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Eletrobrás: patrimônio nacional faz 60 anos, novamente ameaçado por privataria

Maior empresa energética da América Latina completou no sábado (11) seis décadas de existência. No período, a estatal moveu a industrialização e fez a luz chegar a todo país

No sábado (11), a indignação e a luta tomaram o lugar da alegria no aniversário de 60 anos da Eletrobrás. Caso se concretize, a oferta de ações marcada para a segunda-feira (13), na qual será dissolvida a participação majoritária da União na estatal, caracterizará um dos maiores crimes contra a soberania nacional da história e fará o Brasil retroceder aos tempos em que os constantes apagões estavam na boca do povo.

“Rio de Janeiro / Cidade que nos seduz / De dia falta água / De noite falta luz” (Vagalume, por Violeta Cavalcanti). “Acende a vela, Iaiá / Acende a vela / Que a Light cortou a luz / No escuro eu não vejo aquela / Carinha que me seduz” (Acende a Vela, por Emilinha Borba). No carnaval de 1954, dois dos maiores sucessos da folia narraram dessa forma a precariedade do sistema elétrico brasileiro, na ocasião dominado pelo setor privado.

Na época, a geração e a distribuição de energia eram repartidas entre a estadunidense Amforp e a canadense Light. A produção de eletricidade era pífia e as redes de distribuição eram pequenas e isoladas. As empresas não conseguiam atender à demanda crescente em meio à urbanização e à industrialização aceleradas do país.

Veja a manifestação do presidente Lula nas redes sociais, neste dia 11 de junho:

Tamanha pressão em entregar de mão beijada a maior empresa de geração de energia da América Latina, responsável por quase 40% da energia consumida no Brasil, só tem uma explicação: medo da derrota na eleição de outubro, com o consequente fim da mamata com dinheiro público.

A Eletrobrás foi construída ao longo de 60 anos, com o suor de gerações de brasileiros. O resultado desse crime de lesa-pátria é a perda da nossa soberania energética. É a entrega de um bem essencial ao desenvolvimento de um país inteiro para empresários que só visam o lucro.

Perder a Eletrobrás é perder também Furnas, Chesf, Eletronorte e Eletrosul, entre outras empresas estratégicas. É perder também parte da soberania sobre alguns dos nossos principais rios, como o rio Paraná e o rio São Francisco.

É dizer adeus a programas como o Luz para Todos, responsável por trazer para o século 21 cerca de 16 milhões de brasileiros que antes viviam na escuridão, sem acesso sequer a um copo de água gelada.

É aumentar ainda mais a conta de luz, que hoje já pesa não apenas no bolso do trabalhador, mas também no orçamento da classe média.

Mas podem ter certeza: se vencermos a eleição de outubro, como todas as pesquisas anunciam, nós vamos restaurar a soberania do Brasil e do povo brasileiro.

Criação da Eletrobrás, uma decisão de Estado

Um mês após aquele carnaval, o então presidente Getúlio Vargas enviou ao Congresso projeto de lei autorizando o governo a fundar a Eletrobrás, iniciando um processo que só se concluiria em 11 de junho de 1962, quando João Goulart criou as Centrais Elétricas Brasileiras SA. Nascia a maior empresa energética da América Latina, hoje ameaçada pela privataria 2.0 de Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes.

Verdadeiro estadista, Vargas sabia que o governo só conseguiria garantir o suprimento energético necessário à industrialização do país se contasse com uma empresa estatal encarregada de planejar o sistema elétrico nacional, construir usinas e erguer torres com linhas de transmissão. Princípio adotado até hoje pelos quatro maiores produtores de energia do mundo – China, Canadá, Estados Unidos e Brasil (até agora).

Motivado pela recente criação da Petrobrás, aprovada pelos senadores e deputados poucos meses antes, Vargas não imaginava que enfrentaria tamanha resistência. Temendo perder mercado, Light e Amforp se lançaram em campanha feroz para impedir o processo, que se arrastou pelas comissões do Senado e da Câmara e só saiu do papel oito anos e quatro presidentes da República depois.

Alguns meses após enviar o projeto ao Congresso, em agosto de 1954, Getúlio Vargas se suicidou no Palácio das Laranjeiras. Antes de dar um tiro no coração, o presidente deixou seu testemunho em carta-testamento, acusando grupos antinacionalistas pela insana campanha oposicionista que o levou à decisão extrema.

“A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. Quis [eu] criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás. Mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o povo seja independente”, descreveu o presidente que “saiu da vida para entrar na história”.

