A crise e a nova frente

Por Osvaldo Russo

Segundo alguns analistas políticos, O PT vive uma crise de identidade contaminada por seus próprios erros, desvios de rumo e denúncias de corrupção. A crise estaria agravada pelo desgaste político do governo Dilma diante de problemas econômicos estruturais e do ajuste fiscal proposto para reequilibrar as contas públicas, controlar a inflação e retomar o crescimento da economia, ainda que de forma gradativa.

As manifestações de março deste ano, como as de junho de 2013 e as que estão por vir, à esquerda e à direita, expressariam o descontentamento crescente da população não só com o governo e o PT, mas com o sistema político, a representação parlamentar, os escândalos de corrupção e a qualidade dos serviços públicos no Brasil.

Os ganhos decorrentes dos avanços sociais dos últimos 12 anos correriam risco de se deteriorar, com aumento do desemprego e redução da renda. Além disso, o movimento sindical e os movimentos sociais, mesmo os simpáticos ao governo, estão contra o ajuste fiscal, considerado conservador e redutor de direitos da classe trabalhadora.

Revelaria também o sentimento enraizado na sociedade de que o governo Dilma, ao contrário do governo Lula, beneficiado por condições econômicas internacionais favoráveis, sem o carisma e a liderança do ex-presidente, estaria com parcela de sua capacidade subtraída para mediar interesses conflitantes na sociedade.

Mas sempre há um porém e, no Brasil real, mais de um. A economia brasileira – a sétima do mundo – não é qualquer uma. O PT e o governo, igualmente, não possuem, em horizonte previsível, à direita e à esquerda, contraponto crível na oposição com projeto alternativo que inspire ou possa inspirar credibilidade na sociedade.

À esquerda, Lula seria um líder popular com vocação conciliadora entre os interesses do trabalho e do capital e que não apostaria em rupturas que pudessem colocar em risco a governabilidade. À direita, seria um líder populista que prioriza os gastos sociais em detrimento da economia, conciliando com a radicalização dos movimentos sociais.

Alguns afirmam que a crise seria do “lulismo” e outros ainda acrescentam o pacto das elites construído desde a redemocratização do país. A crise não é só do governo e do PT e a presidente e o partido têm condições de reverte-la. Lula, como nenhum outro político no Brasil, possui qualidades reconhecidas de mediação política e social. Sabe como ninguém navegar na luta de classes contemporânea em países capitalistas como o Brasil, onde as rupturas políticas e sociais são muito pouco prováveis.

É preciso, no entanto, sinalizar segurança aos trabalhadores e beneficiários das políticas sociais. Com no salário mínimo, é preciso preservar a proteção social e o poder de compra das transferências de renda e do financiamento da agricultura familiar. Ao mesmo tempo, dialogando com os movimentos sociais, retomar o processo de reforma agrária, assentando as famílias sem terra acampadas e estruturando os assentamentos. Nas grandes cidades, garantir o financiamento de moradia para as famílias sem teto.

As novas manifestações lideradas pela CUT, MST, UNE e outras organizações, ainda que tenham muitos pontos de convergência com o PT e o governo, guardam diferenças substantivas em relação ao ajuste fiscal e ao enfrentamento da crise. As manifestações de oposição ao governo, apesar de capitaneadas pela direita e instrumentalizadas por golpistas, expressam descontentamentos presentes no seio da sociedade brasileira.

A escolha do vice-presidente da República, Michel Temer, para a articulação política, traz o PMDB para o centro estratégico do governo, restabelecendo o equilíbrio de forças junto ao Congresso Nacional. Se, de um lado, favorece a governabilidade reduzindo tensões, de outro fortalece o PMDB e outras forças na composição do governo.

O fato é que o nosso sistema político e sua representação estão em pedaços. Reconstituir a credibilidade da política poderia começar com a reforma política decorrente de uma constituinte convocada exclusivamente para isso. E nisso há acordo entre Dilma, Lula e PT e os outros partidos de esquerda e movimentos sociais, mas não há concordância do aliado PMDB e, muito menos ainda, da oposição à direita, à frente o PSDB.

O PT, com seus erros e acertos, é o maior partido da esquerda brasileira e pode resgatar valores e corrigir rumos. Com Lula e Dilma, se não fez tudo, conseguiu provar que é possível desenvolver o país com democracia e equidade social. Entretanto, diante da crise do sistema político, surgem condições para uma nova e ampla frente política e social – democrática e de esquerda -, além do PT e CUT, em contraposição ao retrocesso e ao conservadorismo, capaz de protagonizar um novo ciclo de desenvolvimento sustentável, com mais democracia, equidade e participação popular.

Osvaldo Russo, ex-secretário de Desenvolvimento Social do Distrito Federal, é autor do livro Agenda Social/Enfrentando as desigualdades, Thesaurus Editora, 2014.

Artigo publicado no Correio da Cidadania – 15/04/2015

 

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