Professor Cristovam Buarque, pelo respeito que sempre tive pelo senhor, refleti durante 72 horas após a sua decisão de apoiar Aécio Neves para a Presidência da República, sob a alegação de que está buscando renovação e oxigenação. Aécio Neves não representa nada de novo nem de bom para o Brasil.
Me vejo na obrigação de lembrar ao senhor fatos sobre sua vida que parece ter se esquecido.
É importante que a sociedade tome conhecimento de como se deu a construção do governador, do senador e da liderança política Cristovam Buarque no Distrito Federal e no Brasil.
O senhor com certeza se lembra do dia em que compareci em sua casa juntamente com Luiz Inácio Lula da Silva, José Dirceu, Delúblio Soares, Sigmaringa Seixas e outros companheiros, no ano de 1990. Me lembro que naquele dia comemos uma paella na sua casa- a primeira da minha vida. Fomos te convidar a entrar pro PT como candidato a governador. Sabíamos que o senhor era um brizolista histórico, o senhor disse, mas sabíamos da importância que tinha trazê-lo do meio acadêmico da universidade de Brasília para a política.
Conversamos até altas horas e D. Gladys é testemunha disso. Na ocasião, o senhor disse que não era correto entrar para o PT e já assumir como candidato mas que faria o compromisso de se filiar naquele momento e ser candidato em 1994. E assim foi. Chegamos em 1994 e tivemos que disputar uma prévia. O senhor se lembra como foi difícil, se lembra que fui seu principal defensor na prévia, e que apesar de todas as dificuldades, vencemos?
Havia três candidaturas. O senhor se lembra o quanto foi atacado pelos demais candidatos? quando passou sua candidatura, o senhor se lembra do primeiro material de campanha, do cartaz onde o senhor ficou parecido com o Zacarias dos Trapalhões e D. Gladys disse que aquele cartaz não iria para as ruas ?
Na mesma hora garanti a ela que o cartaz seria inutilizado, e que eu iria fazer outro por minha conta. No outro dia, os pirulitos da cidade inteira amanheceram cobertos com um novo e bonito cartaz, de Planaltina a Brazlândia e toda a Esplanada dos Ministérios. Foi o início da sua campanha. No primeiro turno quem sustentava sua campanha nas ruas ? Cinco pessoas, eu, Carlos Alberto Torres, candidato a senador, D. Gladys e o Hermes de Paula, engenheiro da Caesb. Todo dia estávamos na rua, o Hermes só depois do expediente. O senhor não acreditava que iria chegar no segundo turno, porque o Valmir Campelo, PTB, aliado de Joaquim Roriz, era aparentemente imbatível. Mas conseguimos ir para o segundo turno e ai foi outra história, apareceu muita gente pra te apoiar e ganhamos as eleições.
O senhor se lembra do quão difícil foi governar o Distrito Federal ? das lutas internas do PT, de todos que te atacavam e saíram do PT enquanto eu saia na sua defesa ?
Mais tarde professor, o senhor se lembra de como foi difícil te sustentar com minha posição de deputado federal no Congresso Nacional, enquanto o senhor e Brasília eram humilhados pelo ex-presidente Fernando Henrique ?
O senhor se lembra do dia da discussão do aumento dos salários dos policiais civis do DF ? o ilustre ministro Nelson Jobim, da Justiça, determinou que deveria ter um diferencial de 10%, alegando que não era justo que o Brasil pagasse pra Polícia Federal o mesmo que pagava pra Polícia Civil. Eu tive que relatar esse projeto na Comissão de Trabalho, reduzindo em 10% o salário. Aquilo só fiz porque era compromisso forçado, porque o governo federal disse que não liberava os recursos para o pagamento dos demais servidores se eu não fizesse o que queriam.