Da criação à primeira tentativa de privatização

Como Vargas, tampouco os sucessores Café Filho e Juscelino Kubitschek conseguiram aprovar o projeto da Eletrobrás no Congresso. Ela só veio a ocorrer no curto governo de Jânio Quadros, em 1961. A faixa inaugural da empresa seria enfim cortada em 11 de junho de 1962, por João Goulart e o então primeiro-ministro Tancredo Neves.

A nova empresa recebeu a atribuição de promover estudos, projetos de construção e operação de usinas, linhas de transmissão e subestações destinadas ao suprimento de energia elétrica. E acabou incorporando a Amforp, em 1964, e a Light, em 1979.

Inaugurada em 1963, a Usina de Furnas (MG) desempenhava papel fundamental para o desenvolvimento econômico já um ano após a criação, quando entrou em operação a primeira unidade da hidrelétrica. A obra evitou o colapso iminente do fornecimento de energia aos parques industriais da Guanabara, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

A Eletrobrás passou a contribuir decisivamente para a expansão da oferta de energia elétrica e o desenvolvimento do país. Entre 1960 e 1980, a capacidade de geração instalada aumentou 600%, passando de 5 GW para 34 GW.

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Na década de 1990, as reformas institucionais e as privatizações do governo de Fernando Henrique Cardoso paralisaram os investimentos do sistema. Em maio de 1995, a Eletrobrás e suas quatro subsidiárias de âmbito regional foram incluídas no Programa Nacional de Desestatização (PND).

O PND passou a abranger formalmente todo o sistema, exceto Itaipu (empreendimento binacional) e o segmento de geração termonuclear, por impedimento constitucional. As exceções ainda valem em 2022, nesta segunda tentativa de privatização do sistema.

Em 12 de julho de 1995, o leilão da Escelsa inaugurou a venda das empresas estatais de energia elétrica. As privatizações alteraram a composição da estrutura de propriedade do setor, principalmente na área de distribuição. Mais da metade do mercado nacional de distribuição de energia elétrica passou para o controle de grupos privados, nacionais e estrangeiros, em decorrência da venda de concessionárias atuantes em 11 estados.

As licitações de aproveitamentos hidrelétricos também contribuíram para a ampliação do número de agentes privados no segmento de geração. Mesmo assim, o crescimento da oferta de energia elétrica na segunda metade dos anos 1990 foi assegurado basicamente pelas empresas da Eletrobrás e pelas concessionárias públicas estaduais.

No segundo mandato, FHC enfrentou imensa resistência dos movimentos sindicais e sociais à sua política de reforma e desestatização do setor elétrico. O que passou para a história como privataria tucana fracassou em atrair o volume de investimentos necessário para expandir a oferta, e o blecaute de 11 de março de 1999, que deixou metade do país às escuras por horas, acirrou as críticas à privatização.

A situação piorou em 2001, com o episódio do “apagão”. A maior crise de energia elétrica já ocorrida no Brasil impôs um rigoroso programa de racionamento que estabeleceu metas de redução de 15% a 25% do consumo de energia para consumidores residenciais, industriais e comerciais, empoderando uma inflação na curva ascendente e travando uma atividade econômica em trajetória descendente.

Governos do PT reestruturaram o setor energético

O quadro institucional do setor energético sofreu profundas mudanças nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Em 2004, foi adotado um conjunto de leis e decretos que revitalizaram a presença do Estado no planejamento e regulação do setor e o papel das empresas públicas na expansão do sistema elétrico brasileiro.

Lula cumpria assim seu compromisso com a revisão abrangente da política energética, assumido com a sociedade em julho de 2002, quando apresentou o programa de governo para o setor. Publicado pelo Instituto Cidadania, o documento apontou o fracasso do “modelo de sistema elétrico desregulamentado e entregue às forças do mercado”, defendendo a suspensão das privatizações e uma série de outras medidas.

Uma das autoras do documento, Dilma Rousseff foi nomeada para o Ministério de Minas e Energia (MMA) em janeiro de 2003, assumindo a liderança das reformas. Presidido pela ministra, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou as diretrizes da proposta do novo modelo institucional em julho de 2003, e em dezembro Lula assinou as Medidas Provisórias nº 144 e 145, contendo as bases legais do novo modelo.

A mudança do marco regulatório setorial tinha três objetivos principais: garantir a segurança do suprimento energético, promover a modicidade tarifária por meio da contratação eficiente e assegurar a universalização do acesso e uso dos serviços de eletricidade no país. Em março de 2004, Lula promulgou as Leis nº 10.847 e 10.848, que modificaram o arcabouço regulatório do setor.

