Um dos coordenadores da campanha do tucano Aécio Neves no estado de Pernambuco, Geraldo Cisneiros, e o ex-deputado federal pelo PSDB Bruno Rodrigues, agora no PSB, comandavam um esquema de corrupção descoberto pela Polícia Federal com ramificações por diversos órgãos estaduais.
O esquema, segundo a PF, surrupiou dinheiro da educação (merenda e fardamento escolar), saúde (terceirização de serviços médicos, Unidades de Pronto Atendimento e medicamentos), combustíveis, recursos humanos (contratação de funcionários fantasmas) e empreendimentos no Porto de Suape. Há, também indícios de fraudes financeiras na Fundação Previdenciária do Estado (Fundepe), que passa por dificuldades.
Cisneiros e Rodrigues são dois dos principais protagonistas do inquérito 433/2007 da PF, ora em trâmite no Fórum de Jaboatão dos Guararapes, região metropolitana de Recife. Foi lá que tudo começou, com uma investigação sobre exploração do jogo do bicho pelo doleiro Severino Jordão Emereciano, acusado de manter ligações com autoridades locais. O doleiro era dirigente do PSDB e chegou a se candidatar ao cargo de vereador em Jaboatão.
O relatório final da denúncia à Justiça pernambucana, ao qual a Agência PT de Notícias teve acesso no Fórum de Jaboatão, não específica o valor total arrecadado pelo esquema, mas a investigação da PF tem indícios que o montante pode superar R$ 1 bilhão.
De acordo com o inquérito, o esquema foi muito bem estruturado e manteve-se contínuo, durante anos, a partir de procedimentos criminais voltados para o repasse de dinheiro aos membros do grupo. Por essa razão, foi apelidado de “mensalão pernambucano” pelos policiais federais.
As reuniões do grupo, de acordo com escutas telefônicas registradas no inquérito, eram feitas na sede da Ceasa, em Recife. Até hoje, no entanto, nada aconteceu com os funcionários públicos flagrados em atividades do esquema. As comissões variavam de 5% a 35% dos valores contratados pelas secretarias estaduais.
Funcionários fantasmas – Cisneiros, um dos coordenadores da campanha de Aécio em Jaboatão, chegou a ser eleito para a Câmara de Vereadores do município. Sua prisão preventiva foi decretada, mas relaxada quase imediatamente após a expedição da ordem judicial.
Junto com outro Cisneiros, o colunista político Magno Martins (casado com a vereadora tucana de Recife, Aline Mariano, do PSDB) nomeava funcionários fantasmas para ocupar cargos políticos, em comissão, na Câmara. Um indicava, outro nomeava. O dinheiro se destinava à campanha política do tucano, conforme o relatório da PF.
As operações da PF – Jogo do Bicho, Farda Nova e Zelador – acabaram por expor a intensa atividade de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e corrupção de políticos do governo do falecido governador Eduardo Campos, do PSB, em conluio com empresários. Nas escutas feitas pela PF coma autorização judicial, algumas das negociações do grupo são identificadas como “negócios do petróleo” – uma referência à construção da refinaria de Ipojuca, próxima a Jaboatão dos Guararapes.
Junto com vários outros colegas da Câmara, todos agora denunciados na ação penal, Geraldo Cisneiros começou a atuar em fraudes em licitações em outros municípios do estado. Em princípio, na compra de merenda e uniformes escolares de cidades administradas pelo PSB, partido para o qual o ex-tucano Bruno Rodrigues migrou.
A dobradinha passou a responder pelos dois partidos no esquema: um cuidava dos interesses do PSDB, o outro, do PSB. Foi quando a PF identificou “uma verdadeira quadrilha”, no qual o doleiro e o tesoureiro de Eduardo Campos direcionavam licitações milionárias nos órgãos do estado para favorecer o esquema de corrupção.
A partir da investigação sobre jogo do bicho explorado pelo doleiro Emereciano, a polícia acabou por identificar 29 núcleos criminosos, cada qual descrito no relatório final do inquérito enviado à Justiça. Foram listados os integrantes da quadrilha e feitas as tipificações dos crimes por eles cometidos.
Sangria – A Petrobras aparece como um dos alvos do esquema de corrupção descoberto pela PF. De acordo com o inquérito, o Consórcio Terraplanagem, responsável por obras no complexo do Porto de Suape para construção da refinaria Abreu e Silva e o estaleiro Atlântico Sul, desviou, junto com a prefeitura de Ipojuca e várias empresas que participavam das obras, R$ 5,7 milhões da estatal em areia de aterro e da dragagem do porto.
Tudo com autorização de autoridades do estado, entre os anos de 2007 e 2008 – período em que Campos era governador de Pernambuco. Desse total, R$ 572,2 mil chegaram a ser faturados pela Petrobras ao consórcio, mas a PF informa no inquérito que, mesmo com a formalização da operação de venda da areia, o valor não foi pago.
