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Artigo: Meditação como ato político

Ademar Kyotoshi Shôjo Sato – Formado pela Universidade de São Paulo, monge do Shin-Budismo da Terra Pura

Estamos iniciando em Brasília (DF) a Meditação Popular Amorosa em praça pública, especialmente nesta fase da pós-pandemia, se é que assim podemos dizer. De fato, foi o sofrimento coletivo que afetou o mundo todo, apesar do avanço da ciência e da tecnologia e a despeito da nova articulação de forças não só militares como também econômicas no mundo todo, com a invasão da Ucrânia pela Rússia e o ressurgimento da barbárie direitista.

Meditação se confunde com o budismo, na sua proposta de atenção, concentração e esforço. Hoje não é preciso ser budista para praticá-la. Mas para que serve? Para trazer a mente tranquila e o coração confiante. Isso significa que, mesmo na época do Buda Shakyamuni, que viveu na Índia no século 6 a.C., as pessoas sofriam. Ele, que nasceu príncipe, era amado pelos pais, estimado pelos súditos, adorado pela jovem esposa e tinha do bom e do melhor, no entanto, estava insatisfeito com a vida e buscou respostas. Largou tudo e saiu por aí. Buscou orientar-se com os sábios da época, fez ioga e praticou muita penitência. De repente, deu-se conta que a insatisfação e o sofrimento fazem parte da vida, especialmente dos seres humanos que buscam a felicidade. E que tanto o sofrimento quanto a felicidade têm a ver não apenas com o próprio estado de espírito como também com as condições externas. Assim nasce o budismo que perdura até os dias de hoje.

Mas a meditação deixou de ser popular na medida em que as seitas foram surgindo como se fossem segredos de estado e passou a ser privilégio de iniciados ou de profissionais que viviam na reclusão. Falavam em sabedoria e compaixão e deixaram o amor de lado. Dia desses, andei pensando: por que não levar essa amorosidade para espaços públicos e ensinar não somente a meditar, mas também a refletir sobre a nossa realidade hoje? Mas como eu poderia fazer isso, como chegar às pessoas?

Buda ensinou que não basta prestar atenção, se concentrar e se disciplinar no esforço. Esse é o procedimento necessário para refletir sobre nossa visão do mundo, pensamento sobre a vida, as palavras, as ações e o nosso modo de ser. Por que há tanta desigualdade no mundo, os direitos para viver livremente não são respeitados, estamos sempre insatisfeitos com o consumismo quase que compulsório? São oito as sendas para encontrar o sentido da vida e chegar à felicidade. É o caminho óctuplo da bem-aventurança.

Difícil, então?

Acabei encontrando um caminho para unir a meditação à reflexão e, assim, facilitar a compreensão do que deveria ser o resultado final da meditação. A arte.

Por meio da fala, da música, da poesia, os nossos artistas populares transmitem conceitos melhor que os filósofos e os teólogos. Assim, o nosso João de Barro versou e Pixinguinha musicou como chorinho: “Meu coração, não sei por que, bate feliz quando te vê, e os meus olhos ficam sorrindo… Ah, se tu soubesse como sou tão carinhoso… e como é sincero o meu amor… vem, vem, vem, vem… vem para matar esta paixão… só assim então serei feliz, bem feliz”.

Mas a vida não é só felicidade. Kyu Sakamoto lançou em um grande sucesso mundial chamado Olhando para o céu: “Eu ando olhando para cima para as lágrimas não caírem, relembrando aqueles dias de primavera, mas esta noite estou só e triste; eu ando olhando para cima, contando as estrelas com os olhos cheios de lágrimas, relembrando aqueles dias de verão, mas esta noite estou só e desorientado; a felicidade está além das nuvens, ela está acima do céu, mesmo assim, ando olhando para cima para as lágrimas não caírem, esta noite estou só e angustiado, relembrando aqueles dias de outono; nesse inverno cheio de ganância e arrogância, de ódio e raiva, ignorância e mentiras, a tristeza está na sombra das estrelas, na sombra da lua; eu ando olhando para cima, então, as lágrimas não caem, não caem, embora elas aumentem enquanto caminho”.

Assim, na Meditação Popular e Amorosa, com o exercício consciente da respiração, relaxamos o corpo e a mente, buscando harmonizar a resiliência e o equilíbrio — o verdadeiro caminho do meio — com amorosidade, espontaneidade e fraternidade. A Yoko e o John dizem no Imagine: “Imagine que não exista paraíso mas é fácil se você tentar, nenhum inferno sob nós e acima da gente apenas o céu; imagine todas as pessoas vivendo o presente; imagine que não há países, nada para matar ou razão para viver, nenhuma religião também; imagine todas as pessoas vivendo em paz; pode dizer que sou um sonhador, mas eu não sou o único e espero que algum dia se junte a nós e o mundo será como um só; imagine que não existem posses nem necessidade de ganância ou fome, uma irmandade fraternal, imagine todas as pessoas compartilhando o mundo inteiro; pode dizer que sou um sonhador, mas não sou o único, e espero que um dia se junte a nós e o mundo viverá como um só!”. Basicamente, é isso que reflete o caminho óctuplo da meditação para a vida plena.

*Artigo Publicado no Correio Braziliense

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