A Eletrobrás e suas empresas controladas Furnas, Chesf, Eletrosul, Eletronorte e CGTEE foram retiradas do PND pelo artigo 31 da Lei nº 10.848, oriundo de emenda apresentada pelo então deputado Fernando Ferro (PT-PE), relator do projeto de lei de conversão da MP nº 144 na Câmara. Foi eliminado assim um dos principais óbices para a retomada dos investimentos do grupo Eletrobrás na expansão do sistema elétrico brasileiro.

Também em 2004 foi criado o Programa Luz para Todos, com o desafio cumprido de universalizar o acesso à energia elétrica para moradores rurais do país. O programa chegou a 3,3 milhões de famílias, beneficiando 15,9 milhões de brasileiros e brasileiras.

Os dados evidenciam o tamanho do investimento público realizado. No total, foram empregados 1,6 milhão de km de cabos elétricos, o que equivaleria a 40 voltas ao redor da Terra. Até 2016, as obras do Luz para Todos geraram 498 mil postos de trabalho.

O Luz para Todos usou mais de 1,2 milhão de transformadores e mais de 8,3 milhões de postes. Na região amazônica, uma nova tecnologia, com postes de resina feitos para flutuar nos rios, permitiu o transporte mais rápido de 68 mil postes, levando luz elétrica a regiões de difícil acesso e para mais de 30 mil famílias indígenas.

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Também foram implementadas políticas públicas como o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (PROINFA), que incentivou a adoção de energia solar e eólica, além de pequenas centrais hidrelétricas e termelétricas a biomassa. O PROINFA garantiu o aumento da oferta de energia elétrica e a redução da emissão de gases de efeito estufa.

Com o objetivo de levar maior segurança ao fornecimento, foi reforçada a infraestrutura de transmissão de energia com construção recorde de linhas ligando as várias regiões do país. Foram construídos 30.038 km linhas de transmissão e outros 13.254 km estavam em andamento em maio de 2016.

Leilões contrataram 1.229 empreendimentos, com capacidade de 92 mil MW. Entraram em operação mais de 57.814 MW, aumentando em 70% a capacidade do sistema em relação a 2002. Em maio de 2016, obras em andamento garantiriam mais 18 mil MW.

Hoje a Eletrobras está presente em todo o Brasil, e possui capacidade instalada para produção de 39.413 MW, ou 38% da energia gerada no Brasil. As linhas de transmissão têm 60 mil km de extensão, ou 56% do total no país. Tudo produto da ação do Estado.

Controle do Estado será retomado “de forma não traumática”

Seis anos após o golpe que afastou a presidenta legítima Dilma Rousseff, o PT traça planos para retomar o controle estatal da Eletrobrás, colocado na mira do setor privado ainda em 2017, pelo usurpador Michel Temer. Em 2021, o desgoverno Bolsonaro conseguiu o aval do Congresso para avançar com o crime de lesa-pátria que pretende perpetrar na próxima semana.

Lula se posicionou mais de uma vez contra a privatização da Eletrobras e fez críticas à venda em ano eleitoral. “Privatizar a Eletrobrás é entregar de bandeja esse inestimável patrimônio duramente construído pelo povo brasileiro”, disse em maio no Twitter.

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Em um eventual novo Governo Lula, o questionamento da privatização se dará “de forma não traumática”, qualificou o senador Jean Paul Prates (PT-RN) à agência Reuters. “Temos que usar as mesmas regras de mercado. As que são contestáveis serão (contestadas), usando as regras do jogo. O Estado brasileiro como acionista, majoritário ou não, se mexerá. É um poder e uma prerrogativa do acionista agir”, garantiu.

Presidenta nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) ressalta que a privatização tocada pelo desgoverno Bolsonaro tornou a operação insegura para os investidores sob aspectos jurídicos, econômicos e políticos. “Da forma como está sendo conduzida, com subavaliação de ativos, atropelos nos processos licitatórios e outros procedimentos, essa privatização configura uma verdadeira negociata”, conclui.

O Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) estima que, privatizada a Eletrobrás, a conta de luz vai subir de 15% a 25%. Estudo do órgão sindical afirma que “a soberania e a segurança energética, a transição energética e a democratização do acesso à energia elétrica ensejam o controle estatal no setor”.

Com a privatização da Eletrobrás, aponta o Dieese, há ainda “enorme risco de perda de controle do Estado sobre a política nuclear brasileira”. Sessenta anos depois de Getúlio Vargas, os mesmos grupos de antes continuam agindo para que o povo não seja independente. Como já ocorreu antes, eles não passarão.

Da Redação, com informações da Agência Senado, Reuters e FGV

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