar a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias, pois já naquele tempo se trabalhava até doze horas por dia. Jornada próxima à realizada hoje pelos trabalhadores terceirizados. Esse ato teve a participação de milhares de pessoas e deu início uma greve geral nos Estados Unidos. Três dias depois ocorreram conflitos com a polícia que resultaram na morte de três manifestantes. Em 4 de maio uma nova manifestação foi organizada como protesto pelos acontecimentos dos dias anteriores. O lançamento de uma bomba por desconhecidos para o meio dos polícias que tentavam dispersar os manifestantes matou um agente. A polícia então abriu fogo sobre a multidão, matando dezenove e ferindo dezenas de manifestantes.
Três anos mais tarde, no dia 20 de junho de 1889, a segunda Internacional Socialista reunida em Paris decidiu convocar anualmente uma manifestação para lutar pelas 8 horas diárias de trabalho. A data escolhida foi o 1º de Maio, como homenagem às lutas sindicais de Chicago. Em 1º de maio de 1891 uma manifestação no norte de França é dispersada pela polícia e resulta na morte de dez pessoas. Esse novo drama serve para reforçar o dia como um dia de luta dos trabalhadores. Meses depois a Internacional Socialista de Bruxelas proclama 1º de Maio dia como o dia internacional de reivindicação po condições dignas de trabalho.
Passados 129 anos do primeiro embate, a exploração capitalista se repete e se renova com o nome de reestruturação produtiva. Este tipo de organização do trabalho é pai da terceirização, do aprofundamento da exploração e da desqualificação dos serviços públicos. O modelo de sociedade em que estamos inseridos está organizado para fazer girar a engrenagem da economia e do lucro, atropelando, adoecendo e matando pessoas.
As reivindicações da luta daqueles trabalhadores do século XIX, por incrível que possa parecer, ainda persistem. Exigem maior comprometimento e solidariedade de classe, especialmente a partir da aprovação do Projeto da Terceirização. Mais do que nunca nosso papel de sindicalistas da Central Única dos Trabalhadores, a CUT, é o de coordenar a resistência. A discriminação nos locais de trabalho e a diferenciação de tratamento, de salários e de benefícios, isolam pessoas de uma mesma classe, rompem os laços que os podem unificar. Estimula a acomodação e o desânimo, desencorajando trabalhadoras e trabalhadores para a luta por vida digna.
E cabe perguntar: A sociedade brasileira está disposta a lutar para que se cumpram os preceitos da “Constituição Cidadã” de 1988 que determina “construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”? Ou os interesses econômicos particulares, as conveniências político-partidárias e as lógicas corporativas continuarão ditando nossos comportamentos e nos isolando mutuamente?
As respostas precisam ser imediatas e levando em consideração o que Kafka nos ensina: “A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana”. A consciência de classe é o que nos agrega, fortalece nossas lutas e nos faz avançar. Este 1º de Maio nos chama às ruas para construir a resistência e fortalecer a luta contra a terceirização e todas as outras formas de exploração. Mais que isso, a unificação da classe trabalhadora é imprescindível para ampliar direitos e conquistas para todas e todos.
jacy Afonso