O inquérito revela que auditoria especial do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou os responsáveis pelo desvio: o então diretor-superintendente do complexo portuário de Suape, Fernando Bezerra, ex-ministro da Integração Nacional e senador eleito pelo PSB, e Claudino Pereira, ex-diretor do porto.
O documento esclarece que os dois autorizaram a doação de 995,5 mil metros cúbicos de areia, embora contratualmente as receitas pertencessem à Petrobras. Do total, 760,4 mil metros foram extraídos da dragagem do porto. Contratualmente, as receitas pertenciam à estatal.
O inquérito policial federal foi aberto, inicialmente, em 2007, ano seguinte à posse de Eduardo Campos como governador do estado. Após seis anos de investigações sigilosas, resultou em distintas ações penais. Isso porque os delitos ali encontrados foram tipificados, ora como crimes comuns, ora como federais.
O inquérito tem cerca de 40 volumes de documentos, com milhares de páginas, entre relatórios, documentos com a quebra de sigilo de muitos investigados, centenas de cópias de cheques e extratos de contas-corrente e dezenas de CDs com a gravação de horas de grampos digitalizados e transcritos.
Entre eles, diálogos entre investigados e o ex-governador do PSB, no qual Eduardo Campos cobra do presidente da Ceasa, seu ex-tesoureiro de campanha, Romero Pontual, a realização de uma licitação na Secretaria da Educação.
A PF estranhou o fato de Pontual, ainda hoje responsável no governo pela área de abastecimento de produtos agrícolas, ter sido escalado por Campos para tratar de assunto totalmente alheio aos interesses da Ceasa.
Isso levou a PF a identificar Pontual como um dos líderes do esquema e fechar o organograma da corrupção. Ele e Bruno Ribeiro eram responsáveis pela identificação de oportunidades e pelo tráfico de influência com outras autoridades estaduais. Jordão Emereciano providenciava a lavagem do dinheiro e o presidente da Ceasa operava as fraudes.
O inquérito 172/2010 da PF, que trata do crime de fraude contra o sistema financeiro, foi separado do original (533/2007) e resultou em ação que tramita na 13ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco contra os empresários e doleiro Jordão Emereciano, representante da corretora Didier & Levy, e Otto Schmidt Neto, ex-gerente de uma agência da Caixa Econômica Federal.
Todos eles são acusados pela PF por gestão fraudulenta de instituição financeira, lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, e uso de documento falso.
Blindagem – Em 2013, uma decisão do Tribunal Federal da 5ª Região (TRF5) ordenou que parte das investigações da PF tivesse tratamento de ação penal comum com foro local. Mas, apesar da gravidade das denúncias, o escândalo foi solenemente ignorado pela imprensa pernambucana. O silêncio em torno do assunto e a complexidade para criminalizar a ação dos envolvidos poderá, inclusive, livrar os acusados graças à prescrição das penas.
Mesmo porque a PF identificou o braço do esquema responsável pela proteção e blindagem das irregularidades nas licitações fraudulentas: a Procuradoria Geral de Justiça do Estado (PGE), cujo papel é exatamente o de fiscalizar e zelar pelas boas práticas administrativas e pelo correto emprego do dinheiro público.
O inquérito revela que, nesse ponto, entrou em campo o “homem forte do PSB”, Romero Pontual, presidente da Ceasa, com forte influência sobre as demais autoridades. “Ele era uma espécie de PC Farias do esquema”, afirma Noelia Britto, procuradora da prefeitura de Recife.
No relatório, a PF constata a influência de Pontual sobre a PGE. Fala das ligações do presidente da Ceasa com Tadeu Alencar, procurador-geral do estado, acusado de direcionar o processo para que uma outra procuradora, Taciana Xavier, opinasse favoravelmente à dispensa de licitação.
A procuradora não tem ligação direta com o caso. Noelia, no entanto, organizou e distribuiu cópias do processo à imprensa e emissoras locais, em vão. Mesmo com tudo documentado, teve o esforço era ignorado pelas redações pernambucanas. A única visibilidade conseguida foi por meio de um blog na internet. Acabou, segundo ela, ameaçada de morte.
A reportagem entrou em contato com a assessoria de Romero Pontual, presidente da Ceasa, um dos denunciados em três dos 29 inquéritos do processo. Pontual é considerado um dos líderes do esquema, mas não quis se pronunciar. O assessor de imprensa da Ceasa, José Machado, tentou desqualificar a notícia sobre o escândalo. Segundo ele, trata-se de “espalhafato”, sem credibilidade por ser pauta da Agência PT de Notícias. Em seguida, bateu o telefone.
Por Márcio Morais, da Agência PT de Notícias