O senhor se lembra do dia em que seu amigo, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, mandou um projeto terrível para o Congresso? Eles tinham maioria pra aprovar. Mas como queriam humilhar o PT, disseram que tinham que ter o voto de pelo menos um deputado do PT, e que se isso não acontecesse elas iam dificultar a sua vida e não liberar os recursos destinados ao GDF. E mais uma vez eu fui para o sacrifício. Na ocasião, fui ameaçado de ser levado pra Comissão de Ética pelo PT, pelo que eu havia feito pra defender o sucesso do seu governo, de um governo do PT.
O senhor se lembra da questão do asfaltamento e da construção da infraestrutura do Recanto das Emas e de Samambaia durante o seu governo? Lembra que José Roberto Arruda, líder do governo FHC no Senado, agora do mesmo lado seu, segurou no Senado para que não fosse aprovada a autorização dos empréstimos para isso? Pois é, se tivesse passado e tivéssemos feito as obras nestas duas cidades, o senhor não teria perdido as eleições seguintes para o governo.
O senhor se lembra que quando o Tribunal de Justiça lhe condenou e calou a sua boca eu como deputado federal, liderei um ato de desagravo na Câmara Federal, onde todos compareceram com uma tarja preta na boca, inclusive o senhor?
O senhor se lembra depois quando foi condenado por improbidade, há pouco tempo, pelo TJDF, nós lhe prestamos toda a solidariedade que achávamos que o senhor merecia?
Sabe, senador, os petistas não queriam mais apoiar o senhor para senador, e na última eleição sua eu tive dificuldade de convencer até mesmo a minha família. Minha filha Leila, que te admirava tanto, o Flávio meu filho, eles não suportavam mais seus comportamentos, os ataques que o senhor faz ao PT, ao Lula e a nossas ideias. Suas críticas não condizem com o apoio que sempre recebeu dos dirigentes e da militância petista.
Agora professor, com a sua decisão de apoiar Aécio Neves – que é o mesmo que apoiar Fernando Henrique e sua política neoliberal – nós que sofremos tanto no governo FHC, estamos perplexos e decepcionados. Quando o senhor adquiriu importância, os vigilantes que fizeram toda a sua segurança de graça, o Jervalino, o Moisés, o Edmilson, estão todos envergonhados e indignados.
O senhor se lembra da campanha em Taguatinga quando íamos lá fazer sua campanha ? quando íamos nas feiras, e o primeiro panfleto que confeccionei era eu de um lado, o Lula do outro e o senhor no meio ? e o senhor dizia pros feirantes , esse aqui é o Chico que todos conhecem, esse aqui é o Lula que todos conhecem, e esse do meio sou eu, Cristovam Buarque.
Pois é Cristovam, fomos nós que te apresentamos a Brasília. Fomos nós que te fizemos conhecido nesta cidade. A ingratidão é a pior coisa que existe. Falo com dor no coração, o senhor, infelizmente, traiu a nossa confiança, não honrou o que tínhamos de mais importante, que era respeito e admiração.
Como fiquei honrado quando o senhor disse que ia escrever minha biografia. Chegamos a gravar três horas, o senhor até escolheu o título, Vigilante, estrela vermelha do Brasil. Pois é professor, tudo acabou. O senhor já vinha criticando o PT há muito tempo, mas críticas fazem parte da democracia; o senhor mudou de partido, mas isso é um direito que lhe assiste.
Declarar apoio ao tucano Aécio Neves, no entanto, muda o patamar de sua trajetória. Isso significa que, desta vez, o senhor realmente optou pela direita. Não pertence mais ao nosso grupo de ideais, não defende mais um país melhor. Sua defesa agora é a do capital, e a das elites deste país, a da grande mídia comercial familiar, que tanto te massacrou, quando nós te defendíamos. O senhor agora é, claramente, um deles.
Siga o seu caminho que seguiremos o nosso, na trincheira de defesa dos trabalhadores.
Boa sorte professor!
Chico Vigilante
Militante do Partido dos Trabalhadores