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Manifestações trouxeram de volta uma palavra que andava sumida: impeachment


Há 120 pedidos de impedimento de Bolsonaro na gaveta do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), seu aliado

Por Leonardo Sakamoto*

Os protestos, de sábado (29), contra o governo Jair Bolsonaro representaram um “Eu Não Autorizo, tanto para as bravatas antidemocráticas do presidente da República quanto para sabotagem que ele vem realizando no combate à pandemia.

É representativo que a avenida Paulista, em São Paulo, tenha recebido muito mais quarteirões de gente agora do que no ato de apoio a Bolsonaro, no Primeiro de Maio. Naquele momento, seus seguidores ergueram cartazes com o slogan “Eu Autorizo” ao lado de faixas com “Intervenção Militar Já”.

Até agora, Jair se aproveitou do fato que apenas os seus seguidores ocupavam as ruas para afirmar que o “povo” estava pedindo uma ação enérgica contra as medidas de restrição social para reduzir o contágio por covid-19.

Claro que o presidente considera como “povo” apenas a parcela que a ele diz amém. Já os brasileiros deste sábado, ele enxerga como baderneiros, mercenários, terroristas.

Protestando contra as mais de 460 mil mortes por covid-19 e cobrando tanto vacina para salvar vidas quanto um auxílio emergencial de valor maior para afastar a fome, centenas de milhares foram às ruas. Apesar de a grande maioria usar máscaras e tentar manter distanciamento, houve aglomeração nos atos maiores – o que preocupa porque estamos entrando na terceira onda de mortes.

Os manifestantes se justificam afirmando que sabem dos riscos disso e não são negacionistas, mas veem a demonstração da insatisfação popular fora das redes sociais como a única forma de frear as ações e omissões do presidente no combate à pandemia. Defendem que ficar em silêncio e deixar Bolsonaro seguir seu curso causaria mais dor e sofrimento.

Além de mostrar o que as pesquisas de opinião já apontam, de que há mais gente irritada do que feliz com ele e seu governo, as manifestações também trouxeram de volta uma palavra que andava sumida do léxico político nacional: impeachment.

Há 120 pedidos de impedimento de Jair Bolsonaro na gaveta do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), seu aliado. Mas desde que Rodrigo Maia (DEM-RJ) presidia a casa, eles se acumulam. A avaliação é de que só teriam chance de prosperar se pessoas fossem maciçamente e sistematicamente às ruas, como foi contra Dilma Rousseff.

Popularidade

E, ao mesmo tempo, o apoio que ele tem caísse ainda mais. A aprovação a Bolsonaro, que chegou a 37% em agosto do ano passado, passou a 31% em janeiro, 20 dias após seu governo suspender o auxílio emergencial, atingiu 24%, o menor valor de sua gestão, na última pesquisa Datafolha. Dilma foi afastada pela Câmara quando tinha 13% de aprovação, mas Temer se manteve mesmo com 3%, pois contava com o Congresso.

Impeachment ainda é, portanto, uma ideia distante. O fato de voltar a ser falado nas ruas pode trazer consequências: o centrão, que aluga proteção a Bolsonaro, aumenta o seu preço – em emendas, em cargos, em divisão de poder; as investigações das sabotagens do governo na CPI da Covid, no Senado Federal, ganham apoio; a oposição a Bolsonaro que se articula para 2022 se fortalece internamente.

Se a população estivesse vacinada haveria mais gente protestando? Difícil saber. Pois, se a maioria dos brasileiros já tivesse recebido as duas doses de um imunizante, a vida estaria voltando ao normal, como nos Estados Unidos. Isso significaria que Bolsonaro teria comprado vacinas em quantidade suficiente no ano passado. Mas, se assim fosse, ele não teria sabotado o combate à pandemia. E ela seria mais curta, com menos mortes, o que levaria a ele desfrutar de melhor popularidade.

Por outro lado, se a covid-19 estivesse num momento mais brando, atos juntariam mais pessoas, o que poderia pressionar o parlamento. As frentes Povo sem Medo e Brasil Popular vão se sentar para analisar o impacto das manifestações, mas é pouco provável uma sequência de atos dessa magnitude neste momento da pandemia.

Auxílio emergencial

Além de tentar emparedar ações e omissões de Bolsonaro, um resultado concreto, segundo a coluna apurou junto a deputados federais da oposição, pode ser uma nova investida para aumentar o auxílio emergencial para R$ 600. Os R$ 150 de piso compram, hoje, menos de 25% da cesta básica em Florianópolis, São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro, segundo levantamento mensal do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).

Segundo o instituto, 55% das famílias que ganham até R$ 2.200 não votariam em Bolsonaro de jeito nenhum em 2022. Entre os desempregados, 14,4 milhões de pessoas de acordo com a PNAD Contínua do IBGE, a aprovação do presidente é de apenas 16%.

É cedo para afirmar quais os desdobramentos. O presidente deve se utilizar do lamentável episódio em Recife, quando a polícia partiu para cima de manifestantes, ferindo gravemente alguns deles, para ameaçar com mais medidas antidemocráticas. Quando acuado e fragilizado, ele costuma mentir e atacar ainda mais.

Mas, se de um lado, os protestos serviram para mostrar o tamanho da insatisfação, que só não ocupa mais as ruas devido a questões sanitárias, por outro, lembrou ao país que, hoje, o governo e o negacionismo não representam a vontade da maioria da população.

Leonardo Sakamoto é jornalista e escreve para o Brasil de Fato

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