Internacional

Universidade brasileira sob ataque contínuo preocupa entidades internacionais


Mais um ataque a pesquisa e a universidade brasileira ocorreu no início de julho, quando a Comissão Mista de Orçamento aprovou o projeto de lei do Congresso Nacional (PLN 17/2022) que reduz os recursos destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Diante dessa nova situação, o deputado Enio Verri (PT-PR) disse que “nossas universidades federais estão fechando, não tem dinheiro nem para papel higiênico! Não conseguem pagar vigia, pessoal de limpeza”.

Esses ataques vêm tendo diversas repercussões internacionais. A revista científica The Lancet afirma que, apesar da resistência dos pesquisadores brasileiros, a pesquisa no Brasil tem sido prejudicada por medidas implementadas pelo governo federal nos últimos 3 anos, como crescentes cortes orçamentários, ataques à autonomia das universidades e uma política geral de negação da ciência. A publicação relembra também um recente corte orçamentário de US$ 110 milhões para o orçamento do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações, além da retenção de US$ 490 milhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, afirmando que não só representa um enorme impedimento para a realização de pesquisas em universidades e institutos de pesquisa, como também compromete o futuro desenvolvimento científico de um país.

Estudantes prestam Enem em universidade em Brasília (Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)

A revista segue dizendo que outra recente demonstração de desrespeito aos pesquisadores foi um decreto federal, emitido em 5 de novembro de 2021, revogando o prêmio da Ordem Nacional do Mérito Científico concedido a dois cientistas, Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinicius Guimarães de Lacerda.

Em resposta a essa revogação, 200 vencedores anteriores do prêmio escreveram uma carta expressando sua objeção, e 23 outros cientistas brasileiros atualmente indicados para este prêmio retiraram seus nomes em solidariedade a seus colegas injustamente desacreditados. Esse ato também desencadeou uma reação imediata de várias sociedades acadêmicas e científicas brasileiras, incluindo a Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

A revista Science também já se manifestou a respeito da situação das universidades brasileiras nesses últimos anos. “Em geral, a pesquisa brasileira foi prejudicada por repetidos cortes orçamentários. Esses cortes ameaçam os projetos de ciência e tecnologia em andamento e os futuros, incluindo financiamento de bolsas para pesquisadores iniciantes”. São esses pesquisadores iniciantes que também vem alavancando as pesquisas brasileiras mundo afora. Entretanto, embora “as contribuições significativas do Brasil são impulsionadas por pesquisadores em início de carreira, mas sem o investimento adequado, esses jovens pesquisadores não terão escolha a não ser abandonar sua carreira acadêmica ou deixar o país”, afirma a Science. O que acontece é que no Brasil a maioria dos programas de pós-graduação exige dedicação integral, o pesquisador não pode ser conjugado com nenhuma outra fonte de renda a não ser a sua bolsa de pesquisa. A maioria dos estudantes de pós-graduação depende especialmente desse pagamento mensal enquanto bolsista para manter sua alimentação, saúde, transporte e vestuário. Em muitos casos, eles também estão sustentando suas famílias.

Esse constante declínio acadêmico brasileiro vem tomando uma proporção que a Scholars at Risk (SAR) exigiu formalmente uma atenção da Organização das Nações Unidas sobre o tema. A Scholars at Risk (SAR) é uma rede internacional de instituições acadêmicas, sediada nos Estados Unidos, organizada para apoiar e defender os princípios da liberdade acadêmica e defender os direitos humanos de acadêmicos em todo o mundo. Os membros dessa rede incluem mais de 530 instituições de ensino superior, em 42 países.

De acordo com Jesse Levine, diretor de advocacia sênior da Scholars at Risk, “o aumento acentuado das pressões sobre o ensino superior brasileiro é um lembrete gritante de que, quando o autoritarismo toma conta, a liberdade acadêmica não é apenas ignorada e deixada desprotegida – ela é ativamente visada. As universidades são vistas como uma ameaça para aqueles que estão no poder, que então fazem o que podem para refazer as universidades à sua própria imagem”.

Segundo o Instituto Scholars at Risk, entre as questões mais problemáticas estão as invasões governamentais à autonomia universitária e à expressão acadêmica. Em 2019 e 2020, o presidente Jair Bolsonaro publicou várias medidas provisórias destinadas a ampliar sua autoridade sobre o processo de nomeação de reitores da universidade, incluindo o poder de escolher livremente um reitor entre três candidatos e tentar – sem sucesso – dar ao ministro da Educação autoridade total para designar reitores e vice-reitores nas universidades federais. Além disso, Bolsonaro e seu governo conduziram investigações criminais contra acadêmicos que criticaram publicamente o presidente e membros de seu governo. Em um caso, o ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) foi obrigado a assinar um acordo.

Esse padrão de maior intervenção governamental no espaço do ensino superior foi parte de um declínio vertiginoso na liberdade acadêmica no Brasil durante o governo Bolsonaro. De fato, de acordo com relatório mais recente da Academic Freedom Index (AFi), que avalia o nível de respeito à liberdade acadêmica em 175 países e territórios com base em pesquisas com mais de 2 mil especialistas em todo o mundo, o Brasil é um dos quatro países (ao lado de Hong Kong, Índia e Turquia) que viu os maiores declínios na liberdade acadêmica entre 2011 e 2021. De 2017 a 2019, em meio à campanha presidencial e eleição do presidente Bolsonaro, o respeito à liberdade acadêmica no Brasil começou a obter uma queda muito mais significativa, segundo a AFi.

Segundo Catalina Arango, uma das líderes da Coalition for Academic Freedom in the Americas, destinada a promover e proteger a liberdade acadêmica, “o aumento das pressões sobre o ensino superior brasileiro nos últimos anos sinaliza a necessidade de um esforço hemisférico para implementar fortes proteções legais para a liberdade acadêmica e promover a liberdade acadêmica em todos os níveis – em universidades, governos nacionais, instituições internacionais e sociedades em geral”.

Diante dos recorrentes abusos que as universidades brasileiras vem sofrendo, antes da revisão de um relatório previsto para novembro de 2022, o SAR solicita aos Estados membros da ONU para pedir ao Brasil que reverta seu curso atual, que se mostrou profundamente prejudicial ao espaço universitário, inclusive: (1) estabelecendo padrões claros, transparentes e uniformes para a nomeação de lideranças universitárias que assegurem o poder de nomear e supervisionar as tais lideranças que cabe às comunidades acadêmicas; (2) abster-se de ataques à expressão acadêmica ou outras atividades expressivas não violentas por acadêmicos e estudantes; (3) garantir a segurança das comunidades de ensino superior; e (4) elaborar legislação que assegure que as proteções da liberdade acadêmica sob a Constituição Brasileira – particularmente os Artigos 206 e 207 – sejam consistentes com os padrões internacionais relevantes.

Marcelo Vinicius Miranda Barros é doutorando em Filosofia pela UFBA e autor do livro ‘Do reconhecimento ao corpo: diálogos entre Sartre, Hegel e Honneth’ (UFPel, 2021).

Fonte: Diplomatique Brasil

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